A humanidade, que sem pensar chamamos de civilizada, está eivada de contradições. Lembramos e repetimos afirmações que não resistem à menor análise. Mantemos atos, costumes e discriminações que nos envergonham. Na antiguidade, o general punha-se na frente da sua tropa. Carecia dar o exemplo para, com o moral em alta, o seu exército fosse vencedor e, desse modo, ele pudesse colher os louros da vitória. Não raras vezes, era o primeiro a receber o balaço do inimigo e as tropas, acéfalas, se desintegravam. No caso de reis, cônsules e imperadores, era o império que se esfacelava.
Na arte de guerra moderna, a estratégia foi alterada. A preservação dos generais passou a ser fundamental na arte de guerrear. A perda de um general em batalha é muito mais importante do que a morte de um soldado. Apenas dois ou três generais aliados morreram em combate durante a Segunda Guerra Mundial. Um dos ensinamentos durante o serviço militar é que os superiores não usam divisas e galões na frente de batalha, razão pela qual o soldado deve se esforçar para conhecer os seus superiores. A opção do inimigo será sempre mirar a sua arma no militar de maior patente.
A pandemia do Covid-19 veio para revolucionar as nossas cabeças. Pode mesmo ter vindo para confundir. Talvez até para nos humilhar. E temos que ajustar os nossos conceitos. No caso da priorização das vacinações (o número de vacinas disponíveis ainda é pequeno), a opção foi a vacinação do pessoal médico que atua nas frentes de combate ao vírus e os cidadãos mais velhos. Médicos e enfermeiros que não trabalham na linha de frente ficaram de fora.
Se nos comunicamos com os nossos leitores, somos parte da mídia e, como tal, devemos nos esforçar na tarefa de bem informar para o bem de todos. Podemos ir além e questionar posições e decisões de quem tem a atribuição de fazê-las. A mídia, antes mesmo do rei ou presidente nos países parlamentaristas, ou das Forças Armadas, é considerada por muitos como um virtual Poder Moderador. Os detentores do poder nos ouvem muito mais do que ousamos pensar.
Então, como na arte da guerra, qual seria o alvo primordial do terrível e competente vírus da Covid-19? Os médicos o são sem sombra de dúvida. Médicos da linha de frente e médicos da retaguarda. Também aprendemos no serviço militar que nenhum exército se lança em uma campanha sem a certeza de haver tropas de reposição.
Se nesta pandemia a tendência for a mesma das epidemias passadas, o vírus fenecerá com o tempo e voltaremos à nossa vida anterior. Se, porém, a curva não baixar e o número de infectados e mortos não parar de subir, precisaremos de todos os nossos médicos na linha de frente. Mas fácil a adaptação de um pediatra ou um legista na Unidade de Tratamento Intensivo do que a adaptação de um professor de inglês ou de um advogado tributarista.
Não temos o número de médicos e enfermeiros em atividade no Brasil. Fica difícil saber se a quantidade de vacinas disponíveis até agora (amostra grátis na linguagem do governador de São Paulo) seria suficiente para vacinar os nossos médicos e enfermeiros rapidamente antes de nós outros. Fica, entretanto, a ponderação.
Francisco Nery JúniorNúmero de médicos no Brasil 2021, de acordo com o Google: 502.475