O cronista Machado de Assis, então com 23 anos de idade, nos encanta com a conversa que entabula com a sua pena. É ela quem passa para o papel o que sai da cabeça do escritor. Verdade, leitor, não raras vezes, a sensação de ela estar escrevendo livre e solta sem o monitoramento – muito menos a interferência – de quem digita. Caldo de galinha e prudência não fazem mal a ninguém, enfatiza o maior escritor brasileiro. Indo além, recomenda exaltar o gênio, cortejar o talento, ser justo e – fundamental – desprezar as nulidades, com “meias tintas”. O “Não te envolvas em polêmicas” explica, ou justifica, a crítica de alguns ao não engajamento efetivo de Machado de Assis na campanha abolicionista. Recomenda ainda o respeito aos leitores não se esquecendo que o texto será publicado no Futuro (na Folha ou no Ozildoalves), jornal de prestígio da época. E a [nossa]recomendação de o autor ler o texto mais de uma vez antes da publicação (e o leitor após a publicação) considerando que a repetição é a mãe dos estudos. Repetitio mater studiorum est.
— Vamos lá; que tens aprendido desde que te encafuei entre os meus esboços de prosa e de verso? Necessito mais que nunca de ti; vê se me dispensas as tuas melhores ideias e as tuas mais bonitas palavras; vais escrever nas páginas do Futuro. Olha para que te guardei! Antes de começarmos o nosso trabalho, ouve amiga minha, alguns conselhos de quem te preza e não te quer ver enxovalhada . . . Não te envolvas em polêmicas de nenhum gênero, nem políticas, nem literárias, nem quaisquer outras; de outro modo verás que passas de honrada a desonesta, de modesta a pretensiosa, e em um abrir e fechar de olhos perdes o que tinhas e o que eu te fiz ganhar. O pugilato das ideias é muito pior que o das ruas; tu és franzina, retrai-te e fecha-te no círculo dos teus deveres, quando couber a tua vez de escrever crônicas. Sê entusiasta para o gênio, cordial para o talento, desdenhosa para a nulidade, justiceira sempre, tudo isso com aquelas meias-tintas tão necessárias aos melhores efeitos da pintura. Comenta os fatos com reserva, louva ou censura, como te ditar a consciência, sem cair na exageração dos extremos. E assim viverás honrada e feliz.
Introdução de Francisco Nery Júnior
Notas:
. Entabular – iniciar, empreender
. O Futuro – periódico luso-brasileiro, Rio de Janeiro, 1862 e 1863
. Encafuar – de cafua, cova, caverna; esconder
. Enxovalhar – sujar, manchar
. Pugilato – luta, briga
. Nulidade – sem talento, “burro”
Ousando complementar Machado de Assis, para ser um cronista: 1) ser, nascer vocacionado (talento), 2) procurar ou ter sensibilidade em relação aos fatos, pessoas ou sofrimento, 3) ter capacidade de observação, 4) desenvolver a capacidade analítica, 5) participar, penetrar e interagir em todas as áreas, 6) verificar (checar) fatos, dados e acontecimentos, 7) praticar a humildade.