Foi na nossa feira. O velhinho afável, mãos calejadas, nos vendeu três abacaxis por dez reais. Uma pechincha! Dez reais, apenas dez, pelo insano, persistente e teimoso trabalho de um trabalhador rural do nosso sertão. Persistência singular, ímpar e somente ela, como somente e singular o termo sertão que nos dá trabalho transpor para outras línguas.
Foi na nossa feira. Na nossa feira já foi dito. Na feira grande. Feira dos mais pobres. Feira onde a nossa gente se reúne e troca ideias as mais simplórias que nem por isso descem de valor. Não é à toa que o nosso sertanejo – um forte – tem sobrevivido. Plantar, fazer roça, lidar com a terra no Nordeste, só sendo forte – que o sertanejo é. Nós somos.
Na feira o sertanejo se solta. Feições soltas e alegres, embora o sol castigador, eles simplesmente riem. Brincam e se divertem para não desistir. Instar ou aconselhar um sertanejo a não desistir não é necessário. Ele não desiste. Fim de feira, que dispensamos o termo xepa, ele volta para o seu rincão mais disposto e mais abençoado do que nunca.
Trocados no bolso e mais uma semana de trabalho e esperança pela frente.
Era assim no tempo da Grécia antiga. Em tempos de festa ou de tensões políticas, os gregos de grandes feitos, que nos legaram cultura e conhecimento, debatiam e se confraternizavam na ágora da sua cidade. No nosso caso, na nossa feira grande.
E o bom senso nos manda para lá. Comparecer, chegar e comprar na mão dos nossos patrícios. Prestigiar o seu esforço de sobrevivência. Fazer por eles o que podemos fazer.
Algo penoso ou um sacrifício pesado? Claro que não. Basta a lembrança da sua satisfação em ter achado um comprador estampada no riso sutil na sua face. O velhinho do primeiro parágrafo simplesmente sorriu.
Francisco Nery Júnior
Nery... Professor, erudito, imortal, grande Nery! Suas crônicas me emocionam. Você traz o abacaxi como seu objeto poético para compor o cenário e a vida do homem rural, muito me lembrou "bananas", sim, o meu avô materno cultiva bananas, em seu brejo, em terras da minha nascença, ainda é o cenário de ouro que guardo na minha retina, da época da infância. Como bem disse, a venda do produto possibilita levar um "troco" para casa, no caso do meu avô, do que lembro, ele comprava a "mistura", um pouco de víscera, e um pedaço de charque, para toda semana. Eu tinha 6,7,8,9 anos, essa cena compunha os sábados da feira. Saudosa lembrança, caro confrade e amigo Nery.
Que maravilha as suas crônicas, professor Nery, nesta, uma viagem do sertão baiano à Grécia de outrora e suas similaridades. Parabéns pelo talento literário!
No último parágrafo, considerar ESTAMPADA, terminando em A. A concordância é com SATISFAÇÃO um pouco antes. Também incorporar Trocados no bolso... ao parágrafo antecedente. Na hora da publicação a máquina deve ter se equivocado. Desculpem-nos a falha.