Esse o seu nome fictício. Timóteo era o seu nome. O nome, pra início de conversa, fora de moda. Nascido hoje, seria Cauã, Igor, Caio ou Yuri. Batizaram-no (assim ele gostaria a construção) de Timóteo.
Cresceu e, como bom Timóteo, tornou-se entêté. O termo é do francês, stubborn em inglês. Tartarudo em espanhol. Em português, obstinado, teimoso, casmurro, voluntarioso, cabeçudo, murrinha, cheio de inhaca, bodum e tristeza. O dicionário de francês registra muito apegado (trop attaché) às suas opiniões e aos seus desejos "sem razão".
O parágrafo anterior atesta que, como afirmou certo escritor, todo profissional é um deformado. Com a minha formação em Letras com Inglês e agora trop attaché ao estudo de francês, é o que o leitor poderia esperar - e aturar. Importante verificar a força do significante dos termos citados das três línguas.
Expurgada a murrinha profissional, podemos voltar para o Timóteo do título, um crentão de sete costados dos tempos que não voltam mais quando ainda existia fé na terra. Ele ia às últimas consequências para cumprir os mandamentos, um dos quais reunir-se em igreja, em comunidade, em um ágape de comunhão, louvor e adoração.
Como era bom para Timóteo ouvir os tribunos preparados para os sermões lógicos, encadeados, servindo a um tema central e cheio de citações paralelas e correlatas. Quantas vezes, faminto de enlevo espiritual, deixava a sua igreja com o intuito de ouvir, em outra igreja, um outro orador que admirava. Timóteo encontrava o seu admirado no posto. Hoje, a probabilidade é que encontraria, no púlpito, um menino qualquer iniciante ali colocado sob as mais diferentes justificativas.
Na sua igreja, o coral! Vozes entrelaçadas em harmonia a convidar o crente à adoração do fundo do coração. Saía da igreja não com os ouvidos arrebentados por uma parafernália de sons, se sons forem, mas com a alma plena de comunhão com Deus. Os hinos consagrados; os hinos eram cantados pela congregação. O participante do culto ainda podia ouvir a sua própria voz hoje abafada por instrumentos alucinantes.
Ele, em pé, no meio da congregação, às vezes por mais de uma hora, como mero espectador, pena com as pernas a suportar os ouvidos já no limite pela surra estridente dos instrumentos de plantão. Certa vez, em uma das nossas congregações, um jovem se queixou preocupado com a reclamação dos vizinhos para logo se decepcionar com a minha resposta segundo a qual os vizinhos tinham razão em se declarar incomodados. Era, inclusive, uma questão de direito. Tratava-se de saber de que lado estava a tentação. Em tempo, o governo português iniciou uma marcação cerrada nos perturbadores do silêncio alheio principalmente em locais públicos.
O crente, no tempo do nosso personagem, ia para a igreja em busca de conforto. Ia para ser pastoreado, assistido e aconselhado. Hoje, a dúvida é quem pastoreia e quem é pastoreado. Me lembra os tempos difíceis para conseguir voluntários para os seminários. Campanhas que não mais se veem. A oferta, hoje que os tempos mudaram, é maior que a procura.
Timóteo, o bom Timóteo, debatia com os irmãos tópicos da bíblia na Escola Dominical. O tempo da escola, hoje, é limitado para sobrar mais tempo para a turma cantar. Cantar não deixa de ser bom. E eles cantam.
Em Salvador, em um domingo pela manhã, procuramos uma igreja evangélica. Domingo vem de dominus, senhor em latim. Carece adorar a Deus porque Ele é o Senhor. Encontramos uma [igreja]. Os irmãos já estavam de pé - cantando! Entramos e permanecemos de pé. Só não cantamos junto porque era impossível competir com os instrumentos. Perna pra lá, perna pra cá, o relógio já contabilizava mais de uma hora de pé. Ouvidos arrebentados pela zoada, pernas cambaleantes pelo cansaço e vista confusa pelos saltos e trejeitos, gritos e rebolados de um grupo no palco, o jeito foi o recolhimento à nossa insignificância e a volta para casa sem entender a marcha dos acontecimentos, da moda dos procedimentos incompreensíveis - pelo menos para nós. Mais de uma hora e eles continuaram a cantar.
Bem voltamos para casa sem uma benção apostólica por quem de direito e sem acompanhar, com améns de concordância e súplica, a oração de um daqueles abençoados que, embora resignados, cremos ainda serem muitos em uma igreja cristã.
Francisco Nery Júnior
P.S. O esforço, data vênia, é a concepção de igreja como um local de adoração e apoio para quem tem a noção que todos somos fracos e dependemos da graça de Deus. Esta a razão de escrever do autor que se sabe o menor de todos da comunidade. Quando Ronald Golias declarou ter entrado em uma Casa de Saúde e lá dentro só ter encontrado doentes, assim a nossa visão de uma igreja: lugar dos que carecem da graça de Deus - como o autor.