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Professor Galdino

Há 74 anos, cassacos e engenheiros construíram a Chesf para a redenção do Nordeste - E a “luz de Paulo Afonso” clareou o Nordeste e o Brasil

Publicada em 15/03/22 às 11:41h - 1700 visualizações

Antônio Galdino


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Há 74 anos, cassacos e engenheiros construíram a Chesf para a redenção do Nordeste - E a “luz de Paulo Afonso” clareou o Nordeste e o Brasil
 (Foto: Arq. Jornal Folha Sertaneja e acervo Memorial Chesf Paulo Afonso)

Neste 15 de março de 2022 a Chesf – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco – comemora 74 anos de vida intensa de uma história que, em meados do século passado mudou a história do Nordeste.

15 de março de 1948 foi a data em que o presidente General Eurico Gaspar Dutra instalou a primeira diretoria desta empresa hidrelétrica, no Rio de Janeiro.

A Chesf nasceu anos antes. Primeiro, no sonho do Engenheiro Agrônomo Apolônio Jorge de Farias Sales, Ministro da Agricultura do Governo do Presidente Getúlio Dorneles Vargas. E esse sonho de Apolônio Sales, nordestino de Altinho, no agreste de Pernambuco, tomou forma nos Decretos-Leis Nº 8.031 e 8.032 levados por ele para serem assinados pelo presidente Getúlio Vargas no dia 3 de outubro de 1945, dia de Santa Terezinha, de quem era Apolônio devoto, criando a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco – Chesf. Os Decretos-Leis assinados pelo presidente Getúlio nesta data, faziam nascer ali esta grande empresa...

Mas no Brasil, desde os tempos de Deodoro da Fonseca, vez por outra dá-se uma sacudida no governo. Foi o que aconteceu no dia 29 de outubro de 1945 com o governo do presidente Vargas. Ele foi deposto pelos militares e o presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro José Linhares, assumiu o governo por uns meses e manteve as eleições marcadas para 2 de dezembro de 1945 quando foi eleito presidente da República o antigo Ministro da Guerra de Getúlio, o General Eurico Gaspar Dutra.

A atenções do novo presidente e do seu ministério se voltaram inicialmente para outros problemas do Brasil e os Decretos-Leis de criação da Chesf ficaram amarelando, adormecidos em algum arquivo do Palácio Presidencial por mais de dois anos.

Em julho de 1947, o Presidente Dutra e grande comitiva, ministros, militares, governadores, visitaram a Cachoeira de Paulo Afonso e a visita mereceu grande cobertura jornalística, em várias páginas da revista O CRUZEIRO datada de 12/07/1947.

Nessa reportagem, escrita por Theófilo de Andrade e com fotografias de Ângelo Regato, o título – ENERGIA PARA O NORDESTE - não deixava nenhuma dúvida sobre o propósito da visita do Presidente Dutra e desta grande comitiva à região.

No canto de uma página dupla da revista com uma foto da Cachoeira de Paulo Afonso ocupando todo o espaço das duas páginas, um pequeno box traz esta nota: 608.000 CAVALOS! – Salto principal da cachoeira de Paulo Afonso que, aproveitada industrialmente, poderá fornecer 608.000 cavalos ao Nordeste, desde a Bahia à Paraíba.

Presidente Eurico Gaspar Dutra e grande comitiva em visita à Cachoeira de Paulo Afonso (matéria de O CRUZEIRO de 12/07/1947)

Em outra página a revista traz a seguinte legenda abaixo da foto da placa da visita do Imperador D. Pedro II, em 20 de outubro de 1859:

DOIS CHEFES DE ESTADO em Paulo Afonso. Há quase 90 anos, visitou a Cachoeira de Paulo Afonso o Imperador D. Pedro II. Foi o primeiro governante do Brasil que ali pôs os pés. – o segundo, quase cem anos depois, foi o presidente Eurico Dutra, conclamando os brasileiros a dar uma solução ao grande problema.

Da esquerda: Engenheiro Adozindo Magalhães de Oliveira - Diretor Administrativo; Carlos Berenhauser Júnior - Diretor Comercial; Antônio José Alves de Souza - Presidente e Octávio Marcondes Ferraz - Diretor Técnico.


Oito meses depois dessa visita, em 15 de março de 1948, o Presidente Dutra nomeia e empossa a primeira diretoria da Chesf formada pelos engenheiros Antônio José Alves de Souza – Presidente; Adozindo Magalhães de Oliveira – Diretor Administrativo; Octávio Marcondes Ferraz – Diretor Técnico e Carlos Berenhauser Júnior – Diretor Comercial.

O primeiro presidente da Chesf já trabalhava na Divisão de Águas do Ministério da Agricultura há anos e em outras oportunidades já tinha estado na região fazendo estudos sobre o rio São Francisco.

A partir da criação da Chesf começou a grande epopeia para se construir a primeira usina hidrelétrica de grande porte no Nordeste, aproveitando-se a ideia do cearense Delmiro Gouveia que, há 35 anos passados havia inaugurado a Usina Angiquinho, na margem alagoana do rio São Francisco.

Os primeiros operários se enfurnavam nos túneis, como o animal cassaco, que vive entre as pedras. Daí serem chamados de CASSACOS.

Os técnicos da Chesf optaram em construir a Usina de Paulo Afonso na margem baiano do rio onde existiam terras do povoado Forquilha, de poucas casas esparsas, área, assim como a Usina Angiquinho, de propriedade Cia. Agro Fabril Mercantil S.A de Delmiro Gouveia – AL e definitivamente comprada pela Chesf em 31 de outubro de 1957, nove anos depois de construída a Usina de Paulo Afonso, inaugurada em 15 de janeiro de 1955.

Construir a 1ª Usina de Paulo Afonso foi, de fato, uma grande epopeia. Tudo no entorno dos canteiros de obras para se construir a Usina hidrelétrica, a barragem Delmiro Gouveia e todo o acampamento da Chesf, chamado de Cidade da Chesf, com mais de 2 mil casas residenciais, escolas, clubes sociais, hospital, igreja, escritórios, era um imenso deserto forrado pela vegetação miúda da caatinga.

Reservatório Delmiro Gouveia, em fevereiro de 1954. Em outubro ele seria cheio.

Tão inóspita era a região que os primeiros técnicos e engenheiros precisavam ficar hospedados em Delmiro Gouveia e trabalhar em Paulo Afonso, cerca de 40 quilômetros distante. Um destes foi o Engenheiro Bret Cerqueira Lima que me disse em um vídeo que fiz com ele: - Isso aqui era só mato, mato, caatinga braba. Eu e outros engenheiros ficávamos hospedados em Delmiro Gouveia. Esta região do hoje Bairro General Dutra, na Chesf, onde fica o CPA, a Casa da Diretoria da Chesf, era chamada de Peito de Moça...

Alojamento dos operários solteiros

Outro pioneiro de Paulo Afonso, Engenheiro Luiz Fernando Motta Nascimento, que chegou a Forquilha ainda quando da construção da Usina Piloto em 1946, acompanhando seu pai, o Mestre Alfredo, eletricista contratado para trabalhar nesta Usina, foi estudante do Ginásio Paulo Afonso, concluinte de 1958 e depois de formar-se em Engenharia foi duas vezes diretor da Chesf – da Diretoria de Suprimento e da Diretoria de Construção. Autor do livro Paulo Afonso – Luz e Força Movendo o Nordeste e de vários documentários e publicações da Memória da Eletricidade tem muitas histórias sobre esse sofrido começo, inclusive sobre a construção da cerca de arame farpada, trocada depois por um muro de mais de um quilômetro separando a área da Chesf do Povoado Forquilha:

- “Para a definição da área limite da Chesf e a segurança dos seus escritórios e moradias do Acampamento da Chesf, a Diretoria da Chesf, atendendo a sugestão do Consultor Jurídico Afrânio de Carvalho, cercou as áreas do Acampamento e das Obras”.

A primeira guarita principal e depois, já com o muro e a movimentação intensa de pessoas

Todas as ações da Chesf para construir esta primeira usina e, depois várias outras, se revestiram de trabalho excepcional de nordestinos rudes, a maioria sem nenhum conhecimento técnico, tanto que a Chesf precisou estabelecer um convênio com o SENAI e criar, paralelamente à suas escolas para as crianças, uma escola profissionalizante para formar parte da mão de obra que precisava, além de cuidar de alfabetizar muitos deles em horários noturnos...

E foram esses homens rudes, nordestinos que vieram das terras castigadas pela seca, que construíram a maior empresa do Nordeste.

Para isso, não mediam nenhum esforço, viravam as noites e madrugadas, enfurnavam-se, sem camisas, nos túneis que iam sendo abertos com dinamite, e por isso ganharam o apelido de cassacos.

Operário à direita, só de calção, em 26 de julho de 1950

Operários cavando os túneis para a instalação dos geradores da 1ª Usina de Paulo Afonso-18 de setembro de 1953

As fotos da época, quando não se tinha nenhuma legislação ou normas sobre uso de equipamentos de proteção, mostram homens sem camisa, suando forte, no calor dos túneis e no clima nordestino, preparando tudo para que, a 80 metros de profundidade nos paredões de granito, fossem criadas as condições para que se instalassem os grandes geradores de energia hidroelétrica para que o Nordeste brasileiro saísse da condição de grande miséria em que vivia.

Os estudos sobre a região a equiparavam com os piores índices de desenvolvimento humano dos países mais pobres da África.

Daí ter dito certa vez e repetido sempre que se faz necessário que o Nordeste brasileiro tem dois grandes capítulos em sua história: o Nordeste A/C (antes da Chesf) e o Nordeste D/C (depois da Chesf).

Presidente Café Filho inaugura a Usina Paulo Afonso 1

A primeira Usina da Chesf foi inaugurada em 15 de janeiro de 1955, pelo presidente da República, João Café Filho, nordestino do Rio Grande do Norte.

E foi grande a euforia de todos ao receberem energia vinda da Chesf em suas casas. Um engenheiro da Chesf conta que, quando a luz de Paulo Afonso chegou ao Recife a sua primeira providência foi comprar um liquidificador para sua mãe que o recebeu como grande, excepcional presente.

A importância da Chesf para a região pode ser medida, se comparar com o desenvolvimento do próprio município de Paulo Afonso, hoje prestes a completar 64 anos (em 28 de julho).

Quando em 1948 a Chesf chegou a este lugar, conhecido como Forquilha, eram poucas casas, de taipa, rústicas, espalhadas pela caatinga. Dez anos depois, quando nasceu o município de Paulo Afonso e o inexpressivo povoado de Forquilha transformou-se na cidade de Paulo Afonso, e a população do município, na sua emancipação, em 28 de julho de 1958,  era de cerca de 25 mil habitantes.

Hoje, quando a Chesf completa 74 anos e Paulo Afonso se aproxima dos 64 anos, a população já é de mais de 120 mil habitantes.

Não se pode nunca esquecer que tudo começou com os nossos humildes cassacos sertanejos. Eles construíram a gigante Chesf de hoje!

E esse trabalho fantástico sempre foi reconhecido por muitas diretorias da Chesf, especialmente as primeiras.

Nos acervos de fotos e vídeos históricos da Chesf é fácil encontrar o Presidente Dr. Souza, o Diretor Técnico Marcondes Ferraz junto com os cassacos, os operários humildes em festas, brincadeiras, atividades sociais promovidas pela própria diretoria.

Tão amado era o presidente Antônio José Alves de Souza que presidiu a Chesf de 15 de março de 1948 a 18 de dezembro de 1961 e vivia muito em Paulo Afonso, onde morreu de infarto fulminante.

Quando de sua morte, a Câmara Municipal de Paulo Afonso solicitou à sua família que o seu corpo fosse sepultado em Paulo Afonso. A família preferiu levá-lo para o jazigo dos familiares no Rio de Janeiro mas permitiu que o seu coração fosse sepultado nesta cidade, o que aconteceu ao pé do seu busto no Belvedere, marco do primeiro decênio da Chesf.

Eu cheguei a Paulo Afonso em 20 de novembro de 1954 e trabalhei na Chesf por mais de 36 anos, tendo convivido com muitos presidentes e diretores desta empresa, onde também trabalharam meu irmão e meu pai e, anos atrás, fiquei assustado e bem chateado com o comportamento de um presidente da Chesf que promoveu uma reunião no auditório do Memorial Chesf em Paulo Afonso e, visivelmente descontrolado e totalmente despreparado para o cargo que lhe deram, gritava com os funcionários e dava murros na mesa. Uma atitude que não reflete a boa imagem que sempre tivemos desta grande empresa. A situação foi tão agressiva que uma pessoa que estava ao meu lado me falou baixinho: ele deve ter esquecido de tomar o seu remédio hoje...

Os que me honram com essa leitura certamente entendem o que lhes digo. Sempre fomos muito agradecidos por tudo o que a Chesf fez por esta região, de onde ela também tirou muito dos seus pacatos moradores.

Para que a Chesf seja hoje esta grande empresa brasileira, a maior do Nordeste, muitos homens humildes morreram em suas obras.

Para que a Chesf continue fazendo o Nordeste crescer muito, foi necessário que muitas cidades fossem inundadas, que as histórias centenárias de milhares de pessoas ficassem debaixo de bilhões de metros cúbicos de água.

Tenho a mesma idade que a Chesf que, também na terceira idade, precisa continuar a ser a redenção desta região, apoiando projetos para que as cidades que nasceram a partir dela continuem frutificando.

Madura, septuagenária mas sempre jovem, pela renovação do seu quadro de pessoal e pela modernização de suas máquinas e equipamentos e também pela busca e apresentação de novas fontes de energia, precisa entender sempre que para que ela ocupe esse lugar de destaque nacional e tenha receitas bilionárias, há a permanente necessidade de reconhecer, com humildade, que tudo isso foi começado por homens rudes, os cassacos, cujos familiares, filhos e descendentes optaram em continuar morando em Paulo Afonso e cidades vizinhas, onde também já moraram e trabalharam muitos dos seus atuais diretores.

Foto 1 - Usinas Paulo Afonso 1, 2 e 3. Foto 2 - Complexo Usinas de Paulo Afonso, 1, 2 e 3, Apolônio Sales e Usina Paulo Afonso 4. Foto 3 - Usina Hidrelétrica de Xingó

A Chesf completa hoje 74 anos com projetos de modernização, expansão na geração, transmissão de energia e inovação para suas 12 hidrelétricas, 14 usinas eólicas, 136 subestações e mais de 21 mil  quilômetros de linhas no seu portfólio. Entre eles sua Usina Solar Fotovoltaica Flutuante no Reservatório de Sobradinho. A Chesf  programa investimentos de R$ 1,5 bilhão ao longo de 10 anos para a  modernização das usinas hidrelétricas de Sobradinho, Luiz Gonzaga,  Paulo Afonso IV e Xingó, instaladas na calha do rio São Francisco.

Hoje, os que ocupam cargos tão importantes e estratégicos na Chesf e em muitas outras empresas do Brasil, ali estão porque lá atrás, na difícil década de 1950 e seguintes, muitos cassacos como meu pai e os pais, tios, avós de milhares de outras pessoas deram seu suor, seu sangue e muitos desses pioneiros cassacos, deram a própria vida para que a Chesf existisse e hoje possa comemorar 74 anos de caminhada, iluminando o Nordeste e o Brasil.

Que esta empresa, cujo ninho dos seus geradores pioneiros foi criado no ventre desta terra de Paulo Afonso, há 80 e mais metros de profundidade nos paredões de granito abertos pelos nossos cassacos e onde estão cinco das suas usinas hidrelétricas, continue sendo esta Chesf de que todos nos orgulhamos de fazer parte e de que, embora aposentados depois de trabalhar 30 ou mais anos, sempre seremos chesfianos.




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4 comentários


Newton Oliveira Alves de Souza

16/02/2024 - 14:10:28

O meu Pai esta enterrado no mesmo Jazigo aonde esta o meu avo. Dois grandes pais e engenheiros. Sempre fico emocionado quando vejo essas homenagens/reportagens feitas sobre o meu avo Antonio Jose Alves de Souza. Obrigado!!! Newton


Júlio Lucas

15/03/2022 - 15:42:43

Gratidão, professor Galdino, por manter viva para as novas gerações a memória dessa gente humilde responsável por significativa parcela dessa grandiosa história de luta é progresso do nosso Nordeste. Meu pai foi um desses homens, não necessariamente um cassaco, mas uma espécie de anjo da guarda destes, um enfermeiro entre tantos outros profissionais da saúde e de outros setores que auxiliaram os operários nessa saga. Como o senhor, professor e comunicador,sempre cuidando de salvaguardar nossa história. Parabéns à Chesf, parabéns Paulo Afonso, parabéns Folha Sertaneja!


PAULA FRANCINETE RUBENS DE MENEZES

15/03/2022 - 14:57:39

Excelente apanhado histórico, num texto impecável que dá gosto ler. Gratidão, Prof.Galdino, por este trabalho em favor da memória da nossa região. Parabéns!


F. Nery Júnior

15/03/2022 - 13:59:39

O professor Enoque Pimentel me contou sobre a sua emoção ao conduzir o coração do doutor Alves de Souza, nas mãos, para o Memorial lá no Parque Belvedere, bem como a discussão que culminou com a versão que aparece na placa abaixo do busto de bronze.


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