No final da semana 45 sertanejos de Mata Grande, Água Branca, Pariconha, Delmiro Gouveia, terras alagoanas e de Paulo Afonso, na Bahia, vizinho próximo destes municípios, entraram no ônibus da empresa Localima, que habitualmente fazia esta viagem e tomaram o rumo de São Paulo.
Uns, iam passar alguns dias das festas de fim de ano com familiares que ali moram. Outros, buscavam na grande metrópole o emprego que outros familiares haviam conseguido para eles. Outros talvez, aproveitassem para ir fazer algumas compras na 25 de Março, nesse período pré-natalino de tantas limitações impostas pela Covid. Cada um, à sua maneira, buscando a realização pessoal dos seus sonhos.
Nos vídeos que gravaram durante a viagem, expressões de alegria e a preocupação de informar aos familiares que ficaram na terrinha amada que a viagem estava tranquila.
Apesar das muitas notícias veiculadas nas redes socias sobre as condições do ônibus, não se faz aqui um julgamento da empresa. Fala-se aqui da efemeridade do viver.
Em um instante o sonho, o riso, o abraço sonhado se desfaz no ar. O sonho acabou, para muitos e para outros, seus familiares e amigos, abriu-se um vazio imenso quando as redes sociais, as rádios, os canais de televisão começaram a falar da tragédia que ninguém esperava, nem queria que acontecesse.
Era sexta-feira, dia 4 de dezembro de 2020. E sobre o viaduto conhecido como Ponte Torta em uma estrada que se tornou conhecida como Estrada da Morte, o motorista não conseguiu encontrar os freios deste ônibus cheio de gente feliz e não teve como controla-lo quando ele voltou de ré, atingiu o alambrado da ponte que cedeu com o seu peso e caiu a muitos metros abaixo sobre a linha férrea.
Alguns sobreviventes que tiveram a rápida ideia de saltar do veículo em movimento, conseguiram se salvar da tragédia, inclusive um dos motoristas que se apresentou à polícia na segunda-feira, no início da tarde.
Dezenas de sertanejos deram entrada nos hospitais e dali, uma sobrevivente fez uma chamada de vídeo para tranquilizar a mãe aflita: “Mãe, eu estou bem. Já estou medicada e tenho apenas dor de cabeça. Mas estou bem. Fica tranquila. As suas orações me salvaram, mãe!”
Outros 19 colegas de viagem dessa passageira não puderam fazer mais nenhuma chamada de vídeo, inclusive aquele rapaz que, minutos antes tranquilizava a família sobre a viagem...
Foram dias intensos de muita dor física dos que permanecem em tratamento no hospital, mas vivos, esperando o momento de reencontrar os seus amados e dor maior, no coração, na alma, daqueles familiares dos 19 outros passageiros que terminaram a sua viagem embaixo daquele viaduto ou no leito de um hospital...
No final da tarde do dia 07 de dezembro de 2020, o aeroporto de Paulo Afonso, recebeu dois aviões da Força Aérea Brasileira. Em um deles estavam 14 caixões dos passageiros mortos nesse acidente, três deles do município de Delmiro Gouveia, seis outros do município de Água Branca e povoados e os outros de Mata Grande que, durante muitas décadas também já se chamou Paulo Afonso, e do povoado Santa Cruz do Deserto, onde era a sede da empresa do ônibus e onde estivemos, eu, Ricardo e Nicolas, da Galvídeo, filmando as alegres festas de formatura em três anos seguidos, sempre no mês de dezembro. É possível que algum desses formandos estivesse nesse ônibus, nessa viagem interrompida...
Em outro avião da FAB, chegaram os familiares e amigos que tiveram a difícil missão de ir a Belo Horizonte reconhecer o corpo do ser amado que partiu tão cedo do convívio familiar em pleno mês de dezembro, mês de alegria, de festas, de jantares em família, mesmo entre as mais humildes...
No aeroporto de Paulo Afonso, grande número de pessoas que foram levar aos familiares que acompanharam o seu gesto de solidariedade com a sua dor, suas palavras de conforto, suas orações para acalmar o seu espírito atribulado.
Também no aeroporto, o silêncio marcante do respeito das pessoas presentes foi quebrado com o som forte dos motores dos aviões trazendo as vítimas deste acidente e seus familiares, recebidos também pelos prefeitos dos seus municípios, vereadores, autoridades e amigos.
Parados os motores dos aviões, fez o silêncio das despedidas, enquanto os caixões eram transferidos do avião para o ônibus do Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas para seguirem para cada um dos municípios.
De repente, um outro som rompeu o silêncio e trouxe grande emoção para todos os presentes.
Era um jovem senhor chamado Luiz Henrique, de 38 anos de idade, evangélico, que é músico voluntário da Banda do Exército e da Banda Harmonia Celeste da Igreja Assembléia de Deus de Paulo Afonso que fez soar aos céus os sons da canção Porque Ele Vive, uma mensagem musical de alento a todos que estavam sofrendo naquela hora difícil. Esta e outras canções acalmaram os corações sofridos...
Luiz Henrique repetia ali o que faz, por muitos meses, desde que o Covid assustou os mais idosos que se recolheram às suas casas. Ele, um vencedor do Covid, no começo das noites, chega à frente das casas desses mais idosos com o seu sax soprano, já bem velhinho, e leva a música como alento para a suas almas apreensivas.
Nesse final de tarde no aeroporto de Paulo Afonso, por um momento, ao som de uma canção que fala de esperança, ele levou a paz, aos desesperados e entristecidos, e todos entenderam que “Porque Ele, Jesus Cristo, Vive, podemos crer no amanhã...” porque a vida é apenas um sopro, uma pequena chama e cada um de nós, dos mais humildes e pobres aos multimilionários somos iguais diante da morte.
Lembro, como uma palavra de conforto para as almas de todos nós, do depoimento da filha de um grande banqueiro com agências do seu banco espalhadas pelo mundo que morreu de Covid em Lisboa-Portugal e, diante do caixão lacrado, sua filha dizia: “Nós somos uma família milionária e meu pai morreu por falta de ar, que é de graça. Esqueçam o dinheiro. Valorizem a vida!”.
Solidários à esta dor intensa que aflige os corações dos familiares, renovamos a nossa esperança que o Espírito Santo há de consolar a todos para que possam suportar o restante de suas caminhadas...
Que esta tragédia que tanto entristece os nossos corações e certamente ainda mais o dos familiares e amigos próximos nos faça refletir sobre o amor, sobre o outro, sobre a vida...
Antônio Galdino da Silva
madrugada de 8 de dezembro de 2020
Excelente cobertura jornalística e mt bom texto; apesar da inegável tristeza em que fomos acometidos; afinal... somos nordestinos e mt unidos até, e principalmente, nesses momentos!