Alguns condenados da Lava-Jato tiveram as suas penas comutadas em prisão domiciliar. A alegação das respectivas defesas: perigo de contaminação pelo Covid-19. Houve, então, flexibilização. Tratamos de condenados cujas ações – crimes – contribuíram bastante para a falência do Brasil.
E os milhares de outros encarcerados, com todo o peso do significante do termo? Encarcerados, não estão porventura também “expostos ao risco de contaminação”? A maioria pobres e desprezados sociais, merecem tratamento diferenciado [pior]? E se o vírus arrasador se imiscuir para dentro das cadeias – superlotadas?
Não, não. Não se trata de defender criminosos. Agora os vemos como humanos. A lei é muito clara a esse respeito. O evangelho, nem se fala! Eu detento (o leitor), como pensaria?
Qual a minha argumentação? Meu pai, minha mãe, meu filho detento, não recomendaria eu a flexibilização das penas?
Falamos de flexibilização face a uma pandemia que pode arrasar comunidades livres. Que prever sobre as comunidades confinadas? Em tempo, os presos considerados perigosos estão fora da nossa argumentação.
Na França, em duas semanas, devido a liberações de presos antecipadas, e devido à diminuição das detenções, a população carcerária ficou reduzida de 4.000 detentos.
Se flexibilizarmos, dentro de regras e considerações rígidas – não podemos criar uma nova catástrofe – poderemos ter surpresas. Jean Valjean, personalidade central de Os Miseráveis de Victor Hugo, encarnou as melhores virtudes que um homem pode adquirir. Preso injustamente, conseguiu fugir da cadeia. Perambulando e desamparado, foi acolhido pelo padre na casa paroquial. Ao ir embora, levou consigo alguns pertences que não eram seus.
Capturado mais adiante pela polícia, foi trazido à presença do pároco para a confirmação do furto. Para surpresa do próprio Valjean, o religioso o censurou “por não ter levado também um castiçal de prata”. O padre, para espanto dos policiais, apenas o acusou de, por preguiça ou por causa do peso, “haver recusado parte do presente”. Livre, Jean Valjean nunca mais foi o mesmo. O remédio fez efeito. A estratégia funcionou. Ele nasceu de novo! Mais tarde, ambos já alquebrados e velhos, o pároco lhe confidenciou: “Com aquele ato, eu não comprei a sua liberdade. Comprei a sua alma!”.
O leitor, incrédulo e desconfiado, poderá estar balançando entre dois polos. Nada mais natural. Poderemos, como na obra imortal de Hugo, ter surpresas!
Francisco Nery JúniorCom certeza violência gera violência. Só o amor constrói.