Um barulho acima da cabeça era um teco-teco se aproximando do aeroporto de Paulo Afonso. Como raras vezes, uma zoada de motor de avião que nos anima a sonhar com a volta dos voos para Recife, Salvador e São Paulo. Temos aeroporto de excelência, construído dentro do padrão Chesf, sem necessidade de reformas periódicas com todos os vícios que conhecemos no Brasil e que levam embora os impostos suados arrancados dos nossos bolsos que poderiam estar servindo para a diminuição das desigualdades terríveis e inaceitáveis do nosso país.
O paragrafão acima saiu de um fôlego só e o leitor vai entender porque o deixamos tão grande. Que mais fazer se nos lembramos que, em época passada, a cidade, com a metade (ou menos) da população atual, era servida por voos da Varig toda quarta-feira e domingos durante anos a fio? Incongruências do Brasil sem fé e esperança; incongruências que nos fazem evitar os palavrões.
O zumbido do avião. Desta vez veio do avião. Como dito, zumbido de esperança. Expectativa de não mais precisarmos nos arrastar estrada abaixo, por horas a fio, muitas vezes doentes a precisar de ajuda médica, para Salvador ou São Paulo, ou subindo para Recife ou Fortaleza.
Outras vezes, um zumbido mais humano, certamente mais afinado, vindo de alguns metros adiante, do outro lado da rua. Eu me refiro ao canto de Dona Antônia, viúva de Seu Formigão, pioneiro da Chesf da construção das usinas hidroelétricas, mãos calejadas e pele ressecada do sol inclemente que só acrescentava valor à obra e que jamais abduzia a vontade férrea do sertanejo forte antes de tudo.
O canto é cada vez mais fraco, tênue e obrigatoriamente ritmado. Ou são os meus ouvidos de igual forma enfraquecidos. Mas mantém todo o vigor de uma fé inquebrantável que só faz aumentar e se sedimentar por força do amadurecimento cristão.
Dona Antônia, vacinada e reforçada a três doses contra a Covid-19, canta com os seus pulmões preservados para a glória de Deus! E canta para os seus vizinhos. Canta cumprindo a profecia de Cristo que seríamos todos suas testemunhas. Ouvimos e nos regozijamos. E cantamos junto.
De longe, não tão longe assim, cantamos com ela. Cantamos baixo. Bem baixinho. O momento é dela. O protagonismo também. Carece não estragar o espetáculo de uma senhora octogenária cheia de fé e doçura para repartir. Ademais, podemos não ser tão afinados quanto ela.
E muitas vezes paramos o que estamos fazendo, nos assentamos num canto qualquer da casa, da varanda ou do jardim, e cantamos! Baixinho, já dissemos, e discretos que não veja nem a mão, nem o olho ao lado.
E ganhamos o dia toda vez que compartilhamos o canto com Dona Antônia, louvando o verdadeiro Deus que nos concedeu a possibilidade, a sensibilidade e o privilégio de cantar com Dona Antônia.