Aconteceu hoje, 29 de julho de 2022, em uma clínica da cidade. Eu me encontrava em trabalho de preparo para uma tomografia (as pedras nos meus rins são o purgatório do momento). No corredor, alguém a empurrar uma doce, frágil, mas vistosa senhora numa cadeira de rodas. O seu olhar, um pouco caído ou pela gravidade que eu não sabia, ou pela força de atração com o passar dos tempos, era um olhar de confiança. De dentro para fora, de relance eventual, alguém parecido com o antigo prefeito de mais de dois mandatos, Anilton Bastos. Ponderei com a minha mulher, na hora a minha acompanhante, se seria mesmo o ex-prefeito.
Estou ficando velho, mais velho para ser mais preciso, e a vista começa a falhar. O condutor da veneranda senhora seria certamente um contínuo no seu trabalho fundamental de suporte às atividades da clínica.
Não era. O condutor era o ex-prefeito e médico respeitado Anilton Bastos Pereira. Melhor dizendo, era o filho de uma paciente de 90 anos carente dos seus cuidados. Assim fui informado pela enfermeira atendente. Pensei em interpelá-lo, até porque tenho um procedimento marcado com ele em outra clínica da cidade. Mas o leitor há de convir que seria, no mínimo, uma chatice; uma interferência sem necessidade, um desmanchar do prazer de um filho tentando retribuir, em sentido inverso, todo o carinho provavelmente recebido daquele agora sua paciente.
E ele desapareceu porta afora da clínica certo do restabelecimento da sua mãe. A honra dedicada ao empurrá-la ele mesmo era a garantia. Assim está escrito. Assim assegurado. Assim a recompensa.
E eu, feliz testemunha de um ato singular de nobreza, ou de amor filial, fico a lamentar não mais possuir uma mãe que eu possa empurrar eu mesmo, com as minhas mãos, pelos corredores de uma clínica, em busca da tão merecida cura.
Francisco Nery Júnior