Comprei uma porção de retraços de carne, mais um pedaço de fígado de boi, um pacote de arroz, alguns legumes e farinha de milho. Preparei o angu e fui visitar a minha velha amiga no Cetepi. Ela, Pretinha, é a última legítima viúva de Picolé, finado mascote do Cetepi velho conhecido do leitor. Coisa de gente boba – o autor - que, não obstante, assim se realiza. A minha conversa com ela é de mão única. A interação é por gestos e reação [dela]. Muito menos me comunico com Picolé sepultado no pátio central. Não sou Milei (presidente da Argentina) e não tenho essa capacidade.
Do abraço de Pretinha quando me vê e ouve a minha voz, não vou comentar. Teria que usar palavras que não tenho a capacidade de inventar. Só vou dizer que é inefável.
Picolé e seu harém vivos, minhas últimas aulas já perto de me aposentar, Dom Bahia me pergunta quem iria cuidar do pessoal. Você, disparei, pegado de surpresa.
A minha real providência, porém, o leitor não vai acreditar. Eu incomodei a Deus! Isso mesmo: a Deus. Claro que com “não leves a mal”, “data vênia”, “tu és Deus de todas as coisas”, “o teu amor não tem limites” – e mais bajulações. Pedi um substituto para a tutela dos meus amigos. Deus, que não leva em consideração a minha pequenez, mandou dois, muito melhores do que eu, a professora Luana e Severino.
Severino é pau pra toda obra no colégio. Com ele, sempre solícito e disposto, contamos para nos ajudar. Severino é uma daquelas almas que aparecem de vez em quando. Pratica o “dai” sem se preocupar com o “dar-se-vos-á”. Severino excede. Ano passado, os professores do Cetepi, em atitude inédita, presentearam Severino com uma bicicleta da hora novinha em folha. Desde o meu tempo, ele é o garantidor das nossas árvores; garantidor do Bosque Cetepi.
Sacola do angu embaixo do braço, parti para o Cetepi. Com o coração na mão, esperava uma decepção. Na pior e mais quente temporada sem chuvas na região em quarenta anos, segundo fontes confiáveis, esperava ver algumas árvores mortas. Com o trabalho persistente de Severino, nenhuma morreu.
Fora dos limites do Cetepi, lamentavelmente, não temos severinos. Algumas árvores morreram por falta d’água e outras estão a morrer; algumas a poucos passos do portão das nossas casas. Para nossa vergonha, poderia ser dito. Um simples balde de água, por mais usada que seja, poderia ser a salvação.
Certo que pagamos impostos, mas também é certo que a Prefeitura não pode tudo. Data vênia do leitor, fica o registro deste amigo cronista que, por força da amizade e da confiança, faz o registro.