noticias Seja bem vindo ao nosso site Jornal Folha Sertaneja Online!

Professor Nery

O casal de carroceiros que me fez sentir pequeno

Publicada em 31/08/21 às 20:05h - 2455 visualizações

Francisco Nery Júnior


Compartilhe
Compartilhar a noticia O casal de carroceiros que me fez sentir pequeno   Compartilhar a noticia O casal de carroceiros que me fez sentir pequeno   Compartilhar a noticia O casal de carroceiros que me fez sentir pequeno

Link da Notícia:

O casal de carroceiros que me fez sentir pequeno
 (Foto: imagem ilustrativa - da net)

Um casal de idosos! Descendo do Juá, personagens perfeitos e prontos para um romance regional, em carroça de burro alcançaram o BNH. O burro atrelado em perfeito estado de trato. Em cima do estrado, a fiel cadela a simbolizar a fidelidade de quem é fiel sem obrigação; e sem pressão. Ela se sentia, entronizada na carruagem imaginária, a Cinderela dos Sertões. Pelo menos a mim me parecia.  Interessante que ela não se arrastava, cansada e empoeirada, ofegante, língua estirada para fora, atrás da carroça como costuma acontecer. 


Vinha bem acomodada, no alto e na melhor; acomodada pelos dois verdadeiros pais que a adotaram e ali estavam para amealhar o que quer que fosse para a sobrevivência dos três. 

Pararam em frente a uma casa e pediram café. Não tiveram sucesso. Prosseguiram para outra e, outra vez, por qualquer razão irrelevante que não vem ao caso, nada aconteceu. Foram em frente. E pararam na minha calçada. Era cedo de manhã e eu ainda estava com as roupas de dormir. Por alguns minutos, tinha estado observando a aproximação dos dois como no Bolero de Ravel. Simples, pobres e maltratados da sorte, transmitiam uma harmonia e uma cumplicidade real. 


Desta vez, comigo tentaram a sorte. E tiveram sucesso. Não por mérito meu, mas pela imposição do exemplo que a todos nós nos davam. Se só um prato do desjejum, do café da manhã, ou do breakfast para os internacionais; se só um prato existisse, entre nós três teria sido dividido. 


De repente, um novo convidado apareceu. Era a cadela enjeitada da nossa rua que, useira e vezeira, se imiscuía. Para minha surpresa, a idosa senhora se valeu da sacola ao lado, retirou um bom pedaço de salame que algum bom samaritano lhe tinha antecipado e começou a dispará-lo em pedaços menores subsequentes para a cadela. Imagino que ela, com a sua fé de pequenina, estava certa que, amanhã, o seu salame de cada dia estaria assegurado. 


Ainda os consultei se me ajudariam a me livrar de uma pequena lata de lixo por dez reais. A resposta foi positiva. Pechinchei por um desconto de cinquenta centavos numa tentativa sadia de quebrar o possível gelo da situação. O marido um pouco mais adiante, barriga abastecida e copo esvaziado, ela, desconfiada, mas já segura da situação, cabreiramente concordou. 


Com dez reais no bisaco – o pedido de desconto foi apenas um chiste –, café da manhã realizado, picada de fumo e baforada de cigarro de palha garantidas, tocaram a burra e dobraram a esquina. 

Pequeno já era e pequeno permaneci. Mais pequeno ainda do que sabia ser. 

Francisco Nery Júnior


ATENÇÃO:Os comentários postados abaixo representam a opinião do leitor e não necessariamente do nosso site. Toda responsabilidade das mensagens é do autor da postagem.

10 comentários


ISAC DE OLIVEIRA

01/09/2021 - 23:55:48

Lindo e emocionante texto! A sensibilidade ressuscita mortos e enche os olhos de quem se encontra vivo.


Leitor

01/09/2021 - 16:30:27

Excelentes coreografias clicando no Google: "Coreografia Bolero de Ravel".


Socorro Mendonça

01/09/2021 - 13:56:24

Imortal querido, me encanta lê teus escritos em quaisquer seguimentos. Neste, me transportei pro real! Refleti sobre a vida simples do nosso povo sofrido, deixando para nós uma bela lição! Ama quem tem amor pra dá...


O autor

01/09/2021 - 08:34:15

Parabéns ao site cúmplice e consciente da obrigação e do direito de educar a comunidade que, por sua vez, nos educa de igual modo.


Nara

01/09/2021 - 07:31:08

Amei meu querido sábio prof.o senhor simplesmente arrasa bjs nara


Zélia Ribeiro

31/08/2021 - 23:52:35

Ops: Fabiano*


Zélia Ribeiro

31/08/2021 - 23:51:06

Que maravilha!!! Lembrei-me de Faria no, personagem de Vidas Secas- Graciliano Ramos. Nos tempos de hoje, com perdas de valores, com o capitalismo exacerbado, encontrar um cenário tão singelo feito esse, é prêmio! Parabéns pela atitude, e pelo poema narrativo.


professor Galdino

31/08/2021 - 22:04:09

Em atenção ao sugerido pelo autor, acrescentamos o vídeo com o Bolero de Ravel, com a orquestra de André Rieu. Boa audição!


Marcos Antônio Lima

31/08/2021 - 20:35:12

Simplesmente fantástico. Parabéns, nobre confrade, Prof.° Nery.


Do autor

31/08/2021 - 20:21:36

Sugestão: vale a pena ouvir o Bolero de Ravel. Caravana de camelos se aproximando, arrastando desordem e pobreza, passando e desaparecendo caminho afora. Lindo de morrer.; Acesso fácil digitando no Google. Quem sabe o site facilita a vida do leitor colocando como apêndice da matéria, como sabiamente costuma fazer; como soe acontecer?


Deixe seu comentário!

Nome
Email
Comentário


Insira os caracteres no campo abaixo:








Nosso Whatsapp

 (75)99234-1740

Copyright (c) 2024 - Jornal Folha Sertaneja Online - Até aqui nos ajudou o Senhor. 1 Samuel 7:12
Converse conosco pelo Whatsapp!