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Professor Nery

Um brado ao leitor

A força do leitor e a sua omissão

Publicada em 09/02/23 às 00:03h - 3784 visualizações

Francisco Nery Júnior


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Um brado ao leitor
 (Foto: imagem ilustrativa)

Dois brados famosos: o de Adolf Hitler quando ele “chamou toda a Alemanha”, Raul Seixas (a Alemanha era quase uma unanimidade em torno de Hitler), e o de Caetano Veloso “Não se esqueça de mim, não desapareça”. Um quase dominou o mundo e o outro encanta os nossos ouvidos em poemas memoráveis de conteúdos com os quais nem sempre concordamos. 

Bradar e clamar ao povo. A Revolução Francesa só aconteceu após a doutrinação persistente dos filósofos franceses – que não “desapareceram”. Não fizeram o jogo [abominável] dos malandros que ensejam e desejam o desaparecimento dos justos. Com o desaparecimento, a inércia dos justos em última análise, a festa dos malandros. 

Uma das preocupações do poeta é certamente evitar o sentido de sermão nos seus poemas. Ele tenta evitar o caráter de pregação de cima para baixo, e tenta evitar a verborreia [desnecessária]. E conceituamos poema como toda e qualquer produção intelectual. 

Os poetas! Os poetas são os que transformam o mundo. Não se iluda o leitor: os malandros os respeitam. Tremem de medo. Buscam destruí-los. Apelam para a ridicularização. Basta verificar o olhar de través que sempre, sempre nos lançam. 

Não carece temê-los. Eles passarão e nós passarinho; o leitor e o autor. Eles, mais à frente, se destruirão uns aos outros. 

Se duras as considerações agora feitas, nenhuma intenção de endurecer. O poema – esse o esforço – deve sempre navegar na suavidade das plumas do vento. Esse o poema que transforma. O resultado sempre acontece a nos escabrear, a massagear o nosso ego e, importante, a nos coagir a sermos cada vez mais responsáveis. 

O terreno aplainado, a hora de dizer – ou admitir – que o brado do leitor nos traz de volta aos trilhos. Me lembra a observação do doutor Teixeira, o médico vereador dos tempos da Chesf elitizada. O doutor Teixeira observou o meu estilo talvez gongórico ou cheio de rococós. Não me lembro exatamente que palavras usou - mais gesticulou que falou -, mas creio ter entendido a sua observação que levei muito a sério. Procurei, daí pra frente, evitar o floreio desnecessário, exagerado, muitas vezes presente nos escritores de origem latina. 

Em outra ocasião, a observação de um colega de academia. Eu estaria produzindo aos borbotões, aos solavancos, o que não permitia aos leitores uma digestão cadenciada e amadurecida. O colega é um excelente produtor de ideias, uma cabeça eminentemente pensante. Melhor considerar o que sai da sua boca. Corri ao meu redator-chefe para concluirmos que o meu espaço no site vem sob a rubrica de coluna. Existem, mundo afora, colunas diárias. E desconsideramos, embora agradecidos, o brado preocupante do colega acadêmico. 

Pelo exposto, o brado respeitoso ao leitor para sair da sua omissão cautelosa, como a cremos, tomar posse da força da sua competência e participar. Está escrito que se exige mais de quem recebe mais. Os malandros, vale sempre lembrar, odiarão essa tomada de posição. Espernearão de raiva. Procurarão evitá-lo. Morderão as suas feridas. Mas não sobreviverão muito tempo, como a opressão das elites dominantes não sobreviveu em todo o seu poder após a Revolução Francesa. 

A opção que acabamos de sugerir pode parecer uma perda de cabeça. Podem advir os aperreios. No final, sempre valerá a pena: “Não se esqueça de mim, não desapareça. A chuva está caindo e eu acabo de perder a cabeça”. Sem cabeça, Caetano Veloso enche qualquer espaço onde se propõe se apresentar. 

Francisco Nery Júnior  




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