Sebastião, empresário de sucesso e membro da Academia de Letras de Paulo Afonso, acaba de chegar aos oitenta anos. É um octogenário que nos deu a oportunidade de conversar, tentar interpretar o que lhe vai na cabeça e transmitir para os leitores da coluna e do site. São, certamente, na entrevista que transcrevemos abaixo, respostas de cunho histórico para Paulo Afonso e lições importantes de vida de um vencedor de caráter comprovado e temente a Deus.
Nery – Iniciamos a nossa conversa com um Sebastião de oitenta anos quase todos vividos em Paulo Afonso. O que o levou a acreditar no futuro da cidade?
Sebastião – Eu e minha família nos transferimos para cá em 1948. O Nordeste era atrasado. Era como uma vinda sem volta. Era tudo ou nada. O fim das obras de construção do complexo hidrelétrico se aproximando, houve como que um choque de despertamento. Resolvi, por consequência, enfrentar todos os obstáculos.
Nery – Ao invés de correr atrás de favores públicos, você foi à luta. Está em sua biografia. Comente.
Sebastião – Éramos pequenos bodegueiros vindos de Sertânia. Não tínhamos outro caminho. Nordestino forte, meu pai montou uma pequena padaria de forno a brasa. O seu exemplo de trabalho foi fundamental.
Nery – Como esse belo exemplo do seu pai, que vendia pão de madrugada pelas ruas da Vila Poty, o influenciou?
Sebastião – Meu pai era um homem persistente que cultivava as amizades. Com ele, era sim, sim; não, não. E assim era rigoroso em relação à educação dos filhos. Com ele era “na chibata”, procedimento da época, o que, por outro lado, não eliminava a responsabilidade e o afeto em relação aos mesmos filhos.
Nery – Sabemos que você estudou nas escolas da CHESF. Nos fins de semana, você ia disputar uns trocados na feira livre perto do COPA. Você vê algum mal em a criança, após cumprir os deveres da escola, ajudar os pais nas tarefas domésticas ou mesmo realizar pequenas tarefas que tragam algum dinheiro para a família?
Sebastião – Creio que o trabalho pode ser uma forma de educar. Quando adolescente, eu costumava engraxar sapatos na Rua da Frente, imediações de onde hoje fica a loja Millenium. Ganhava uns trocados com que, algumas vezes, comprava um sorvetinho na sorveteria Botijinha de João Mariano. “Ói o pão!”, saía a gritar de madrugada pelos Quatro Grupos, balaio na cabeça. Isso foi uma benção! A lei posterior que proíbe o trabalho infantil faz sentido. Ela foi elaborada para evitar a exploração de menores.
Nery – Você é agradecido à CHESF?
Sebastião – Sim, a CHESF foi a base do que temos hoje e continua a ser. Quando ouço que a CHESF pode ser privatizada, fico pensativo. Ela é nossa parceira. Não é inimiga.
Nery – Verificamos que você observa mais do que fala. Isso é uma virtude?
Sebastião – Sempre digo a mim mesmo: falar baixo, andar leve, pisar no chão devagar [autor desconhecido]. Sou a favor da atitude: ouvir e proceder. Chegar-se para ouvir é melhor do que falar.
Nery – Você acha que o seu tio Otaviano Leandro de Morais, primeiro prefeito de Paulo Afonso, é pouco lembrado? Em outras palavras, a sua atuação para a consolidação da cidade é pouco valorizada?
Sebastião – Otaviano foi fundamental para a estruturação da sociedade de hoje. Ali foi o começo. Se ele não é capa de revista, a sua firmeza e dedicação à cidade nascente nunca será esquecida. Ninguém conseguirá destruir.
Nery – O fato de você ser um paraibano de Monteiro contribui para a sua postura de servir?
Sebastião – Paraibano como José Lins do Rego, João Pessoa e Ariano Suassuna. Isso vem do começo. Procuro seguir o exemplo do meu pai de dar pão e o exemplo do meu tio Otaviano que facilitava, no seu pequeno comércio, a compra pelo pessoal da Zona Rural. Os meus tios Nelson Leandro, Otaviano e Sebastião, pai de Gilson do Gás, foram três dos primeiros fornecedores para a CHESF. A lisura dos três resultou na confiança da companhia que, mais tarde, Otaviano já prefeito, ajudava a Prefeitura a saldar os seus compromissos. A arrecadação, então, se limitava à cobrança de pequenas taxas de bancas de feira.
Nery – Você é presença constante nos corredores do Suprave. Além disso, quais são os seus prazeres da vida? Como você alivia as tensões naturais a um empresário? Você viaja, janta fora, faz turismo?
Sebastião – Não me atrai viajar apesar de reconhecer ser uma forma de higiene mental. Fui caminhoneiro e uma vez desci a Serra com um carregamento de pintos e ração - sem freio! Então, já viajei muito. Entretanto, sempre vou a São Paulo e a Salvador para visitar exposições periódicas de produtos das empresas. Eu observo certos princípios do comportamento. O empregador é um educador pelo exemplo. Já fui escoteiro, prestei o meu serviço militar no Exército Brasileiro. Eu estava presente no lançamento da Pedra Fundamental no início das obras pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. Eu estava lá onde posteriormente foi erguido um obelisco.
Nery – Você é religioso?
Sebastião – Eu observo a Palavra de Deus, a bíblia. Sou um cristão sem preocupação de denominação.
Nery – Você emprega cerca de 200 empregados no Suprave. Observando superficialmente outras empresas, concluímos facilmente que o supermercado funcionaria a contento com menos empregados. Além do lucro, um dos três pilares de uma empresa, o seu prazer está em dar emprego aos jovens e pais de família de Paulo Afonso?
Sebastião – Faz parte do processo. A satisfação é servir e manter a estrutura. Pensar na empresa. A gente se coloca no lugar do empregado e procura ser tolerante. A minha formação leva a isso. Não tem como ser diferente. Ao todo, o nosso conglomerado tem cerca de 500 empregados.
Nery – Voltando à História de Paulo Afonso, como você descreveria o episódio de Chefe Abel se enrolando na Bandeira Nacional para enfrentar a poderosa CHESF da época? Você foi escoteiro do Chefe Abel.
Sebastião – A gratidão é fundamental. Eu sempre o visitava e nunca os seus amigos permitiram que lhe faltasse alguma coisa. Otaviano era grande amigo de Abel. Ele, Abel, era bom de papo e se dedicava à política. Formou um grupo e peitou a CHESF. Abel levantou uma bandeira política.
Nery – Por que o apoio constante à cultura local? Poucos empresários valorizam a cultura.
Sebastião – Acho muito importante contribuir para a consolidação de uma base cultural em Paulo Afonso. A gente se projeta nesses jovens militantes e autores. A prática cultural desenvolve toda uma estrutura espiritual, o caráter deles se fortalece e eles revelam o que têm dentro de si.
Nery – A Academia de Letras de Paulo Afonso o tornou membro honorário. Isto o envaidece?
Sebastião – Não me envaideço. Pelo contrário, [isto] aumenta a minha responsabilidade. Creio ter sido uma retribuição ao apoio que dou aos que precisam, assim contribuindo para a revelação de novos talentos na área da cultura. Eu me sinto feliz e agradecido.
Nery – Qual a sua visão do futuro do conglomerado do qual o Suprave faz parte?
Sebastião – A minha preocupação, como posso verificar em relação a alguns empresários amigos, se refere ao comando e à continuidade. A empresa é familiar. Torna-se necessário que ela conte com entes que tenham vocação comercial.
Assim encerramos a entrevista que primou em colocar no papel mais um relato histórico de Paulo Afonso. Entrevistador e entrevistado se esforçaram para não ferir - muito menos diminuir a importância de - quem quer que seja. Também passar à geração mais nova um belo exemplo que cremos corroborar a sua formação e o seu caráter, levando em consideração o conceito de ancião como aquele que acumulou sabedoria.
Introdução, questionamentos e fecho de Francisco Nery Júnior
Lá em cima, podermos.
Um grande abraço para Paurílio, oficial da reserva do Exército Brasileiro. Paurílio filho do centenário Pedro Barbosa, meu padrinho de casamento, sargento dos tempos heroicos quando os destacamentos da Polícia Militar garantiam a ordem nos sertões da Bahia. Queira Deus em breve pudermos publicar "Nos tempos de Pedro Barbosa".
Conheço Sebastião há muitos anos. Morávamos na rua S. Francisco. Um homem de visão, inteligente, empreendedor de fé que investiu com coragem, dando a Paulo Afonso uma empresa de sucesso. Excelente matéria que destaca o pensamento e expõe o enorme coração desse reconhecido empresário. Estão de parabéns Folha Sertaneja e Nery por nos oferecerem interessante entrevista.
Este site www.folhasertaneja.com.br e o Jornal Folha Sertaneja, que está circulando agora online, têm espaços destinados a entrevistas e homenagens a pessoas que estão ainda ou já estiveram deixando marcas fortes e modelares, exemplares da sua passagem por estas terras sertanejas. Há um espaço chamado MEMÓRIA VIVA onde temos homenageado estas pessoas.O Professor Francisco Nery Júnior, colaborador do nosso site e do jornal, de vez em quando entrevista uma pessoa que poderia estar em qualquer desses espaços do jornal e, também, na própria Coluna que o Professor NERY tem nesses veículos de comunicação.É o que ele faz agora ao nos trazer uma entrevista realizada com o pioneiro de Paulo Afonso, o empresário SEBASTIÃO LEANDRO DE MORAIS que é também um resgate da história de Paulo Afonso.No dia 3 de janeiro, este empresário, amante da cultura e apaixonado por Paulo Afonso onde chegou em 1948, 10 anos antes deste município existir, ao completar 80 anos de vida, Sebastião Leandro tomou um susto ao chegar à loja dos Supermercados Suprave onde passa todo o dia e foi recebido pela música dos instrumentos e das vozes do Coral Chesf de Paulo Afonso que estava ali para homenageá-lo. (Veja a matéria no link:(https://www.folhasertaneja.com.br/noticias/memoriaviva/599215/1)Nesta entrevista concedida ao Professor Nery, as palavras deste pioneiro de Paulo Afonso, nascido em Monteiro/PB e homenageado como Cidadão de Paulo Afonso, pela Câmara Municipal de Paulo Afonso em 10 de abril de 2006, são a própria MEMÓRIA VIVA.