O termo vem lá da Grécia e o radical tem relação com os cachorros. Uma vida de cachorro é uma vida cínica. Os cachorros desprezam os ordenamentos sociais e prezam os aspectos naturais. Diógenes, principal referência do cinismo na Grécia, perambulava pelas ruas da sua cidade, podemos resumir, levando uma vida de cão. Os cínicos não foram aceitos sem reservas pois para eles a virtude estaria em aceitar as consequências de uma vida sem posses e despretensiosa.
Então temos uma ideia do cinismo dos cínicos gregos. E eu me lembro, como um, de ter questionado o meu professor de filosofia no Colégio Central da Bahia: Professor, eles criam mesmo no que pregavam? Na realidade, a minha cabeça de adolescente girava com os vários resumos das escolas filosóficas gregas que o professor Edvaldo se esforçava para nos apresentar – para por eles nos encaminhar.
A resposta do meu professor foi taxativa no sentido que eles realmente criam, pregavam e viviam de acordo com as suas convicções. Pregavam os aspectos humanos e os aspectos naturais bem como os costumes sociais.
Vamos, assim, nos remetendo ao nosso título: políticos cínicos. Seriam eles cínicos? Para ser político é preciso ser cínico? Em outras palavras, lá na política só sobrevivem os cínicos? Muitos de nós assim cremos. Os políticos [cínicos] se imergem na política. Nela mergulham de cabeça plena. Alguns diriam no lodo da política. Não vem ao caso questionar se todo lodo é putrefato, mas lodo; lodo resto de tudo deixado para trás, escória de algum processo físico.
No Brasil, Geraldo Alckmin, acerbo crítico de Lula, com ele se alinha e se torna seu vice-presidente. Simone Tebet, idem, torna-se Ministra do Planejamento. E nos Estados Unidos, tudo idem no que se refere a Donald Trump, o senador J. D. Vance e a ex-governadora da Carolina do Sul, Nikki Haley, se associam ao candidato republicano à Casa Branca. Mergulham, todos eles, no cinismo incompreensível da política. Incompreensível para nós outros que ainda prezamos a ética e o horror à mentira e ao cinismo semântico dos nossos dias.
Assim sendo, justificamos o nosso título de hoje: o voto que depositaremos na urna eleitoral daqui a alguns poucos meses será um inevitável tiro no escuro. Poderá acertar no alvo certo. Alvo certeiro que algumas vezes, poucas certamente, acertamos. Poucas, pouquíssimas vezes acertamos.
E vamos levando a nossa vida cinicamente votando na esperança de não sermos tão cínicos assim.
Francisco Nery Júnior