Morre a cidadã Dona Lia
Francisco Nery Júnior
O ano era 1992 em que caí fora da Chesf para quase triplicar o meu patrimônio. Como é de se esperar, com trabalho, poupança e investimento. Voltei 20 anos depois por força de tratativas sindicais. Eu e meu filho único éramos assistidos pela secretária Nilma, de salário mínimo, que só saiu de minha casa quando bem quis e entendeu, para se casar, salvo engano.
Mário terminou a Boa Ideia da excelente professora Ana Miná, professor Silva na retaguarda, e eu o matriculei no Colégio Sete de Setembro sem qualquer tipo de bolsa ou desconto. O professor Jackson já providenciava os alicerces que tornaram o Complexo Sete de Setembro na potência educacional dos nossos dias. Mário depois optou em ir para o Ciepa onde, salvo erro ou omissão, foi colega de Rafael Sol, filho do professor Francisco Alves. Rafael já estagiou por um ano nos Estados Unidos e faz estudos suplementares na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, e Mário já passou em três vestibulares diferentes na Universidade Federal de Pernambuco. Data vênia dos leitores, há que ser anotado. O inimigo, muitas vezes, é vetor de desenvolvimento.
Então Mário no Sete de Setembro. Religiosamente, o dinheiro para o lanche no intervalo das aulas. Providencialmente, na praça em frente, Dona Lia, Maria Soares de Sá Castor, com seus quitutes tentadores e irrecusáveis para um adolescente. E Mário se refestelava – e criava um débito que eu tinha que assumir. Dona Lia abria o caderno, declarava o montante, e o pagamento era imediato.
Dona Lia, que me sabia não dependente de qualquer tipo de bolsa, penduricalho ou pendurado em uma boquinha qualquer no Serviço Público, era o banco providencial para Mário. Dona Lia, pasmem os leitores, emprestava dinheiro a Mário, montantes que entravam na rubrica do lanche. Eu ia pegá-lo no término das aulas e sempre o susto. Zerava o saldo religiosamente, embora sob protesto, para uma Dona Lia com um sorriso maroto na face. No fundo, a minha satisfação de verificar a confiança demonstrada. Ela sabia que seria resgatada.
Chovia ou fazia sol, lá estava ela no posto a envergonhar os preguiçosos. Não trabalhava necessariamente para comer. Ela era uma empreendedora nata que sabia não depender de favores menores que não levam a muita coisa. Ela era uma empresária!
Mário já em Recife, pai de família, eu passava de retorno da casa da sogra e sempre fazia questão de acenar para Dona Lia. Se eu tivesse sido vereador, ela teria recebido o título de Cidadã de Paulo Afonso.
No último dia 30 de novembro, perdemos Dona Lia. A morte a levou. Ficou o belo exemplo de uma guerreira que não se deixou abater pelas vicissitudes da vida. Apenas o lamento de não ter levado Mário para um abraço de reconhecimento que ela indiscutivelmente teria apreciado. Planejei, planejei, mas cheguei na vigésima-quinta hora e agora purgo a minha falta perante os leitores.
Francisco Nery Júnior
D. Lia!! Eita que acredito que todos ou quase todos que estudaram no Sete, tem alguma história para contar com D. Lia.Descanse em Paz e saiba que seus conselhos e exemplos foram seguidos e valiosos para muitos.Saudades eterna.🥲
Nery, cronista de primeira qualidade, quando escreve, me leva com os seus escritos aos lugares ao âmago de sua sensibilidade. O olhar atento e sensível do autor me fez sentir imensa falta de não ter conhecido Dona Lia, a personagem do "poema livre" que lhe dedicou pós-morte.