O seu Walter, o meu chefe imediato na Moore-McCormack do Brasil, tinha lá o seu bordão: “É o tal negócio”. Em todo o papo, no escritório, nos nossos detalhes burocráticos e nas nossas conversas, sempre o bordão.
Pois é o tal negócio: nas nossas viagens, as nossas gafes. Por mais preparação que busquemos ter, as gafes. E elas se prestam muito bem para uma conversa descontraída com os nossos leitores.
Antes da minha viagem de aperfeiçoamento em Houston, no Texas, a consulta à minha sobrinha que já havia estudado nos Estados Unidos por um ano. Que dificuldades iria enfrentar? “A gente passa por cada uma!”, respondeu. Quais, insisti. “Você vai ver”, foi a resposta. Enfrentei muitas delas. Pelo menos algumas delas.
Ainda estamos na minha primeira viagem. No aeroporto, na hora do embarque, a primeira gafe – que só a confiança no leitor me faz grafar. Eu ia entrando, ou subindo em outras palavras, no lugar errado por assim dizer, para o agente da Polícia Federal me perguntar se aquela era a minha primeira viagem. E paro por aqui para a vergonha não ser maior.
Já no Texas, a placa de Adult Bookstore em uma livraria. Opa, que bom, vou entrar atrás de um bom livro para adultos, pensei. Logo aprendi que uma loja para adultos, nos Estados Unidos, é uma loja que negocia com produtos pornográficos. Para garantir a leitura desta crônica pelo leitor, declaro solenemente que não adquiri nenhum item da loja.
Desta vez, estávamos em Worcester, perto de Boston, na casa de Meire, ex-colega de Ângela na Arte Foto Paulista, casada com Jorge, um mineiro dos bons. Na praça, a temperatura cortante de seis graus abaixo de zero. Tudo branco pela neve já virando gelo, uma foto se impunha. Contamos com a ajuda de uma americana que não conseguia entender a escolha de Worcester e não de alguma cidade da Flórida, o paraíso tropical dos americanos. Ela se conformou quando lhe dissemos que tínhamos vindo exatamente da Flórida para conhecer a neve e o gelo.
Um pulo para Portugal através do Atlântico. Descemos no aeroporto e cuidadosamente procuramos nos informar sobre o serviço de táxis. Inquirimos e perguntamos por algum tempo até o agente lusitano entender que estávamos preocupados com segurança ou possíveis assaltos. “Não, aqui não tem isso, não”, foi a resposta. “Pode ir tranquilo”.
De Portugal, para Toulouse na França. A tarifa de táxi para o apartamento que havíamos alugado era salgada e resolvemos ir de metrô. Penamos um bom bocado nas escadarias do metrô de Toulouse (sem escadas rolantes). Penamos porque desprezamos o conselho do meu pai que sempre dizia que o barato, na maioria dos casos, sai caro. E foi em Toulouse que confirmamos que os franceses, quando querem, são um tanto ou quanto ranzinzas. A secretária do curso na PUC de Toulouse me tirou da sala de aula para, na secretaria, me solicitar cinquenta centavos de real que ela havia esquecido de acrescentar no nosso acerto de contas anterior.
Uma gafe que algumas vezes nos faz rir no exterior é quando nos dirigimos a alguma pessoa em busca de informação falando inglês e verificamos que a pessoa é surpreendentemente um brasileiro. Não foi o caso com o colega Hashid, da Arábia Saudita. No primeiro dia de aula, pedi a Hashid para acompanhá-lo até o refeitório para que eu pudesse ver como funcionava. Para demonstrar o meu agradecimento, propus pagar o nosso almoço, o meu e o dele, para descobrir que o “pagamento” de um favor, fora do Brasil, pode ser tomado como uma descortesia.
Descendo para a África, em Cabo Verde, a dúvida na fila de uma farmácia e a minha pergunta aos quatro caboverdianos enfileirados: “Essa bicha aqui na minha frente é para o pagamento?”. Inevitável a explosão de risos de todos nós. Pelo sotaque, eles sabiam que se tratava de um brasileiro que bem sabia que, em Portugal, como em Cabo Verde, bicha significa fila. E já sabiam o que significa no Brasil.
Os estrangeiros cometem as suas gafes no Brasil como as cometemos no exterior. Em Paulo Afonso, os americanos me convidaram para um jantar. O menu era pizza – e eu odeio pizza.
Para encerrar, Eial e Amir eram dois judeus em Paulo Afonso querendo postar uma carta nos Correios. Dispensaram um tradutor e verificaram, no pequeno dicionário de bolso, que post office em português se escreve correio. No meio da Rua da Frente, levantaram o envelope e insistentemente falavam a palavra correio para saber o caminho para a agência. Só que pronunciavam a palavra como se fosse corio. Corio gritavam e pronunciavam. Juntou muita gente até que o mais inteligente da turma concluísse: “Ah, correio!”. Amir me relatou o acontecimento a propósito de ele verificar o nosso uso e abuso do “Ah”, antes de uma conclusão.
Francisco Nery Júnior
Sequência das fotos: 1)no topo de um farol em Jacksonville, Flórida 2)fazendo o famoso boneco de neve em Worcester, Massachusetts 3)conhecendo uma escola de primeiro grau em Jacksonville 4)jantar em Jacksonville oferecido pelo senior pastor da Igreja de West Side.