Meu Deus! Quantos ouvidos moucos!
Há anos, séculos até que se grita a plenos pulmões para que se faça alguma coisa, uma ação concreta e definitiva para a total revitalização do rio São Francisco.
Tão cantado em versos e prosas, tão citado em estudos e teses de doutorado pelo Brasil a fora, tão amado pelo poetas e prosadores, e por músicos e barqueiros e as lavadeiras e todos os que se utilizam das suas águas benfazejas para viver nesses sertões caatingueiros.
Rio São Francisco é progresso, desenvolvimento, razão da vida de milhões de pessoas...
E, ingratas, essas mesmas pessoas que dele se utilizam todos os dias, estão matando o rio, aos poucos, com toneladas de agrotóxicos, esgotos de centenas de cidades, retirada das matas ciliares de suas margens...
Os pescadores reclamam que os peixes desapareceram, a quantidade pescada diminui a olhos vistos a cada ano, seja pela pesca predatória e fora de época seja pelas grandes barragens que impedem a piracema...
O “rio da unidade nacional”, “caminho da civilização”, caminho das águas, levando gente e mercadorias das terras sertanejas para as grandes metrópoles, transformado em grandes mares, no sertão, vive pedindo socorro tá tanto tempo, mas quantos ouvidos moucos...
Aquele rio que nasce no alto da Serra da Canastra e, “se arrastando como cobra pelo chão” como disse Lula Tenório em sua canção chamada de Rio São Francisco, percorre quase 3 mil quilômetros, banhando terras de cinco Estados – Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe e a sua bacia ainda beija terras do Distrito Federal... Rio tão vigoroso, forte, imponente, vez em quando dá sinais de cansaço, de andar lento e penoso, parece agonizar...
As suas águas despencavam nas cachoeiras de Paulo Afonso com vontade. Eram mais de 18 mil metros cúbicos de água por segundo saltando de mais de 80 metros de altura e, espremido entre os paredões de granito, tão forte era que há milênios, abriu enorme canal de 65 quilômetros até chegar em Piranhas e ali, em canais mais suaves, caminhar em busca do mar onde chegava muito forte e entrava mar a dentro, e ia longe...
Hoje, as grandes cachoeiras de Paulo Afonso, como já dizia o poeta Carlos Feitosa (in memorian) em 1980, “as suas muitas águas são apenas um retrato na parede”.
[...]
Escuto teu grito perdendo forças,
Quem dera perpetuar o teu curso,
Eternizar o véu da noiva...
Choro contigo meu Velho,
Sei que a queda da cachoeira
Será em breve um retrato na parede.
Na foz, onde chegava impondo sua força e entrando mar a dentro, hoje ele é dominado inteiramente pelas águas do Oceano Atlântico que, ao contrário do rio, é quem avança quilômetros dentro do seu leito, a ponto de inundar o Povoado Cabeço de que resta apenas, no meio do mar, o seu farol e a triste notícia é que os moradores mais próximos da foz do rio precisam embarcar em suas toscas canoas para ir, rio acima, encontrar a sua água doce, para saciar a sua sede porque, por muitos quilômetros o rio traz a água salgada do mar que lhe invadiu...
Em 2020, organizamos para a Academia de Letras de Paulo Afonso – ALPA - um livro chamado Rio São Francisco em Prosa e Versos. Em fevereiro de 2022, no 18º aniversário do Jornal Folha Sertaneja, lançamos o Caderno Cultural DOMINGO, especial sobre o rio São Francisco com textos, reportagens, poemas de escritores da ALPA e letras de canções sobre a grandeza do rio São Francisco e os cuidados que ele precisa ter e sobre a falta de um grande projeto nacional de revitalização do rio, tantas vezes anunciado e prometido, principalmente nas campanhas eleitorais...
E, infelizmente, a cada ano, reuniões imensas, seminários grandiosos, congressos intermináveis têm acontecido e o rio São Francisco apenas ouve e chora, definhando a cada ano...
No livro Rio São Francisco em Prosa e Versos estão depoimentos como os que seguem. Dele também extraímos dois poemas, que estão no final desse texto, como reflexão sobre o tema, modesta contribuição deste site www.folhasertaneja.com.br e seu diretor/editor. Veja também o Caderno Cultural completo sobre o Rio São Francisco clicando no link CADERNO CULTURAL, nesta página, logo abaixo das primeiras matérias.
Esse, a seguir, é um pequeno trecho extraído do livro Rio São Francisco em Prosa e Versos, da ALPA:
“Muitos séculos depois da sua descoberta, um dos grandes defensores desse rio, o sertanejo José Theodomiro, conhecido como o Velho do rio, nascido em Petrolina, cidadão baiano, falecido em 03/12/2003, alarmado com o que o homem estava fazendo com o rio, lembrou do imenso paredão de onde despenca a Cachoeira Casca D´Anta e escreveu:
“Está enfraquecido o Velho Chico, e agoniza, jurado de morte que foi pela ganância e inconsciência dos seus próprios filhos. E quando ele morrer, no lugar onde hoje é a cachoeira Casca d’Anta, nós, que o amamos, faremos fixar no paredão da serra o epitáfio: ‘Por aqui passou um rio que foi destruído por um povo que usou a inteligência para praticar a burrice’.”
O vaticínio do Velho Theodomiro está se cumprindo mais rapidamente do que previam os aproveitadores de então. E o rio chora, como mostra esse diálogo...
Li, certa vez, que “um rio enquanto corre, pensa, fala, canta, lamenta, ri, grita e até chora. Eu, o Rio São Francisco, sou um daqueles rios que gostam de prosa”.
Li, também que você, Velho Chico, quando encontra um ombro amigo, às vezes até se lamenta e chora, “como se estivesse ficando meio humano” e em um destes momentos de reflexão você dizia:
“Tristezas? Tenho lá as minhas. Tristeza de ver tanto desmazelo e tamanha depredação das nascentes... Tristeza de ver as águas dos meus afluentes minguando. Sou o rio de todos, o rio dos Currais, das Missões,
gerador de energia, da irrigação, da lavadeira, do pescador, do artesão. O rio que mata a fome e a sede de milhões de brasileiros...” (João Rafael Picardi Neto, in Velho Chico – Patrimônio mundial).
Se alguém deseja receber essa Caderno Cultural do Jornal Folha Sertaneja sobre o Rio São Francisco, apenas 4 páginas, diga para onde devemos enviar, se E-mail ou WhatsApp, enviando uma mensagem de texto para o E-mail: professor.gal@gmail.com ou WhatsApp 75-99234-1740. Sem nenhum custo. (Antônio Galdino)
Rio São Francisco
Jotalunas Rodrigues
E se você se for velho rio
O que é que vamos fazer?
E se você se for velho rio
De que é que vamos viver?
Com sede e fome
Não resistirá o homem,
Onde existe água e riqueza
Sobrará o leito seco, o chão...
Não haverá mais proezas
Acabará a integração!
E se você se for velho rio
O que é que vamos fazer?
E se você se for velho rio
De que é que vamos viver?
Impossível imaginar
Que isso tudo pode acabar
E a vida sem esse manancial,
Como viver nesse sertão
Sou só ribeirinho,
Me livrem do mal
Quero morrer na virtude,
Colhendo meu pão!
Vamos salvar o Velho Chico
Rafael Neto
Por ganância desmedida
O homem, ser racional,
Age como irracional
Polui, desmata e liquída,
O prejuízo é a vida,
E podendo até reverter
Cruza os braços, e fica a ver.
Dinheiro, fama e progresso,
E encobre com seu “sucesso”
Um Rio prestes a MORRER.
Eu sedento me comovo
E minha sede é de justiça
Opará tua premissa,
Foi REDENÇÃO pra meu povo
Matastes do velho e do novo
As nossas sedes tamanhas
Destes tudo, e o que ganhas?
Esgotos, lixo e veneno
Pois o homem, ser pequeno,
Destrói as tuas entranhas.
Nunca pensei que este Rio
Findasse afogado em mágoas
Já teve forças nas águas
No mais louco desvario
Hoje não está sadio
E o povo não se desperta
Eu deixo um sinal de alerta
A toda população
Sem revitalização
Sua morte súbita é certa.
As margens irregulares
Grandes partes desmatadas
Pois não foram conservadas
Suas matas ciliares
A minha fé intercede
E o Rio São Francisco pede
Que o homem não o deflagre
E para fazer jus ao nome
O Santo do Cognome
Tem que fazer um milagre.
(in Rio São Francisco em Prosa e Versos, Antônio Galdino da Silva (ORG), Editora Oxente, Paulo Afonso-BA, 2020)