Mês de julho a rede escolar do município de Paulo Afonso se movimenta, logo após o recesso escolar, para a realização de eventos, palestras, mesas redondas, rodas de conversas envolvendo o alunado para lembrar a todos – o que poderia ser feito durante todo o ano – a história dos primeiros tempos e a caminhada do município de Paulo Afonso em todos esses anos.
Em 2024 já se comemora 66 anos da assinatura da Lei Estadual 1012/1958, em 28 de julho de 1958, pelo governador da Bahia Antônio Balbino de Carvalho, tornando o então Distrito de Paulo Afonso independente do município de Glória a quem pertenceu até então.
Com essa Lei, a população de Paulo Afonso começou a pensar no seu primeiro prefeito para a organização de todo o novo município que nascia naquela data: 28 de julho de 1958.
O começo da caminhada...
Abel Barbosa e Silva, o mentor da Emancipação de Paulo Afonso - o inventor de Paulo Afonso
Mas a história da criação do município de Paulo Afonso começou bem antes, ainda no final do ano de 1950 quando chegou a esta região, conhecida como Forquilha, o Sr. Abel Barbosa e Silva. Ele nasceu em Pesqueira/PE, em 3 de junho de 1928. Chegou em Paulo Afonso em 2 de setembro de 1950. Foi vereador em Glória, pela Distrito de Paulo Afonso e por várias legislaturas, vereador na Câmara Municipal de Paulo Afonso. Foi prefeito de Paulo Afonso por duas vezes. Faleceu em 26 de abril de 2018, com quase 90 anos.
Na época, da sua chegada a Paulo Afonso, já existia um grande comércio na principal rua do Povoado Forquilha, chamada de Rua da Frente que passou a se chamar, anos depois de Avenida Getúlio Vargas. Era chamada de Rua da Frente porque ficava de frente para o chamado Acampamento da Chesf, uma verdadeira cidade construída pela Chesf que chegou à região em 1948 para construir a maior Usina Hidrelétrica do Nordeste naquele tempo, a Usina de Paulo Afonso.
Com a chegada da CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco – e a construção do seu enorme Acampamento com quase duas mil casas, hospital, campo de futebol, clubes sociais – o COPA e o CPA – escritórios, uma igreja católica, a Igreja de São Francisco e várias Escolas para os filhos dos empregados da empresa hidrelétrica.
A Vila Poty e o Acampamento da Chesf eram separados por uma cerca de arame e depois por um muro de pedras, como mostra essa pintura do artista plástico, hoje arquiteto, pauloafonsino Hilson Costa
E os muitos nordestinos que chegavam, com o sonho de trabalhar nas grandes obras da CHESF iam se instalando no Povoado Forquilha, que era separado do Acampamento, também chamado de Cidade da Chesf, por uma cerca de arame farpado que depois foi substituída por um muro de pedras.
Clube Paulo Afonso, no Bairro General Dutra/Chesf
As ruas do Acampamento da Chesf formavam vários bairros. Todos com farta iluminação, água encanada, ruas, calçadas, belas praças. Havia o Bairro General Dutra onde ficava o Clube Paulo Afonso – CPA, o Ginásio Paulo Afonso -GPA, a Casa da Diretoria da Chesf e ali moravam os engenheiros e encarregados da obra de construção da Usina de Paulo Afonso.
Clube Operário de Paulo Afonso, no Bairro Alves de Souza/Chesf
Um outro bairro chamado de Vila Alves de Souza era onde ficavam os funcionários administrativos e outros. Ali estavam o Clube Operário de Paulo Afonso, que era frequentado pelos moradores dos Bairros Alves de Souza e Bairro Operário, as Escolas Adozindo Magalhães de Oliveira, hoje outro bloco da UNEB onde ficam as salas de aulas, o Campo de Futebol, a Igreja de São Francisco, a Escola Alves de Souza, a Casa de Hóspedes, o primeiro prédio construído em Forquilha, ainda em 1945, para apoio à construção da Usina Piloto.
Casa de Hóspedes da Chesf
Outra área de muitas residências era o Bairro Operário onde ficavam os trabalhadores mais humildes e talvez os mais importantes da obra, os seus verdadeiros realizadores, chamados de “cassacos” que construíram a Chesf, a maior empresa do Nordeste, agora privatizada e chamada de Eletrobras. A maioria das casas desses empregados eram grupos de dez casas geminadas, cinco de cada lado.
Presidente da República, João Café Filho, inaugura a primeira Usina de Paulo Afonso em 15/01/1955
Em 15 de janeiro de 1955 era festivamente inaugurada a Usina de Paulo Afonso, a primeira de um amplo complexo que foi construído na região ao longo de 50 anos. Nesse dia o presidente João Café Filho e centenas de ilustres convidados, ministros, senadores, deputados, governadores dos estados celebravam a geração da energia hidroelétrica que chegava a Salvador, capital do Estado da Bahia e a Recife, capital do Estado de Pernambuco, a quase 500 quilômetros de distância de cada lado.
O Acampamento da Chesf com iluminação feérica por todos os lados e os muitos nordestinos que chegavam todos os dias nos muitos caminhões paus-de-arara iam se arrumando com dava. E construíam seus barracos, casebres que eram forrados com os sacos de cimento da marca Poty muito utilizado nas obras da Chesf. E eram tantos barracos e casebres feitos assim que toda essa área do lado de fora da Chesf passou a ser conhecida como Vila Poty.
Vereador José Rudival de Menezes, do PTB, o mais votado nas 2 primeiras legislaturas da Câmara Municipal de Paulo Afonso
E nessa imensa área de ruas desorganizadas, esgotos pelas ruas de terra, não havia energia elétrica que só foi colocada na cidade de Paulo Afonso cinco anos depois, no ano de 1960, depois de uma proposta capciosa do Vereador José Rudival de Menezes.
Disse ele que a iluminação da cidade de Paulo Afonso virou um jogo de empurra entre a Chesf e a Codevasf. Cada uma destas empresas dizia ser esta uma responsabilidade da outra. Foi quando o presidente Jânio Quadros veio conhecer as obras da Usina de Paulo Afonso. O Vereador Rudival fez um requerimento ao presidente da República pedindo a compra de um gerador para iluminar a cidade, ao lado da Chesf com tantas luzes. O assunto caiu na imprensa que acompanhava o presidente e Jânio Quadros, bem irritado, determinou ao seu ministro da área que Paulo Afonso fosse iluminada em três meses. Rudival disse que nunca viu tantas máquinas, tantos fios elétricos e tanta gente trabalhando na Vila Poty, agora cidade de Paulo Afonso que, como determinou o presidente da República, ficou iluminada dentro dos 90 dias.
Foto 1 - prédio quadrado, o Mercado Público; foto 2 - venda de cereais na parte interna; foto 3 - feira livre na área externa do Mercado. Funcionou até 1960.
Do lado de dentro do muro, na Cidade da Chesf, também ficava o Hospital Nair Alves de Souza, nome dado em homenagem à esposa do primeiro presidente da Chesf, Engenheiro Antônio José Alves de Souza e ficava também o Mercado Público e Feira livre onde hoje funciona a UNEB – Universidade do Estado da Bahia, em frente ao Estádio de Futebol que hoje se chama Álvaro de Carvalho e bem pertinho da Igreja de São Francisco e do COPA. Antes de ser a UNEB, esse prédio foi adaptado para ser a Escola Parque, da Chesf.
Os moradores da Vila Poty tinham dificuldade de ter acesso ao Acampamento da Chesf e a entrada era controlada por várias guaritas onde ficavam os guardas da Chesf. Havia uma guarita próximo à Igreja de Nossa Senhora de Fátima, hoje Catedral da Diocese de Paulo Afonso e também próximo da Escola Murilo Braga, da Chesf, onde hoje funciona o Colégio Estadual Carlina Barbosa de Deus.
Guaritas principais da Chesf, hoje Praça das Mangueiras
O principal acesso ao Acampamento da Chesf era na chamada Guarita Principal, onde hoje está Praça das Mangueiras, no centro da Ilha de Paulo Afonso. Por ali se tinha acesso à Vila Alves de Souza e ao Bairro Operário, mas também aos escritórios da empresa hidrelétrica, ao hospital e às obras da empresa.
A dificuldade e a separação dos moradores do mesmo lugar criaram um clima de revolta dos moradores da Vila Poty, dos comerciantes que tinha a feira livre e o mercado longe do seu comércio e todos sentiam a ausência do governo de Glória com benefícios para o Povoado que, no ano de 1954 passou a ser Distrito de Paulo Afonso mas não tinha nem uma escola pública, escola nenhuma.
Escola Evangélica Antônio Balbino, a primeira escola da Vila Poty/Paulo Afonso-BA.
A primeira escola da Vila Poty, já Distrito de Paulo Afonso foi criada em abril de 1955 por iniciativa dos chesfianos Gilberto Gomes de Oliveira e João Cartonilho que decidiram sair buscando apoios dos comerciantes e da própria diretoria da Chesf e criaram a Escola Evangélica Antônio Balbino, mantida por doações e que, anos à frente, deu origem ao Ginásio, depois Colégio Sete de Setembro.
Buscando a emancipação de Paulo Afonso, sob a liderança de Abel Barbosa, comerciantes como D. Risalva Toledo e seu esposo Raimundo Toledo, Luiz Inocêncio, os irmãos Antônio, José e Manoel Neto, Antônio Aureliano, Francisco Domingos, Gilberto Leal e muitos outros participavam de reuniões secretas para discutir estratégias na busca da emancipação política de Paulo Afonso.
Os quatro vereadores eleitos pelo Distrito de Paulo Afonso, para a Câmara de Glória, em 1954
No ano de 1954, o Distrito de Paulo Afonso conseguiu eleger quatro vereadores para a Câmara Municipal de Glória que ficava a 30 quilômetros de distância. Foram eleitos Abel Barbosa, Amâncio Pereira de Souza, Otaviano Leandro de Morais e Hélio Medeiros, conhecido com Hélio Garagista e a luta pela emancipação ganhou espaço naquela Casa Legislativa.
Até a aprovação pela Câmara de Glória da emancipação do Distrito de Paulo Afonso foram dois anos de debates e questionamentos e os vereadores de Paulo Afonso viram aprovada essa emancipação, a nível municipal em histórica sessão do dia 10 de outubro de 1956.
Antônio Balbino de Carvalho, governador da Bahia no tempo da emancipação política de Paulo Afonso
A emancipação pra valer mesmo, só aconteceu quando a Assembleia Legislativa da Bahia, em julho de 1958, quase dois anos depois do processo ser aprovado na Câmara de Glória e depois de algumas manobras que fizeram sumir documentos, obrigando Abel Barbosa a correr atrás de cópias dos documentos do processo. Enfim, em 28 de julho de 1958 o governador da Bahia, Antônio Balbino de Carvalho, sancionou a Lei Estadual 1012/1958 criando o município de Paulo Afonso, há 66 anos.
D. Risalva Toledo, comerciante, nos primeiros tempos, vice-prefeita, vereadora de Paulo Afonso
D. Risalva Toledo, comerciante de Paulo Afonso teve importante papel na Emancipação Política de Paulo Afonso. Depois, com mais de 70 anos, foi vice-prefeita, na 1ª gestão de Luiz de Deus e, depois, Vereadora na Câmara Paulo Afonso. Faleceu aos 95 anos, em 2 de setembro de 2022.
Narrou D. Risalva em entrevistas ao autor que bem antes disso e também depois, quando o processo foi encaminhado para a Assembleia Legislativa da Bahia, foram muitas perseguições, fugas espetaculares, tentativa de assassinato de Abel Barbosa, uma verdadeira epopeia. Abel sofreu uma tentativa de assassinato por um pistoleiro que veio de Pernambuco.
Em outro momento, teve que fugir no meio de uma carga de couros num caminhão de Zé Neto que tinha um curtume e esses couros, curtidos, eram levados para Salvador. Em outro tempo, Abel Barbosa teve que fugir para Águas Belas e lá ficar escondido por uns tempos. E Abel Barbosa era proibido de entrar nas áreas d Chesf e havia uma foto sua na Guarita Principal da Chesf, como naqueles filmes do faroeste americano.
Gilberto Leal, dos Serviços de Alto Falantes A Voz do Povo, um dos abelistas.
Na época Abel Barbosa que era Chefe do Grupo de Escoteiros Rui Barbosa e, por isso, era também chamado de Chefe Abel viu amigos que o acompanhavam e eram chamados de abelistas, perderem o emprego na Chesf por esse motivo – serem abelistas – como foi o caso de Gilberto Leal dos Serviços de Alto Falantes A Voz do Povo e também Zezito do Fórum, tio de Antônio José Diniz, fundador da Rádio Cultura de Paulo Afonso.
Com a Lei 1012/1958, começa a corrida para a primeira eleição de Paulo Afonso, para prefeito e para vereadores. A Chesf tomou partido contra Abel Barbosa e apoio o nome de Otaviano Leandro de Morais que ganhou as eleições.
Primeiros vereadores da Câmara Municipal, logo depois da renúncia de Dinalva Simões Tourinho. Da esquerda: Noé Pereira dos Santos, Lizette Alves dos Santos, Diogo Andrade Brito, Noé Pires de Carvalho, Luiz Mendes Magalhães, Manoel Pereira Neto, José Freire da Silva e José Rudival de Menezes.
Pela legislação eleitoral daquele tempo os eleitos só poderiam tomar posse seis meses depois da eleição e em 7 de abril de 1959 o Juiz Eleitoral da 84ª Zona Eleitoral, Dr. Hélio José Neves da Rocha empossa os primeiros oito vereadores de Paulo Afonso que foram: Dinalva Simões Tourinho, Lizette Alves dos Santos, Diogo Andrade Brito, Manoel Pereira Neto, José Rudival de Menezes, Noé Pereira dos Santos, José Freire da Silva e Luiz Mendes Magalhães.
Dinalva Simões Tourinho, 1ª presidente da Câmara Municipal de Paulo Afonso
Os vereadores elegem Dinalva Simões Tourinho como a primeira presidente da Câmara Municipal de Paulo Afonso que dá posse ao primeiro prefeito de Paulo Afonso, o comerciante, Otaviano Leandro de Morais, proprietário do Armazém Sertânia.
Dinalva Simões Tourinho, filha do influente chesfiano Enoch Pimentel Tourinho, chefe do Serviço de Transporte da Chesf, mentor da criação do Ginásio Paulo Afonso de que foi diretor anos à frente. Dinalva era estudante em Salvador e depois de um período de licença, renunciou à presidência e ao seu mandato de vereadora porque precisava concluir os seus estudos. A Câmara passou a ser presidida pelo vice-presidente Luiz Mendes Magalhães e a saída de Dinalva Simões abriu vaga para o primeiro suplente de vereador Noé Pires de Carvalho.
Otaviano Leandro de Morais, comerciante, proprietário do Armazém Sertânia, primeiro prefeito de Paulo Afonso
Só aí, em 7 de abril de 1959, na gestão do seu primeiro prefeito, Otaviano Leandro de Morais, que não recebeu os apoios prometidos pela Chesf, que o município de Paulo Afonso, criado em 28 de julho de 1958, foi instalado, assim como a Câmara Municipal de Paulo Afonso e começou o seu processo de organização.
A Educação foi um dos seus cuidados e para isso contou com o apoio mais direto da Vereadora Professora Lizette Alves dos Santos e do Vereador Manoel Pereira Neto. Na sua gestão foram inauguradas a primeira Escola Municipal na cidade, a Escola Ministro Oliveira Brito e a primeira Escola da zona Rural, a Escola do Povoado Juá, hoje Escola General Argus Lima.
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A história continua...
Fontes: Livros de Antônio Galdino da Silva
Paulo Afonso – De Pouso de Boiadas a Redenção do Nordeste (Ed. Fonte Viva/1995)
De Forquilha a Paulo Afonso – Histórias e Memórias de Pioneiros (Ed. Fonte Viva/2014);
ABEL BARBOSA – o inventor de Paulo Afonso (Editora Oxente, 2019)
Estou à passeio nessa bela cidade e procurando uma Pousada com minha filha via celular acabei encontrando esses escritos Essa história belíssima que me fez recordar muitas coisas as quais fiz parte dessa história dos festejos natalinos (nos Pastoris)com a mostra D.Zefinha.D.Rizalva minha madrinha de Crisma.Dos meus tempos de Estudante no antigo GPA (Ginasio Paulo Afonso)Dos tempos de Fadinha no grupo de Bandeirantes chefiado por Lindinalva Cabral e Carmem Granja.Saudades,muitas recordações boas.
Importantíssimo esse resgate da história Galdino, e como se pode ver, a Chesf nunca foi MÃE, sempre foi a MADRASTA, desde os seus primeiros tempos até hoje, Tudo que se conseguiu arrancar da Chesf para o crescimento da cidade foi através de luta e enfrentamento. E está ai a Ponte e o acesso a cidade, para não nos deixar esquecer.
Parabéns Galdino! A história de Paulo Afonso se confunde com a história da Chesf, hoje privatizada. Digo sempre que não existirá "virada de chave" que apague a história da Chesf, existirão sempre chesfianos dispostos a contá-la, pois nunca será apagada. Parabéns!!!
Parabéns Professor Galdino! Quantas memórias da nossa linda cidade.
Excelente!Parabéns, Galdino!
Paulo Afonso, essa cidade que eu amo. Sucesso, Sucesso e sucesso