A pandemia do Covid-19 nos reteve dentro de casa por longo tempo. Controlada a pandemia, o estouro da boiada. Com estouro, queremos dize carnaval, agora exercitado na chamada Reforma Tributária. Dela, a respeito dela, pouco - ou nada - se fala de pontos fundamentais, sem os quais o país continuará afundando. Ainda vai passar pelo Senado e, sancionada, começará a ser implementada a partir de 2026. Leis ordinárias complementares serão criadas.
Vejamos, aqui e acolá pontualmente, o que queremos levar ao nosso leitor:
Primeiro, a demonização dos impostos. Embora a carga semântica do termo, tem que haver impostos. Deveria ser salutar e patriótico o pagamento de impostos. Que bom pagar a gasolina no posto e andar por aí a bordejar. Quem bom ter a casa limpa e arrumada por uma diarista. Que bom a segurança pelos bravos agentes públicos pagos com o dinheiro arrecadado com os nossos impostos. É bom, produtivo, proativo pagar impostos.
Impostos pagos progressivamente pelos mais abastados. Os ricos pagam muito mais impostos que o pobre. Se devem ou podem pagar mais, a conversa é outra. Interessante que Cristo tinha discípulos ricos que o serviam. Continuaram ricos após a morte e ressurreição de Jesus. O Filho de Davi tinha coisas mais fundamentais para realizar. A César, o que era de César.
Intrigante que não se dê prioridade à Reforma Política. Esta é fundamental; basilar. É de Delfim Neto a afirmação que o Brasil é ingovernável. Por isso está atolado.
E os ricos pagam impostos (40% na compra de um carro zero, imposto de transmissão de bens, imposto de renda, imposto sobre artigos de luxo, etc.). Em igualdade de condições teoricamente iguais, ele agarra a chance pelo pé, trabalha, se esforça, poupa e investe - sem pecado nem omissão. Vamos, desde já, traduzir o nosso "rico" para trabalhador, o verdadeiro companheiro. Há que haver trabalho para que possamos imaginar o Brasil fora do buraco.
Em sentido contrário ao que temos exposto, a conclusão seria que é melhor ser pobre que ser rico. Uma das minhas observações nos Estados Unidos era contemplar os americanos das beiras menos privilegiadas a trabalhar em empregos menores, os menial jobs, enquanto muitos imigrantes subiam na carreira profissional. Os brasileiros nos Estados Unidos são considerados bons trabalhadores. Americano pobre, poderíamos considerar, é uma questão de opção. Casa, comida, assistência social, um carro popular e uma aposentadoria garantida, pra que mais? (Um dos meus "prazeres" no Texas foi dar uma esmola de um dólar a um americano. Nada de vingança. Apenas prazer filosófico.)
Sobre o Brasil ser ingovernável, podemos ainda considerar, e nos pasmar, é que, dos 10% do que sobra do Orçamento Federal para investimento, boa parte vai para as chamadas emendas parlamentares - virtual compra de votos principal responsável pela baixa renovação dos quadros políticos. Noventa por cento das verbas do Orçamento são carimbadas.
Com 90% das verbas carimbadas e com deputados e senadores a espalhar pequenas obras pelo país, para que um gestor nacional; um tocador de investimentos na infraestrutura e um sonhador? Uma das coisas que pude observar na França é que os representantes do povo têm emendas. A diferença está na aplicação na base. A decisão, a escolha da prioridade de aplicação da verba, cabe a uma comissão local. Menos ruim.
Daí as barganhas nas entranhas de Brasília. Poderiam ficar nas negociações. Mas se tornam barganhas. De Brasília, se derramam Brasil afora até o mais pequeno dos municípios.
Assim sendo, a consideração final sobre termos três senadores por estado e 513 deputados federais de vários e fraturados partidos dominados por caciques discricionários e ávidos de poder e dinheiro. Pra que tanto representante e pra que tanta concentração de poder?
E muitos brasileiros, quietinhos no seu canto, enquanto a morte não vem, continuam a matutar se não é melhor continuar desse jeito, sem arriscar a possibilidade de um processo judicial por expressar a sua vontade, o seu entendimento; mesmo a sua perplexidade.
Francisco Nery Júnior