Não é um nome completo; de batismo. É que João trabalhava em uma fazenda. Ele era caseiro do fazendeiro. Nas caçadas, havia muitos patos, uma das suas tarefas era coletar os patos abatidos. Tiros de chumbo e eles impiedosamente caíam pelo chão. Um, dois ou três iam parar na panela. Uns quatro para o congelador. O resto era simplesmente descartado. Tinham satisfeito a sanha abatedora do caçador, sanha de fato assassina.
Simplório e inatacável no proceder, contido na sua simplicidade cultural, mais oprimido que contido, era irrefutavelmente um santo homem.
João tinha entretanto os seus aperreios. Fatos passageiros da vida o aperreavam. Na verdade, tais fatos nos aperreiam. Às vezes nos tiram do sério. Já foi dito que o sábio oprimido faz bobagens. E João, na sua sábia simplicidade, se deixava expressar em bobagens. Murmúrios aqui, reclamação acolá, desencantos mais para a frente, seguia a vida João.
O patrão não conseguia entender os desabafos de João. Como um santo homem como João não conseguia se conter?
Um dia, sempre chega o dia, sol quente e céu desnublado, muitos patos acima para o tiro certeiro. Veio o tiro e a triste derrubada das pobres criaturas. Uns já mortos e outros a se bater. João, na sua competência de bedel, iniciou a coleta dos patos mortos para a reprovação do seu patrão que bradou inconformado: “Os mortos não, imbecil! Colete primeiro os que estão a se bater e ainda podem voar”.
O patrão, que se considerava um homem sem aperreios, ouviu de João: “Viu, patrão, por que o senhor é um homem sem aperreios e desabafos? É porque o senhor é um pato morto!”
Francisco Nery Júnior
P.S. Aperreio, no texto, pode ser substituído por “tentação”.
Deixando claro que a bela e significativa ilustração é de autoria do redator, Antônio Galdino. Valeu!!!!
Lembrando que dia 20 de março é O DIA DO CONTADOR DE HISTÓRIAS.