Noite e dia presa a uma mangueira por uma corda de não mais de metro e meio, ela pede socorro. Late, e mais late. Esgotados os meios civilizados e republicanos, que mais fazer por um animal que se fez amiga em se doando sem reservas? Publicar o poema de Olavo Bilac na esperança última da sensibilização dos algozes, na hipótese improvável da leitura.
Desde já – o que poderiam estar dizendo os milhares de animais enjaulados -, o destaque:
. “Com que direito à escravidão me obrigas?”
. “Por que me prendes? Solta-me, covarde!”
O PÁSSARO CATIVO (Olavo BILAC)
Armas, num galho de árvore, o
alçapão
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas cai na escravidão.
Dás-lhe então, por esplêndida morada,
Gaiola dourada;
Dás-lhe alpiste, e água fresca, e
ovos e tudo.
Por que é que, tendo tudo, há de ficar
O passarinho mudo,
Arrepiado e triste sem cantar?
É que, criança, os pássaros não
falam.
Só gorjeando a sua dor exalam,
Sem que os homens os possam entender;
Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este cativo pássaro dizer:
"Não quero o teu alpiste!
Gosto mais do alimento que procuro
Na mata livre em que voar me viste;
Tenho água fresca num recanto escuro
Da selva em que nasci;
Da mata entre os verdores,
Tenho frutos e flores
Sem precisar de ti!
Não quero a tua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola,
De haver perdido aquilo que perdi...
Prefiro o ninho humilde construído
De folhas secas, plácido,
escondido.
Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?
Quero saudar as pombas do arrebol!
Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas!
Por que me prendes? Solta-me,
covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade!
Não me roubes a minha liberdade...
Quero voar! Voar!
Estas cousas o pássaro diria,
Se pudesse falar,
E a tua alma, criança, tremeria,
Vendo tanta aflição,
E a tua mão tremendo lhe abriria
A porta da prisão...
Francisco Nery Júnior
Esses COVARDES EGOÍSTAS que prendem um pobre passarinho em uma gaiola pro resto da vida. Na cama pra morrer, eles ainda vão perguntar, o que é que eu fiz?
Pequeno adendo ao oportuno e esclarecedor comentário do colega Edson Barreto. Mari magno (mar grande ou largo em latim): primeiras palavras de verso de Lucrécio cujo sentido se completa assim: "É agradável, quando no mar largo os ventos levantam as ondas, contemplar da terra firme os perigos a que os outros se acham expostos". Lucrécio,De rerum natura (das coisas naturais),II,1.Machado era epilético e as convulsões do cão podem significar suas próprias convulsões.Então a expressão significa alguém contemplar outra pessoa em perigo a partir de um ponto seguro.
Parabéns, professor Francisco Nery, por tão emotiva produção textual. A raça humana nos propicia atitudes de irracionalidade em diversas ocasiões. Fez-me lembra um poema de Machado de Assis, em que ele evoca a estupidez humana. Ei-lo:Suave Mari MagnoLembra-me que, em certo dia,Na rua, ao sol de verão,Envenenado morriaUm pobre cão.Arfava, espumava e ria,De um riso espúrio e bufão,Ventre e pernas sacudiaNa convulsão.Nenhum, nenhum curiosoPassava, sem se deter,Silencioso,Junto ao cão que ia morrer,Como se lhe desse gozoVer padecer.