Lucas foi um médico grego, São Lucas para os católicos, que não conviveu com Jesus. Trinta anos após a ressurreição, encontramos Lucas no Templo, provavelmente horrorizado com a balbúrdia que via. Segue a descrição de Emmanuel Carrère no seu livro Le Royaume, tradução do francês para o português por Francisco Nery Júnior.
Lucas, na época a que me refiro, ainda não conhecia a resposta de Jesus a seus discípulos provincianos, chegando a Jerusalém pela primeira vez maravilhado com tanto esplendor: "Vós admirais estas pedras e estas grandes construções? Nenhuma destas pedras ficará uma sobre a outra." Ele ainda não conhecia a história dos mercadores que Jesus tinha expulsado do imenso terraço onde se efetuavam os negócios, mais habituado como era ao doce fervor das sinagogas. Eu o imagino chocado pela turba, as cotoveladas, a gritaria, as barganhas; chocado em ver os animais arrastados pelos chifres em um concerto de balidos angustiantes enquanto sinos e trombetas convidavam todos às orações, testemunhando o sangramento e a degola dos animais com as carnes defumadas sobre os altares com o objetivo de agradar ao grande deus que, entretanto, declarou pela voz do profeta Oseas seu desprezo pelos holocaustos, posto que o que lhe agrada é a pureza da alma - e Lucas não reconhece como puro nada que ele observa no recinto do Templo.
Com o termo recinto, queremos dizer que há diversos deles, uns após os outros, cada vez mais sagrados à medida que se repetem. O centro do turbilhão é o santo dos santos, espaço dedicado ao único deus e onde apenas o sumo sacerdote tinha o direito de entrar uma vez por ano. O conquistador romano Pompeu, ao tomar conhecimento, deu de ombros: "eu gostaria de saber quem vai me impedir". E ele entrou. Ele esperava ver imagens ou uma cabeça de burro como lhe haviam prevenido ser o misterioso deus dos judeus, mas encontrou um espaço vazio. Novamente deu de ombros, talvez desconfortado, e nunca mais se referiu ao episódio. Morreu de forma trágica. Os egípcios, após o terem executado, enviaram a César a sua cabeça conservada em salmoura.
Hoje o Templo dos Judeus se tornou a Esplanada das Mesquitas, fato não reconhecido pelos palestinos. O que quero dizer é que eles recusam reconhecer que no local onde se encontram as suas mesquitas se encontrava antigamente o Templo dos Judeus, o que consubstancia o obstáculo que mais emperra a resolução do conflito entre israelenses e palestinos.