Nota do Editor:

Se há alguém por estas terras sertanejas mais apaixonado por uma árvore que o Professor Francisco Nery, eu desconheço. Talvez, nos primeiros tempos da Chesf, o Seu Manoel José que, por decisão do Dr, Amaury Menezes, muito ajudou para arborizar o então Acampamento da Chesf, hoje Bairro Chesf.  Mas vou aplaudir quem chegar, porque será mais um que vai ajudar a deixar o mundo mais verde e mais colorido.

Dias atrás, o Professor Nery publicou um texto mostrando que uma árvore, que estava quieta e dando sombra aos caminheiros, foi trucidada em pleno centro da cidade. Centenas de pessoas acessaram o seu texto e muitos se solidarizaram com ele.

Vez por outra, ele mostra o seu trabalho de cuidar das árvores no anonimato das madrugadas. E me mandou, faz um tempo um texto de outro apaixonado por árvores, o consagrado escritor, cronista como ele, Rubem Braga.

Segurei esse texto para publicá-lo agora, mais próximo da chegada da Primavera, quando as caraibeiras pintam de dourado o asfalto negro das avenidas, mas também emolduram as fotos que registram o início do cânion do rio São Francisco, as torres de energia da Chesf, e prédios históricos como a Igreja de São Francisco e a Casa de Hóspedes da Chesf, todos em Paulo Afonso, Estado da Bahia.

Em breve chega a Primavera e, com elas, as caraibeiras. E o Professor Francisco Nery, como se estivesse se defendendo do bem que tanto faz, apresenta Rubem Braga e um belo texto e assegura que, nesse amor intenso pela natureza, pelo verde, pelas árvores, ele, Nery, não é o único. 

Com certeza, caro cronista. Como também temos toda a certeza que ainda iremos ler muitas outras crônicas suas sobre esse tema.  

(A.Galdino – Editor)

Não sou o único 

A crônica aparece em Crônicas Escolhidas da editora Global; de Rubem Braga. “Você pode dizer que eu sou um sonhador, mas eu não sou o único” de John Lennon: 

A Árvore 

Assisti, de minha varanda, a um crime de morte: a vítima devia ter 20 ou 25 anos. Era uma bela árvore de copa redonda, no terreno junto à praia, onde havia antes uma casinha verde. A casa já fora derrubada, mas a árvore durou ainda algumas semanas, como se os criminosos, antes de matá-la, resolvessem passar ainda algum tempo gozando a sua sombra imensa. 

Assisti à queda; os homens gritaram, ele estremeceu toda e houve primeiro como um gemido do folhame, depois um baque imenso, um fragor surdo; no mar, uma grande onda arrebentou; e o mar e a árvore pareceram estrondar e depois chorar juntos. Houve como um pânico no ar, pássaros voaram, janelas se abriram; e a grande ramaria ficou tremendo, tremendo. 

Anteontem e ontem os homens passaram o tempo a cortar os galhos, esquartejando a morta para poder retirá-la; o tronco mutilado ainda está lá, com uma dignidade dolorosa de estátua de membros partidos. 

De minha varanda eu vi tudo, em silêncio. Entrei para a sala, senti vontade de tomar um trago forte, roído por uma secreta humilhação, por não haver protestado. Ah, seria preciso ser um grande bêbado, ou um grande louco, ou um grande rei para castigar o crime e salvar uma árvore junto ao mar! (Rubem Braga)

Agora nós outros de Paulo Afonso: da nossa varanda, isto é, da nossa insignificância, quebrando o silêncio, mesmo não sendo loucos, bêbados, ou um grande rei, a praga, data vênia, para os criminosos de uma árvore. Voltando atrás, o que realmente desejamos é o amadurecimento, o arrependimento e alguma espécie de compensação por parte de alguém que um dia cometeu a bobagem de assassinar uma árvore. 

Francisco Nery Júnior