Se Lady falasse...
Se ela latisse. Melhor dizendo, se fôssemos capazes de entender os seus latidos. A partir do parágrafo seguinte, é ela que está falando.
Fui uma cachorra de rua. Tinha mesmo uma casa. Até que fui expulsa aos pontapés por uma peraltice canina qualquer. Fiquei ao léu, com fome e com frio exposta aos espertalhões aproveitadores da minha exposição. Com eles, adquiri um câncer vaginal, emagreci e perdi o apetite. Aos ossos, lânguida e perdida, entreguei os pontos. Quase morri. Cheguei à beira da morte, carrasca cruel que nos tira o prazer supino de viver.
Um braço providencial me resgatou. Gostaria de ter grafado "uma mão" que a eufonia proíbe. U'a mão ficaria forçado. Gostaria também de agradecer. Não o farei, porém. Não é questão de ser mal-agradecida. Não sou. Mas o leitor , a essa altura sensibilizado, não vai me censurar. Ele sabe que, afinal de contas, nós outros, os caninos, não pedimos para ser domesticados. Tínhamos, por séculos, a nossa domus, casa em latim - a Natureza, casa perfeita de Deus.
Até minha rendição à morte, dita acima, muitos na minha rua me acolheram, me alimentaram e mesmo me seduziram. Eu os amo por isso. Melhor amar que agradecer. Por eles, voltei do limiar da morte.
Fui levada ao veterinário, passei pela necessária quimioterapia e agora, do pedestal da cura, reconheço - e prego - o que os próximos podem fazer por nós. Nada melhor que o resgate pelo próximo. Os meus próximos me resgataram. Não esperaram o poder público complicado e burocrático - o Estado pesado.
Não obstante, às vezes a exceção: o vereador Valmir Rocha acaba de arrebanhar uma verbinha gorda que pode nos ajudar. Está no site. Trezentos mil reais estão no cofre da Prefeitura para nos ajudar. Fala-se de um abrigo para meus ex-companheiros de rua ou para a aquisição e operação de um castramóvel.
Pendo para a ideia de um castramóvel. Pouco influi a adoção de um animal de rua quando uma cadela, como eu, pare vários outros.
Então, abrigada, cuidada, alimentada - e amada! -, não me esqueci dos meus semelhantes. Tanto quanto os que estão ao redor podem - e devem - ajudar, também o Poder Público! Assim se constrói uma comunidade civilizada.
Francisco Nery JúniorP.S. Ah, fui castrada. Procedimento rápido e sem dor. Não estou mais em idade de parir.