NOTA DA REDAÇÃO DO FOLHA SERTANEJA:
O colunista da Folha Sertaneja,
professor Francisco Nery Júnior esteve lá há cerca de 3 anos e escreveu uma
crônica a que chamou de Os sinos de Notre Dame (que publicamos a
seguir).
Sobre esse incêndio de proporções
gigantescas, o Professor Nery, fluente em inglês e francês está acompanhando
esse triste acontecimento e comentou com a Redação do Folha Sertaneja:
“A polícia da França está tratando o
incêndio como acidental. O fogo, neste momento, já tomou conta de quase toda a
estrutura da catedral.
Lá foram coroados imperadores e reis e
realizados os serviços fúnebres de muitos dos presidentes recentes da França.
Quatorze milhões de turistas visitam Notre Dame todos os anos. Milhares de
turistas que estavam fazendo excursões pelo rio Sena agora contemplam sem
palavras e sem reação a grande tragédia que independe de considerações de
crença ou de religião. A polícia de Paris afirma não haver vítimas até o
momento.
A construção gótica tem uma longa
história e já passou por inúmeras reformas.”
A seguir o texto do Professor Francisco
Nery que nasceu depois que seus olhos se depararam com este monumento. E esta foto dele nesse cenário, há 3 anos.
Os sinos de
Notre Dame
Dezoito e trinta. À beira da praça, sentado em uma cadeira de bar,a noite
cinzenta de Paris se aproximando, tocam os sinos de Notre Dame. Aí, a essa
altura, todos os percalços estão pagos; aí jazem todos os aperreios do
deslocamento.
Ah, lá, lá em cima da torre, o Quasímodo se esmera para o oferecimento do
concerto com que tanto sonhamos. Ele se esmera ao total das suas forças para
não decepcionar o imaginário de Victor Hugo. Toca e toca. E nos deliciamos todos
caminho de volta ao passado glorioso da França - e da humanidade. Ali estavam
as descrições de Hugo, muitas semeadas pelos pensadores privilegiados de
antemão, resultado dos executores pragmáticos das ideias, cujas cabeças de
alguns haviam rolado guilhotina abaixo.
De volta, toda a história francesa revivida ao vivo nos lugares sagrados de
Paris. De volta do sonho sonhado por alguns, a França moderna do respeito
máximo ao cidadão; respeito sem pieguice e com o pé no chão. Os franceses -
todos os europeus - jogam a política do respeito mútuo cidadão com o pé no
chão. Parecem saber até onde ir, sabendo que nada se sustenta em sonhos de
quimeras polpudos em demagogia nada pragmática.
Lugares venerados onde morreram executados culpados e inocentes, sábios e
tolos; lugares que não deixaram morrer a glória de antão, pisos de lutas e
guerras, chão quase santo por onde passaram Hitler e Charles de Gaulle, o mal e
o bem, aparece, então, o Sena. Não importa que não seja páreo para o São
Francisco. Pelo Sena, barcaça a deslizar os sonhos chocados nos livros de
história da Bahia por uma alma adolescente crente no Brasil, o coração da
França. De lá, a Torre Eiffel, o Museu do Louvre e o Arco do Triunfo. Ah,
cruzando o Sena, de lado a lado, não só uma ponte: só na área de Paris, 35
delas a atestar de viva presença as peripécias passadas de Jean Valjean nos
esgotos e barrancos do rio. Os franceses não tiveram de travar a inglória e
maçante luta por uma ponte a mais sobre o Sena. Eles têm dezenas delas. Foram
erguidas sem o calvário desgastante das súplicas pelo retorno de um benefício
já pago com pesados impostos.
São miríades de turistas. O dinheiro volta agora nos modernos trens e aviões.
Eles sabem que vale a pena investir. As bolsas-família dos franceses - e de
todos os europeus - são os investimentos. Deslocamento urbano na Europa não é
um sonho.
Londres e Amsterdam a seguir, de trem por baixo do mar, sonhos por eles já
sonhados que teremos de sonhar os nossos se assim nos for concedido; se houver
lisura, se nos deixarem, se, no leme, um timoneiro de mãos fortes e
determinadas - selecionado por nós!
Em Paulo Afonso, para as almas boas, às vezes simplórias de todos nós, as
esperanças. Não somos piores e chegaremos lá. Eles chegaram com a nossa
participação, eles sabem disto. Chegaremos sim, talvez daqui a duas, três
gerações. O Clemenceau do passado deve ter estado equivocado. Somos o país do
futuro. Chegaremos lá. Deixarão e deixaremos, "Deixaremos", a chave,
a condição.
Em nós de Paulo Afonso, para encerrar com chave de esperança, bem presente a
responsabilidade de cada um de nós.
Francisco Nery Júnior