Tateando na escuridão – foi um apagão de quase sete horas – do Facebook, encontramos o poema de Ascenso Ferreira. Foi no brilho dessa escuridão que encontramos a pérola.
Falamos do poeta nordestino, um dos expoentes do modernismo brasileiro. O poema é de 1939 e a França era o modelo. O chic era falar da França, empregar termos do francês e espreitar a moda exportada de Paris. Após o final da Segunda Guerra Mundial, passamos à influência americana, com Facebook e tudo.
Mas verifique o leitor a beleza da cultura nordestina, da tradição portuguesa e da influência africana e indígena magistralmente retratadas na poesia de Ascenso Ferreira.
Temos resistido na
medida das nossas forças. Ainda somos nordestinos brasileiros amantes da
cultura portuguesa dos nossos avós com tempero indígena e africano. Vamos ao
banquete:
História Pátria
Plantando mandioca, plantando feijão,
colhendo café, borracha, cacau,
comendo pamonha, canjica, mingau,
rezando de tarde nossa ave-maria,
Negramente…
Caboclamente…
Portuguesamente…
A gente vivia.
De festas no ano só quatro é que havia:
Entrudo e Natal, Quaresma e Sanjoão!
Mas tudo emendava num só carrilhão!
E a gente vadiava, dançava e comia…
Negramente…
Caboclamente…
Portuguesamente…
Todo santo dia!
O Rei, entretanto, não era da terra!
E gente pra Europa mandou-se estudar…
Gentinha idiota que trouxe a mania
de nos transformar
da noite pro dia…
A gente que tão
Negramente…
Caboclamente…
Portuguesamente…
Vivia!
(E foi um dia a nossa civilização
tão fácil de criar!)
Passou-se a pensar,
passou-se a cantar,
passou-se a dançar,
passou-se a comer,
passou-se a vestir,
passou-se a viver,
passou-se a sentir,
tal
como Paris
pensava,
cantava,
comia,
sentia…
A gente que tão
Negramente…
Caboclamente…
Portuguesamente…
Vivia.
Poema de Ascenso Ferreira, introdução de Francisco Nery Júnior
Lindo, caro imortal.