Duas premissas antes da escrita: os fatos ficam registrados para proveito das gerações futuras e os mais velhos sempre têm o que ensinar. No beco sem saída, o pulo do gato, aquele que não está nos manuais, quase sempre é a salvação. Como feliz é a nação que preza os seus idosos e considerando que o DNA da minha bisavó índia – os índios ouvem os seus avós – está nas minhas veias, só ganhamos se lembrarmos Chefe Abel.
Algumas das histórias já foram contadas, mas, considerando o repetitio mater studiorum est dos romanos (a repetição é a mãe dos estudos), vamos lá. Primeiro, descartar a falácia que o prefeito Abel distribuiu terrenos (hoje valiosos) para os amigos. O consenso era que Paulo Afonso iria “murchar” após a conclusão do ciclo de obras da Chesf. A ideia era “fazer um pé de meia e cair fora”. A estratégia – que funcionou – do prefeito era a consolidação do município. Esta a nossa leitura.
Se estivéssemos num embate jurídico, poderíamos arguir que os terrenos foram, efetivamente, vendidos. Os preços foram irrisórios, mas foram vendidos, da mesma forma que os imóveis do Acampamento Chesf, anos depois, foram teoricamente vendidos. Por outro lado, os beneficiados não foram necessariamente “amigos” do prefeito. Testemunhei um colega de escola, que não tinha nenhuma ligação política ou familiar com Abel Barbosa, amanhecer em pé na porta da casa do prefeito (Abel morava na mesma rua em que moro até hoje). Ele “comprou” dois terrenos no bairro que, depois, levou o nome de Bairro Abel Barbosa.
Eu era coordenador de área no Ciepa. Junto com Inglês e Educação para o Lar, coordenava a área de Técnicas Agrícolas. A escola deve ser parte integrante da comunidade. Quanto mais tempo o aluno permanecer na escola, melhor o seu desenvolvimento. Então debatemos, o time de peso composto por Terezinha, Helena Barbosa (já falecidas), Nazaré Feitosa e Ivone, e resolvemos propor ao prefeito da cidade fazermos uma praça onde hoje está a Praça do Lions Clube.
Abel prontamente puxou do armário ao seu lado uma planta (exatamente a que viria a ser executada anos depois) e sugeriu que nós a realizássemos. Fizemos o possível: grama, alguns canteiros de crótons e flores e uns dois banquinhos. Bem que funcionou. Até pouco tempo antes, não havia uma só área urbanizada fora do muro da Chesf. A Praça Abel Barbosa, no Centro, foi, salvo engano, a primeira praça da cidade.
Para o início do trabalho, ficou acertado que a Prefeitura colocaria um ponto de água no local e despejaria duas ou três caçambas de barro vegetal. Era tudo de que precisávamos. O prefeito chamou um seu assessor de nome Orlando e lhe deu a tarefa. Dois, três dias; duas, três semanas, e nada do material. Voltamos ao prefeito. Abel Barbosa chamou Orlando que se queixou que “esse professor é apressadinho”. E Abel redarguiu: “É porque ele ainda não sabe o que é o serviço público”. O diálogo foi presenciado pelo professor Antônio Galdino.
Antes de iniciada a nossa tarefa, a única recomendação foi que nós evitássemos o plantio de cactos ou mandacarus. “Isso é bonito para eles lá do sul”. “Não se preocupe, senhor prefeito, nós concordamos com o senhor”, respondi.
Havia um impedimento qualquer cuja solução envolvia um órgão estadual. Como eu não consegui resolver, sugeri que o prefeito ligasse para o “chefe” do setor. Ao que Abel observou: “Se temos que ligar, eu ligo diretamente para o chefe dele lá em Salvador”. A solução foi encontrada sem necessidade da ligação.
Comentamos, recentemente, a colocação do nome da mãe de Abel Barbosa em um colégio da cidade. Segundo o professor Antônio Galdino, a colocação do nome foi feita a contragosto do prefeito.
E para encerrar, o testemunho do atual prefeito Dr. Luiz Barbosa de Deus que atesta a grandeza e o despojamento do prefeito Abel Barbosa e Silva. Cumprido o seu mandato, recolhido à sua residência, Abel “nunca pediu nada” aos prefeitos subsequentes.
Francisco Nery JúniorEm atenção ao que colocou o leitor "Nome de todos nós", informamos:Sobre a pensão do ex-prefeito Abel Barbosa, de forma resumida:1 – Em 20 de outubro de 2005, foi apresentado pelo vereador Petrônio Nogueira, o Projeto de Lei Nº 53, que previa o pagamento do valor de R$1.500,00 (um mil e quinhentos) ao ex-prefeito Abel Barbosa. Não foi aprovado pela Câmara por ter sido considerado inconstitucional.2 – No final de 2017, o vice-prefeito Flávio Henrique fez nova redação de Projeto de Lei com o mesmo objetivo. Com o retorno do Prefeito Luiz de Deus, no início de 2018, esse projeto passou por nova redação e foi encaminhado à Câmara em 23 de Fevereiro, como Projeto de Lei do Prefeito, com muitas restrições que impediam que esse benefício fosse utilizado por outras pessoas. O valor definido foi de 10% do salário do Prefeito, que era de 33 mil reais. O ex-prefeito receberia mensalmente o valor de R$3.300,00 (três mil e trezentos reais) O Projeto foi aprovado por unanimidade pela Câmara e foi sancionado pelo prefeito Luiz de Deus como Lei Municipal Nº 1.379, de 5 de março de 2018.Segundo relatos de familiares, ao falecer, em 26 de abril de 2018, o ex-prefeito Abel Barbosa não havia recebido nenhuma mensalidade do que foi aprovado por essa Lei Municipal. (Este assunto também está no livro ABEL BARBOSA – O INVENTOR DE PAULO AFONSO (2019 – pág. 242)
Realmente chefe não gostava de receber homenagem. Tanto é que foi homenageado com o título de cidadão de Paulo Afonso e só rebeceu oficialmente quase dez anos depois.
Abel, "orgulhoso", nunca pedia nada. O que não impedia que lhe fôssemos gratos. Bradamos enquanto ele era vivo. Sem sucesso. Sem sucesso!!! Na boca da morte, uma compensaçãozinha que ele só usufruiu por um ou dois meses. Vergonha para nós!
Corrigindo: De fato, Professor Nery, o ex-prefeito Abel Barbosa era averso a algumas homenagens
De fato, Professor Nery, o ex-prefeito Abel Barbora era averso a algumas homenagens como esta de se dar o seu nome ou de familiares a praças, ruas e instituições da cidade. Chegou a pedir que tirassem o seu nome da Praça Abel Barbosa, na Av. Getúlio Vargas. Quando pesquisava para fazer o livro ABEL BARBOSA - O INVENTOR DE PAULO AFONSO, mantive vários contatos com o Professor João César Lopes Mascarenhas, que esteve à frente da luta para a criação do Colégio Estadual do Mulungu - CEM - no então Bairro Mulungu, com o total empenho de Abel Barbosa junto ao governo estadual. O CEM foi criado, funcionou em salas da Casa da Criança, em uma lavanderia e no Cinema Regina até que, depois de alguns anos, com a sede própria passou a se chamar Colégio Estadual Democrático Quitéria Maria de Jesus, por uma decisão da diretoria que era formada por João César como diretor, Josefa Vicente, vice-diretora e José Rodrigues, secretário. O assunto está nas páginas 219 a 222 deste livro que ainda pode ser encontrado na SUPRAVE, por apenas 30 reais.