Pedro Álvares Cabral ia para as Índias, cambou um pouco à direita, desceu mais um pouco, avistou um monte, o Monte Pascoal na Bahia, deixou para trás dois degredados e dois desertores e seguiu viagem. Os índios acolheram a caravana com alguma curiosidade e muita receptividade. Assim nasceu o Brasil.
Os índios estavam aqui. Pelas semelhanças físicas com os orientais, não é muito difícil supor que eles, então donos da terra, chegaram algum tempo antes. Chegaram, bem curtiram a terra e se reproduziram. O solo esplêndido do Brasil nativo, casto e fulgurante assim acolheu a todos. Indiscutivelmente porém, chegaram primeiro – e por isso merecem respeito, consideração e voz.
Aproximando-se de um milhão de indivíduos, ocupam, segundo estimativas, um pouco mais de dez por cento do território brasileiro em regime semelhante ao comodato. Eles têm a posse de terras que pertencem à União. Habitam, delas tiram o seu sustento e – fundamental – preservam. Eles são parte, cuidam e são ferramentas importantíssimas para a preservação da Natureza.
Boa parte dessa fração do território já está consolidada em parques nacionais que supomos irreversíveis. Neles, os índios vivem o modo de vida que preferem viver; que têm o direito de escolher e preferir.
Se levarmos em conta o conceito de nação, de bem coletivo ou mesmo de amor ao próximo, não podemos nos furtar algumas considerações. Se o indivíduo, o cidadão, é a unidade formadora da nação, se o seu bem-estar ou felicidade é o objetivo último do desenvolvimento, como lidar com a descoberta inesperada de uma riqueza qualquer em uma reserva indígena ou em um parque nacional, como uma jazida de ouro gigantesca ou uma reserva substancial de petróleo? Como prever o comportamento no processo de concessão de uma reserva?
O correto seria jogar uma pá de cal em cima dessa riqueza e continuarmos a nos desenvolver a passos lentos? Se um rio caudaloso com grandes desníveis cortar determinada reserva, não se deveria considerar a construção de uma usina hidroelétrica? Se uma grande reserva de petróleo, se uma extensa mina de ouro, não caberia a exploração, evidentemente tomados todos os cuidados para não agredir a Natureza?
A legislação prevê o pagamento de royalties como no caso da exploração hidroelétrica. Com o pagamento de royalties e indenizações, que certamente elevariam a qualidade de vida dos habitantes das reservas, não estaria anulada qualquer tipo de resistência?
Queremos crer na receptividade a projetos de exploração econômica por nativos, índios e quilombolas, assegurados os recursos previstos em lei a serem pagos aos habitantes das reservas, recursos que ensejariam saúde, educação, infraestrutura e bem-estar para todos.
Os índios têm protestado em todo o Brasil contra o chamado Marco Temporal segundo o qual o direito a terras ou reservas ficaria limitado às terras ocupadas antes da Constituição de 1988. O processo chegou ao Supremo Tribunal Federal para a decisão final.
Em um país continental como o Brasil, não parece luxo ou desperdício a constituição de parques e reservas nacionais, principalmente aqueles dedicados aos indígenas, brasileiros como todos nós, primeiros a chegar, se tivermos em mente as ponderações que esboçamos acima.
Para terminar, ousamos alegar a legitimidade do autor ao tecer os comentários referidos considerando que em suas veias corre o sangue indígena em terceira geração. A avó da minha mãe, a minha bisavó, era uma índia da região de Pernambuco. Sem a presunção de estar falando pelos índios, a certeza porém de ser um deles que, humildemente, acaba de expor a sua visão.
Francisco Nery Júnior