15 de janeiro de 2025 – Há 70 anos a “luz de Paulo Afonso” começava a dar nova vida ao Nordeste!
Presidente Café Filho inaugura a Usina de Paulo Afonso (I)
Antônio Galdino da Silva
Há 70 anos, em 15 de janeiro de 1955, havia um agito incomum de pessoas na Vila Poty, Distrito de Paulo Afonso, antiga Forquilha e no Acampamento da Chesf onde moravam milhares de pessoas, todos empregados da Chesf – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco e suas famílias.
Agito maior, expectativa, emoção, caminhavam juntos e num intenso movimento na Usina Paulo Afonso, concluída depois de árduo e penoso trabalho de milhares de nordestinos, rudes, iletrados mas, assim com os engenheiros, diretores da Chesf, todos se sentiam – e assim eram reconhecidos na época – como co-autores de uma grande façanha, uma enorme obra da engenharia brasileira com a finalidade ainda maior, mais expressiva, que era produzir energia elétrica aproveitando-se a força das águas do rio São Francisco e sua Cachoeira de Paulo Afonso e levar a “luz de Paulo Afonso” para todo o Nordeste para que esta região começasse um novo capítulo de vida... E assim foi...
15 de janeiro de 1955, no Distrito de Paulo Afonso o ronco dos motores dos aviões trazendo autoridades brasileiras para esse feito, era motivo de festa para a garotada nas ruas incertas da Vila Poty - que vivia ainda às escuras e ficou assim até 1960 - e nas ruas calçadas e bem iluminadas do Acampamento da Chesf (ou Cidade da Chesf).
A expectativa dos anfitriões, os diretores da Chesf e os “cassacos”, construtores dessa obra gigantesca, era a chegada do presidente da República, João Café Filho, também nordestino como estes cassacos, nascido Sua Excelência nas terras do Rio Grande do Norte onde já havia se destacado como jogador profissional do Alecrim e outros times do Rio Grande do Norte e que era o vice-presidente do Brasil e assumira como o 18º presidente do Brasil, depois da morte de Getúlio Vargas que “deixara a vida para entrar na história.”
Café Filho também entrou para a história da energia elétrica do Brasil como o presidente do Brasil que inaugurou a primeira Usina da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco e com esse gesto, fez com que toda uma grande região brasileira, o Nordeste, começasse a escrever um novo capítulo de sua história.
A grandiosidade desse momento histórico pode ser imaginada pela presença de altas autoridades do Brasil nesses cafundós do Nordeste.
Naquele histórico dia 15 de janeiro de 1955 estavam presentes, além do presidente da República, Café Filho, ministros de Estado, governadores, deputados, senadores e a primeira Usina Hidrelétrica da Chesf recebeu as bênçãos da alta cúpula da Igreja Católica nas pessoas de Dom Jaime Câmara Arcebispo do RJ, Dom José Alves Trindade Bispo de Senhor do Bonfim (BA) e de Dom Hélder Câmara, Arcebispo Auxiliar do RJ, que participaram da inauguração da Igreja Nossa Senhora de Fátima, em Paulo Afonso, a hoje Catedral da Diocese de Paulo Afonso, inaugurada no dia seguinte, 16 de janeiro de 1955 e que completa também 70 anos nesta quinta-feira, 16/01/2025.
Nunca se pode esquecer que toda essa história de aproveitamento da força das águas do rio São Francisco, da Cachoeira de Paulo Afonso, para a geração de energia hidrelétrica nasceu de uma ideia do cearense de Ipu, Delmiro Augusto da Cruz Gouveia que, no começo do Século XX, em 1913, construiu a Usina Angiquinho e levou energia e água encanada para a localidade Pedra, hoje cidade e município de Delmiro Gouveia, localizada a 24 quilômetros da Cachoeira. Um grande feito para aquela época.
Muitos, descendentes, filhos e netos de pioneiros, de tanto ouvir dos seus pais e avós, sobre essa saga dos sertanejos, ainda se emocionam ou lembrar dos relatos destes que fizeram a Chesf.
Alguns, que vivenciaram grandes momentos da história da Chesf, como o engenheiro Luiz Fernando Motta Nascimento, que, ainda menino acompanhou o seu pai Mestre Alfredo que trabalhou na construção da Usina Piloto, em 1946 e, anos depois, a partir de 1950, estudou nas Escolas Reunidas da Chesf - Adozindo Magalhães, Murilo Braga, Alves de Sousa - e no Ginásio Paulo Afonso, da Chesf, onde começou a trabalhar como estagiário nessa empresa e chegou a ocupar dois cargos de diretor na empresa – de Construções e de Suprimento - e hoje, caminhando para os 86 anos de idade, morando em Salvador-BA se mantém ativo, faz questão de não perder esses vínculos de tantas décadas e escreve livros e depoimentos sobre essa saga nordestina.
Outro, que fincou suas raízes em Paulo Afonso depois de se aposentar da Chesf, onde trabalhou por dezenas de anos, é o Engenheiro Flávio Motta, que embora tenha o mesmo sobrenome, não é parente de Luiz Fernando, mas um dos seus admiradores.
E todos com quem converso, e um dos mais empolgados, hoje com 86 anos, é o mecânico de aviões Ivan Caetano que tem muitas histórias vivenciadas ao lado de Apolônio Sales e todos destacam a grande importância desse engenheiro agrônomo, nordestino de Altinho/PE, para a criação da Chesf.
Estou falando na Chesf – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, criada pelos Decretos-Leis Nºs 8031 e 8032, levados pelo Ministro da Agricultura, Apolônio Jorge de Faria Sales, o mentor, criador da Chesf, para serem assinados pelo presidente Getúlio Vargas no dia 3 de outubro de 1945.
O novo presidente do Brasil, eleito indiretamente, General Eurico Gaspar Dutra, depois de uma visita, com grande comitiva, à Cachoeira de Paulo Afonso, em junho de 1947, como registrou a Revista O CRUZEIRO de 12/07/1949, oito meses depois, em 15 de março de 1948, deu vida aos Decretos assinados por Getúlio Vargas, nomeando a primeira diretoria da Chesf, formada pelos engenheiros Antônio José Alves de Souza, Adozindo Magalhães de Oliveira, Carlos Berenhauser Júnior e Octávio Marcondes Ferraz.
A partir daí, o inexpressivo Povoado Forquilha, pertencente ao município de Glória-BA, “num de repente”, como diria o sertanejo, começou a receber nordestinos de todo lugar, da Paraíba, de Pernambuco, de Alagoas, Sergipe, do Ceará e de outros lugares do Brasil. A toda hora os caminhões paus-de-arara chegavam no centro do povoado trazendo famílias inteiras todos cheios de sonhos e de esperança, fugindo da seca, querendo trabalhar na Usina de Paulo Afonso.
A Chesf construía ao mesmo tempo três grandes obras: uma grande área residencial e de escritórios, para acomodar milhares de empregados e suas famílias, a que chamou de Acampamento Chesf e os moradores da Vila Poty chamavam de “a cidade da Chesf”. Outra obra grandiosa foi a escavação dos enormes túneis no paredão de granito para acomodar a casa das máquinas geradoras de energia a 80 metros dentro da terra e a também muito difícil e complicada, a obra do fechamento, ou desvio, das muitas águas do rio São Francisco para construir o reservatório Delmiro Gouveia necessário para alimentar estas máquinas geradoras da energia vinda das águas nesta primeira Usina e, depois, também na segunda e na terceira usinas construídas ao lado da primeira.
Sobre esse trabalho, resolvido com a construção das ensecadeiras, dizia um antigo pioneiro chesfiano de saudosa memória, Sr. Miguel, conhecido como “Seu Miguelzinho” que veio da Fábrica da Pedra em Pedra de Delmiro, hoje Delmiro Gouveia, e dizia: “tudo foi muito trabalhoso, mas difícil mesmo foi cercar o rio...”
Quantas histórias esses pioneiros reuniram para contar, orgulhosos do seu feito, aos filhos e netos... Histórias de uma vitória a cada dia, da perda de gente querida, colegas do trabalho duro e de ações que hoje parecem tão simples, mas, na época, tinha uma importância tão grande que enchia de orgulho os seus autores. Sem esses homens sertanejos, os cassacos e as mulheres igualmente guerreiras dos primeiros tempos, simplesmente não haveria a Chesf e sem ela, o Nordeste continuaria triste e esquecido, abandonado e considerado como a parte ruim do Brasil...
Lembro que, pelo ano de 2007, já aposentado da Chesf depois de mais de 36 anos de trabalho, criei, em 18/02/2004, uma pequena empresa, a Galcom Comunicações, ainda ativa e produzindo o site www.folhaseraneja.com.br e o Jornal Folha Sertaneja e nela havia uma pequena produtora de vídeos, já fechada, a GalVídeo. A Galvídeo foi contratada pela Chesf para produzir um documentário chamado Chá da Memória e tive a bênção, a felicidade, de entrevistar algumas dezenas de pioneiros da Chesf como Diogo Brito, Gilberto Oliveira, José Freire, Lalau, Euclides Ribeiro, Hugo Quadros e muitos outros e cada um deles não escondia a sua emoção, às vezes com lágrimas, ao lembrar dos primeiros tempos de vida desta empresa.
Um deles, o motorista da Chesf, José Vitorino Diniz, que faleceu com mais de 90 anos, me dizia, segurando com dificuldade a emoção de sertanejo forte, com palavras trêmulas, contava da sua felicidade de ter sido o primeiro chesfiano, motorista de uma Koering, que os cassacos chamavam de coringa, orgulhava-se ele de ter sido quem colocou a primeira carrada de pedras no projeto de desvio das águas do rio São Francisco. E segurava o choro. Cada um tinha a sua história de orgulho de ser chesfiano. E a sua emoção fazia sentido.
Anos atrás, o Jornal do Commércio do Recife fez uma reportagem com o título, “A Usina que fez uma revolução”.
Não “uma revolução”. Muitas. Centenas, milhares, talvez.
Quem conhece a história do Nordeste sabe que ela é facilmente compreendida em dois grandes capítulos. O Nordeste A/C (antes da Chesf) e o Nordeste D/C (depois da Chesf).
Esta região, antes da Chesf, era tida com o primo pobre, paupérrimo do Brasil. Os seus índices de desenvolvimento eram iguais ou piores que os dos mais pobres países africanos daquele tempo. Nos muitos livros e em depoimentos de pioneiros há registros fantásticos da onda de desenvolvimento que tomou conta do Nordeste, a partir da chegada da “luz de Paulo Afonso”.
Há a história de um engenheiro chesfiano que disse que a primeira coisa que ele fez quando a “luz de Paulo Afonso” chegou ao Recife foi comprar um liquidificador para sua mãe e que teve de entrar numa fila de espera para comprar a primeira geladeira.
Com as grandes obras da Chesf na região de Forquilha, logo esse insignificante Povoado cresceu. E eram tantos os que a ele chegavam que logo se fez uma vila, cujos barracos, forrados de sacos vazios do cimento da marca Poty, lhe deram o nome: Vila Poty, anos depois elevada à condição de Distrito de Paulo Afonso e, em 1958, dez anos depois da criação da Chesf, se emancipou, virou cidade, município em continuado crescimento no Estado da Bahia.
O Engenheiro Bret Cerqueira Lima me disse em vídeo que gravei com ele que “tudo aqui era Caatinga e havia umas 10 casas humildes, espalhadas no meio da Caatinga”.
Quando Paulo Afonso nasceu, cidade, município, em 28 de julho de 1958, já habitavam o lugar mais de 20 mil pessoas e o Censo do IBGE do ano de 1960 diz que a população de Paulo Afonso era de 25.259 habitantes.
E, os quase 50 anos das grandes obras da Chesf na região fizeram nascer cidades, como Paulo Afonso e outras e promoveram o desenvolvimento regional em índices nunca imaginados.
O Complexo de Usinas Hidrelétricas da Chesf de Paulo Afonso – as 5 hidrelétricas de Paulo Afonso e a Hidrelétrica de Xingó, na divisa dos Estados de Sergipe (Canindé do São Francisco) e Alagoas (Piranhas) e a Usina Luiz Gonzaga (Petrolândia), é responsável pela geração de mais de 80% de toda a energia de fonte hidráulica produzida pela Chesf nesses 70 anos de inauguração da Usina Paulo Afonso I.
Hoje privatizada e o nome Chesf apenas o sobrenome da Eletrobrás, o que levou a empresa a ser aquirida e administrada por empresa não estatal foi exatamente o resultado dos seus lucros sempre crescentes ao longo das décadas.
Eu me refiro à Chesf do meu pai e dos pais e avós de muitos que lêem esse artigo. A Chesf dos anos de 1940 e de muitas décadas à frente, que representa a luta, a garra, o suor e o sangue de pioneiros, sertanejos rudes, analfabetos em sua maioria, pessoas de vida simples, acostumados, como me dizia o Sr. Euclides Ribeiro, de saudosa memória “eu vivia em São José de Piranhas, na Paraíba, já na divisa com o Ceará, trabalhando na roça, puxando cobra para os pés e a Chesf, onde comecei a trabalhar em 4 de fevereiro de 1949, mudou toda a minha vida e da minha família. À Chesf eu devo tudo o que sou.”
Milhares desses pioneiros tinham esse mesmo pensamento. A Chesf foi tudo em suas vidas! Muitos deles, hoje de saudosa memória, estavam reunidos no Chá da Memória de que trazemos uma pequena amostra nas fotos a seguir.
Parabens, pelo trabalho..Fui TB dessa época e ainda me emociono
COMO TÃO BEM CANTOU O REI DO BAIÃO;GETÚLIO FEZ O DECRETO E DUTRA REALIZOU,O PRESIDENTE CAFÉ A USINA INAUGUROU. PARABÉNS GALDINO PELA MATÉRIA.
Obrigada,Professor Galdino! Esse registro é muito importante e emocionante. Meu pai, Manoel Gomes de Sá, amava a Chesf, sentia muito orgulho em ser um funcionário pioneiro.
Parabéns, Prof. Galdino, pelo rico, belo e emocionante registro dessa história, que é todos nós. Muito obrigada por mantê-la viva.