De início, alquebrado, não abatido. Alquebrado ou esquecido. Adoramos esquecer os que pensam. Alquebrado... por força da carga intolerável que lhe pesava nas costas. Curvado sob a ignomínia do desprezo. E mais, da calúnia. Assim passou, pelo vale da vida, o nosso amigo, nome fictício, José o pensador. Das profundezas da vida, para os píncaros da liberdade – da verdade.
A vida lhe foi um “velar de insônia atroz”. Como não ter sido se ele pensava?! E pensando, chegou à verdade. Se bem que, “o que é a verdade”? “Eu sou a verdade”, está escrito. Foi do amigo e colega Tirone, em sala de professores no Ciepa, a indagação-provocação, tarefa básica do educador, “o que é a verdade?”. Tirone partiu e deixou saudade. Ficou um vazio.
Na verdade, ninguém é insubstituível, mas muita gente faz diferença.
Insisto que a linguagem não está alta para o leitor. Educador que se preza sabe que ele [o leitor] é capaz. Traz dentro de si a capacidade de se desenvolver. De chegar à verdade, poderíamos dizer. A coisa está lá no cerne da sua alma. Em tempo de epidemia, poderíamos dizer que lá está o vírus da verdade. É só preparar o terreno e abrir os ouvidos; escancarar os olhos. Então verá.
E o nosso Zé partiu. Sozinho para evitar aglomeração. O coronavírus pode matar! Ele, dentro do caixão, sabia-se só não por força da Covid-19. Estava sozinho porque pensava. Escanteado porque pensava. Incomodava ao pensar. Mesmo os pregadores de plantão se sentiam incomodados. E mais esses! O pensar do Zé ameaçava os seus penduricalhos, fruto da malandragem.
O Zé passou a vida no cantinho. Gestos, hábitos e aparência simplória, lá estava o Zé. Aqui e acolá, entrava um para consultá-lo. Na surdina. Alguns pareciam temer o quadro. Um figurão a consultar o Zé? Perigoso para sua carreira. Prejudicaria a sua ascendência. Zé poderia ser um deles com salário e projeção iguais. As chances que lhe batiam na porta, ele as desprezava. Não valeria a pena. O preço seria alto. O Zé pensador de crina alta não aguentaria. Morreria antes do tempo. Talvez de tédio.
Perdemos o nosso Zé. A vida o perdeu, melhor dizendo. A beleza da criação não será mais vista e apreciada por ele. Não mais ouvirá os seus louvores. Para que mundo sem um Zé para apreciá-lo? A beleza da criação é referendada pela apreciação dos pensadores da vida. Para isso estamos aqui.
E perdemos o nosso Zé.
Francisco Nery Júnior
Verdades ou metáforas, mais um texto literário para refletirmos, do mestre professor Francisco Nery.
Belíssimo texto meu caro.
Excelente metáfora. Impossível não refletir sobre o contexto atual e os milhares de Zés pensadores, que morrem abandonados e sozinhos!