As nossas considerações se referem ao 2 de julho de 1823. Não bastou o levantamento da espada às margens do Ipiranga por um príncipe que vinha de São Paulo onde, com a sabedoria da sua formação, trabalhou a unidade do Brasil, um dos verdadeiros milagres brasileiros. O resto da América do Sul e América Central se esfarelou em republiquetas que, embora honradas, são pequenas.
Dom Pedro, então príncipe regente, trabalhava no campo diplomático, enquanto as más línguas lhe atribuíam incursões amorosas. Era novo e o sangue lhe fervia nas veias. Se ao contrário, os impropérios seriam maiores ainda. O sangue lhe fervia nas veias e nas artérias como lhe ferviam os neurônios bem trabalhados na Corte Portuguesa. Dom Pedro de Alcântara era culto e preparado. Era poeta e compositor. Tocava piano e declamava para todos – e para as damas recatadas da jovem corte brasileira. O príncipe Pedro, filho do regente de Portugal Dom João, não desprezava os seus tutores (professores). Valorizava os esforços do pai. Respeitava, provavelmente com o ardor de quem se sabia importante para o futuro de Portugal e do Brasil, a dedicação de quem o conduzia para bem desenvolver as suas potencialidades. Não os desprezava nem os achincalhava. Não tinha sinal nem apoio para isso de irresponsáveis e oportunistas embutidos no seu processo educacional. Outrossim, tirou proveito da dedicação de quem, pedagogicamente, lhe fazia aflorar as suas competências e valores.
Em parênteses, e nessa conversa com leitores atentos e comprometidos com Paulo Afonso, sem cargos nem mordomias financiadas pelo dinheiro suado dos contribuintes, a lembrança dos meus alunos eventuais de história em um ano qualquer inserido no meu magistério: o nosso compromisso negociado era abordar primordialmente os aspectos esquecidos, aqueles que não interessam aos oportunistas de todas as beiras; aspectos que a cartilha dos livros didáticos adora esquecer. Tentávamos - pelo menos tentávamos - entrar nos meandros da História, do Brasil e do mundo, meandros que, por qualquer outra razão, não constam no manual escolar.
Hoje é 2 de julho. O Dois de Julho da independência da Bahia. Assim falam os baianos. Assim pregam e assim bradam para o resto do Brasil empacados eles no Sete de Setembro de 1822. O dia sete, às margens do riacho, espada em riste provavelmente saída do mato sem a assepsia do sabonete perfumado, foi o início do processo formal da independência do Brasil colônia. Houve lutas também lá para cima, no Maranhão e no Pará. Mas foi na Bahia que o ápice da luta se deu. Lá, a consolidação da independência do Brasil se materializou com a saída para a Europa das últimas forças de resistência dos portugueses.
Foram literalmente empurrados Salvador abaixo para o mar, o General Madeira de Melo sem condições de resistência e operação militar. Entraram nos seus navios, desta vez não mais caravelas, e partiram. Foram empurrados pelo povo e pelos heróis baianos cujos nomes e heroísmo conhecemos. Desceram de Cabrito e de Pirajá com as armas e brio patriótico que conseguiram arregimentar pelo caminho que, por isso, tomou o nome de Liberdade.
Os portugueses ainda tentaram cambar à direita para se entrincheirar na ilha de Itaparica. Toparam com novos heróis que lhe tiraram a oportunidade de manter o reinado de despotismo.
O nosso esforço, em sala de aula e nesta coluna, é enfatizar o heroísmo dos baianos sem o qual a independência do Brasil não teria se consolidado após o episódio de Sete de setembro de 1822 às margens do Riacho Ipiranga que, corroborando a fantástica unidade nacional, poderia ser o Córrego, Ribeiro, Regato, Arroio ou Igarapé do Ipiranga.
Relevamos nesta matéria o valor dos nossos heróis que, com sangue, suor e lágrimas, muito antes de Winston Churchill, garantiram a consolidação da nossa independência de Portugal. Ressaltamos o Portugal dos bravos descobridores e dos nossos avós imigrantes. Não lhe tiramos o mérito de desbravadores dos mares na época do colonialismo. Preferimos, ao descrevermos e estudarmos a história do Brasil colônia, evitar a contaminação da nossa relação com o Portugal de 2022. Consideramos o Portugal moderno que nos acolhe e nos encanta com os seus bondinhos de cem reis que nós não soubemos conservar no Brasil.
Francisco Nery Júnior
P.S. Consideramos e louvamos sobremaneira o Portugal que estampa, bem grande em um mural no centro de Lisboa: “Cadeia para os que endividaram o país”.
Excelente texto prof. Nery. O conhecí como prof. de Inglês, mas também é um ótimo professor de história...
Um lugar lindo para onde eu nasci é orgulho e separando parabéns
Que texto fantástico! Parabéns pelo conteúdo