Na escrita pode haver repetições. Em relação aos estudos, como os romanos apostavam na repetição (a repetição é a mãe dos estudos, repetitio mater studiorum est citaria Epidauro Pamplona em bom latim), vamos em frente.
A propósito do momento político do Brasil, ouvi a citação de Paulo Freire: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”. Curiosamente o citador omitiu a primeira parte da afirmação.
Pesquisando um pouco mais, me deparei com, também de Paulo Freire: “A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria.”
Não importa que tudo isso [já] esteja dentro do evangelho de Jesus Cristo. Está aí sistematizado e dele, de tudo isso, poderíamos conversar por todo o espaço do site. A alegria de ensinar do jeito bíblico – ou de Paulo Freire – empolga, alegra e compensa. Pouco importam as incompreensões, dissabores e inimizades eventuais. Compensa e enche de alegria o educador como a cura faz com o médico e a construção acabada com o engenheiro.
Assim sendo, duas ou três reminiscências de sala de aula se me apresentam. A primeira, ao ensinar história na falta de um colega, a oportunidade de conversar história com os meus alunos fora da cartilha escolar e tradicional por assim dizer. Delicioso conduzir a plateia a entender que, no Brasil, não houve um descobrimento, e sim uma invasão (o Brasil tinha donos, quatro ou cinco milhões de habitantes nossos avós). Dom João VI não era um bobão comedor de coxa de galinha. (Há dois dias, ouvi de alguém o comentário que Dom João enganou Napoleão, o que é plena verdade). O Brasil cresceu no Império que foi fator agregador da unidade nacional. O Brasil imperial era parlamentarista como a maioria dos países desenvolvidos nos nossos dias. Pela minha ótica e pela minha observação, os alunos gostaram e se envolveram.
Então eu procurava, para o exercício do raciocínio e da libertação, para a conscientização que eles, os alunos, não devem nada a ninguém; então nós entrávamos no inferno do assunto “crase” - inferno não sei por quê. Demonstrados e assimilados os conceitos básicos estruturais, quase sempre o desabafo de um deles: “Ah, agora eu entendi o que é crase”. Primeiro, aquele acento não é “crase”. É acento grave. Depois, crase é o processo de dois “as” que se fundiram em um só. O acento é colocado sobre o “à” [apenas] para que quem lê entenda que ali estão dois “as” fundidos em um só. Se, por exemplo, dissermos eu vou para a França, podemos substituir a preposição “para” pela preposição “a”. Ficaria eu vou a a França. Poderia ficar assim e acabaria o inferno ou o dilema dos nossos briosos alunos. Ficaria, porém, pesado, meio cacófato, ou até feio ao olhar. O melhor é fundir o “a” preposição com o “a” artigo.
Se o aluno sabe que, em português, o “a” pode ser artigo ou preposição essencial (a, ante, até, após, com, contra, de, desde, em, entre, para...), creio estar exorcizado o fantasma do assunto crase para os estudantes de português.
Raciocine o leitor a inutilidade de uma gramática ou um professor grafar a regra número um no início do estudo de crase: “Nunca se craseia antes de um nome masculino”. Evidente que o “a” antes de um nome masculino será apenas uma preposição.
Se o leitor assimilar que crase significa fusão, que o acento para trás em cima do “à” se chama acento grave, que “a” em português pode ser artigo feminino ou preposição e que o acento deve ser colocado apenas para dizer ao leitor (quem vai ler o que o autor escreveu) que ali, naquele “à”, estão, na realidade, dois “as”, ufa, teremos equacionado o problema. Fixados os princípios basilares e entendido o processo, todas as “regras” de crase se tornarão cristalinas ou mesmo desnecessárias.
Se existe raciocínio, por que então a dificuldade de entender o Teorema de Pitágoras: a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa? O lado do triângulo retângulo, cateto. A linha que liga os dois pontos marcados nos catetos, hipotenusa.
Procurei saber como Geneci, o meu pedreiro de apenas curso primário incompleto, marcava o desenho inicial em um terreno. Marcado o ponto inicial de esquina, Geneci marcava 3 metros em um lado e 4 metros do outro. Ligava, então, os dois pontos com uma linha de 5 metros. Ângulo reto perfeito. Estávamos em uma das minhas primeiras construções. Peguei um pedaço de papel e anotei a dica. Em casa, já no banho, a lâmpada acendeu na minha cabeça. Geneci havia me demonstrado o Teorema de Pitágoras! O quadrado de 3 é 9. O quadrado de 4 é 16. Nove mais dezesseis, 25. O quadrado de 5 (a hipotenusa) é 25.
Sendo a minha formação Letras com Inglês, eu procurava demonstrar aos meus alunos como os princípios do evangelho, muito bem assimilados e explicados por Paulo Freire, funcionam. O entendimento não passa pela genialidade, mas pela aplicação de querer aprender e entender. Em outras palavras, conhecimento ou raciocínio não é privilégio, mas possibilidade para os que buscam.
O educador Paulo Freire ainda nos legou a constatação que o analfabetismo foi, por muito tempo, para as classes privilegiadas, o garantidor da escravidão das massas, o que nos remete à afirmação bíblica da real liberdade: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
Amém, nobre amigo Pamplona. Vc é peça importante para a educação do nosso povo.
Obrigado ao editor e ao nobre professor Nery. Muito bom ter verdadeiros amigos. Pax Dominus sit semper vobiscum!