Dia 4 de outubro de 2022. O Rio São Francisco completa 521 anos do seu descobrimento.
Quando organizei o livro Rio São Francisco em Prosa e Versos, produzido pela Academia de Letras de Paulo Afonso e publicado em novembro de 2020 com o apoio do prefeito de Paulo Afonso, Luiz Barbosa de Deus, escrevi uma introdução da qual fiz ajustes e acrescentei outras informações e lhes apresento, como uma reflexão, uma homenagem ao rio São Francisco neste seu aniversário de descobrimento.
Durante todo o texto veremos que hoje são muitos os pedidos que são feitos para que as autoridades constituídas e os moradores ribeirinhos e todos os outros habitantes façam a sua parte no sentido de melhor preservar esse grande manancial da vida no Nordeste.
O Professor Roberto Ricardo do Amaral Reis, membro fundador, Cadeira 7, decano dessa ALPA, morador de Paulo Afonso desde a década de 1960, professor querido de milhares de alunos do Colepa e do Ciepa, onde fundou com outros colegas professores, Severino Gilson e Edileuza, o Instituto Geográfico e Histórico de PauloAfonso - IGH/PA -, do alto dos seus 80 anos, faz a São Francisco, o santo que dá nome ao rio, uma prece pela cidade que escolheu para viver e que o recebeu como Cidadão de Paulo Afonso.
Pedido de Benção
Roberto Ricardo
São Francisco de Assis, que foste homem e hoje és Santo,
e sempre pregaste a bondade.
Que sabes das nossas mazelas, e acolhes nossos prantos.
Proteja nossa cidade!
São Francisco de Assis, que vigias nossos passos,
e condenas a vaidade.
Que conheces nossos erros, e sabes que somos fracos.
Proteja nossa cidade!
São Francisco de Assis, que sempre nos deste a mão,
e semeias humildade. Que nos mostram os caminhos,
da esperança e do perdão.
Proteja nossa cidade!
Paulo Afonso, 15/12/2007
Desde a Serra da Canastra, em Minas Gerais, onde começa a sua caminhada, até encontrar-se com o mar, entre os Estados de Alagoas e Sergipe, o rio São Francisco vai-se apresentando de forma diferente, despertando olhares de espanto e de contemplação.
Pequenino, frágil, tímido, vai descendo o chapadão de Zagaia e, já encorpado, volumoso, despenca-se do alto do paredão formando a cachoeira Casca D´Anta.
Espraiando-se pelo serrado mineiro, vai recebendo o abraço de outros rios que lhe tornam grande e forte, imenso, gigantesco e segue por quase 3 mil quilômetros.
Ainda em terras mineiras tem o seu caminho interrompido pela primeira grande Barragem, a de Três Marias, que pode guardar 19 bilhões de metros cúbicos de suas águas que movimentam usinas hidrelétricas e levam o progresso para este pedaço da região sudeste do Brasil. De Pirapora, o rio segue na direção do Nordeste do Brasil.
Suas águas deixam o cerrado e chegam à caatinga, chegam à Bahia e ali, ao formar o grande Lago de Sobradinho o rio vai-se espalhando por centenas de quilômetros e forma o maior reservatório do país, com mais de 34 bilhões de metros cúbicos de água, e o sertanejo vê cumprir-se a profecia do beato Antônio Conselheiro: O sertão vai virar mar. O assunto deu até música, de Sá e Guarabira que virou tema de novela da rede Globo de Televisão.
Lago de Sobradinho: um mar de 400 quilômetros de extensão e 4.214 quilômetros quadrados de espelho de água.
De novo, gera energia elétrica, permite a irrigação de muitas terras e segue o seu caminho das águas, até ser novamente interrompido por outra barragem, a de Itaparica, e novamente virar mar que engoliu cidades, e sepultou debaixo de mais de 11 bilhões de metros cúbicos de água histórias e memórias de sertanejos igualmente centenários, como o rio que segue o seu curso, rumo a Paulo Afonso, onde vira outro pequeno mar: Lago de Moxotó.
Ali, a força das suas águas, na inspiração da sua maior cachoeira, a de Paulo Afonso, produz muita energia hidroelétrica das cinco grandes usinas de Paulo Afonso e essa energia, “a luz de Paulo Afonso”, reescreveu a história do Nordeste, desde 15 de janeiro de 1955, quando se inaugurou a primeira Usina de Paulo Afonso.
Em Paulo Afonso, onde a história da energia hidroelétrica do rio São Francisco começou, a união dos reservatórios de Moxotó e de PA-4, com mais de um bilhão de metros cúbicos de água, mudou a paisagem do lugar, transformando a parte histórica e pioneira da cidade de Paulo Afonso numa ilha.
E o rio segue o seu curso. A partir de Paulo Afonso e por 65 quilômetros, o rio da unidade nacional, que tanto se espalhou por muitas terras, agora segue, encaixotado entre imensos paredões de granito, com profundidade de até 180 metros em alguns trechos, até encontrar-se com mais uma barragem em seu caminho, a do reservatório de Xingó, cuja usina hidrelétrica ali instalada produz mais energia para o Nordeste.
O lago, no cânion, permite que catamarãs, lanchas de turismo conduzam milhares de visitantes que chegam para conhecer a sua história, banhar-se em suas águas e admirar os grandes paredões que parecem talhados, em sua cor avermelhada, cenário de novelas e documentários.
No cânion do rio São Francisco estão mais de 3 bilhões de metros cúbicos de água...
E o rio segue o seu curso. Abraça e beija a encantadora Piranhas, a “cidade presépio”, passa por Entremontes, terra das rendas e bordados...
Chega a Belo Monte e Pão de Açúcar, de onde a imagem do Cristo, no alto do morro, acompanha a passagem dos barcos, rio acima, rio abaixo.
O São Francisco, mineiro de nascimento e nordestino por acolhimento e bem-querer do seu povo, chega em Propriá e Colégio, alcança a centenária Penedo, de tantas histórias e, entre as terras sergipanas de Brejo Grande e alagoanas de Piaçabuçu enfim abraça o Oceano Atlântico e nesse abraço, a força de suas águas o fazia avançar mar a dentro.
Hoje, há o inverso dessa situação. Uma moradora dos povoados junto à foz declarou, há muitos anos a um jornalista do Globo Repórter: “O rio tá sem forças. O mar tá engolindo o rio”. Há anos, o povoado Cabeço foi invadido pelo mar e o farol ficou no meio das águas.
Mais recentemente um tubarão martelo, criatura do mar, virou notícia ao ser visto em Propriá/SE, cerca de 80 quilômetros da foz. Também já foi documentado pelas redes de televisão que os ribeirinhos da foz precisam subir rio acima para encontrar a água doce para consumo humano...
Rio São Francisco, de muitas histórias, muitas lendas, muitas canções. Promotor do desenvolvimento regional, hoje fragilizado, doente, gritando, quase sem voz, pede socorro.
Há décadas que os governantes desse país vêm prometendo grandes ações para a revitalização desse importante rio, o único totalmente brasileiro, essas ações nunca acontecem e o rio continua morrendo à míngua...
Muitos séculos depois da sua descoberta, um dos grandes defensores desse rio, o sertanejo José Theodomiro, conhecido como o “Velho do rio”, nascido em Petrolina, cidadão baiano, falecido em 03/12/2003, alarmado com o que o homem estava fazendo com o rio, lembrou do imenso paredão de onde despenca a Cachoeira Casca D´Anta e escreveu:
“Está enfraquecido o Velho Chico, e agoniza, jurado de morte que foi pela ganância e inconsciência dos seus próprios filhos. E quando ele morrer, no lugar onde hoje é a cachoeira Casca d’Anta, nós, que o amamos, faremos fixar no paredão da serra o epitáfio: ‘Por aqui passou um rio que foi destruído por um povo que usou a inteligência para praticar a burrice’.”
O vaticínio do Velho Theodomiro está se cumprindo mais rapidamente do que previam os aproveitadores de sua grandeza.
Li, certa vez, que “um rio enquanto corre, pensa, fala, canta, lamenta, ri, grita e até chora. Eu, o Rio São Francisco, sou um daqueles rios que gostam de prosa”.
Li, também que você, Velho Chico, quando encontra um ombro amigo, às vezes até se lamenta e chora, “como se estivesse ficando meio humano” e em um destes momentos de reflexão você dizia:
“Tristezas? Tenho lá as minhas. Tristeza de ver tanto desmazelo e tamanha depredação das nascentes... Tristeza de ver as águas dos meus afluentes minguando. Sou o rio de todos, o rio dos Currais, das Missões, gerador de energia, da irrigação, da lavadeira, do pescador, do artesão. O rio que mata a fome e a sede de milhões de brasileiros...”
(João Rafael Picardi Neto,
in Velho Chico – Patrimônio mundial).
Acabaram-se as cachoeiras de Pirapora, Itaparica, Paulo Afonso.
Em Paulo Afonso, só nas grandes cheias do rio volta o maior dos espetáculos, as muitas águas da Cachoeira de Paulo Afonso que, de tão encantadora, tirou o Imperador D. Pedro II do seu conforto na corte, no Rio de Janeiro, para conhecê-la, o que fez em 20 de outubro de 1859.
A contemplação da beleza desta cachoeira inspirou poetas, compositores, artistas plásticos como o pauloafonsino, hoje arquiteto, Hilson Costa.
“Apenas um retrato na parede”
Mas, o que era uma beleza permanente, agora só acontece de tempos em tempos, cada vez mais distantes um do outro. O espetáculo das águas da Cachoeira de Paulo Afonso visto entre janeiro e março de 2022, havia sido visto pela última vez há mais de 10 anos atrás.
No ano de 1980, o historiador e poeta José Carlos Feitosa, Carlinhos da Sala dos Visitantes, de saudosa memória, escreveu um poema onde já previa que, a Cachoeira de Paulo Afonso, logo, seria apenas “um retrato na parede”.
O grito do Velho Chico
José Carlos Feitosa
Rio São Francisco,
Rio da integração,
Fazer desse torrão teu caminho
É o grande presente do Criador.
Como criatura te agradeço,
O Nordeste de abraça e reverencia,
Te admiro velho guerreiro,
Tu, destemido e generoso nos traz alento,
Tu nos fazes esperançosos e corajosos
Rasga teu leito neste chão árido,
Suavizas nossas agruras,
E com força empurras o mar.
Escuto teu grito perdendo forças,
Quem dera perpetuar o teu curso,
Eternizar o véu da noiva...
Choro contigo meu Velho,
Sei que a queda da cachoeira
Será em breve um retrato na parede.
Paulo Afonso, março de 1980
Eita, Velho Chico, suas águas nos inspira!
Excelente passeio pelo rio São Francisco desde a nascente até a foz. Parabéns