Alguns anos antes...
Em 15 de Setembro de 1966, o vice-presidente da Câmara Municipal de Paulo Afonso, Manoel Pereira Neto, assume a presidência do Poder Legislativo e, nessa condição, assume, de imediato, o cargo de Prefeito de Paulo Afonso porque o segundo prefeito do município, Adauto Pereira de Souza havia renunciado para candidatar-se a Deputado Estadual.
O presidente da Câmara, o sucessor imediato do prefeito, num tempo em que não havia o vice-prefeito, era o vereador Carlos Alberto Alves, piloto da Chesf, que renunciou a presidência para não ficar inelegível nas eleições de outubro, razão porque assumiu Manoel Pereira Neto, o vice-presidente.
Em Outubro de 1966, mesmo já se vivendo o governo militar, ainda houve esta eleição municipal, o que somente voltaria a acontecer em Outubro de 1985. Em 1966, foi eleito prefeito de Paulo Afonso o médico pediatra da Chesf, Edson Teixeira Barbosa e, como só iria assumir em 1º de fevereiro de 1967, pela legislação eleitoral daquele tempo, Manoel Pereira Neto ficou prefeito até 31 de dezembro e, como não aceitou continuar durante o mês de janeiro de 1967 como interventor do município, foi indicado como interventor, até a posse de Edson Teixeira, o Tenente João Soares.
Mulungu, no começo (Foto: Acervo de João de Souza Lima)
O prefeito Edson Teixeira tomou posse em 1º de fevereiro e o seu mandato deveria terminar em 31 de dezembro de 1970. Mas, como nesses anos, Paulo Afonso foi considerado pelo governo militar como município de segurança nacional, em face da existência das usinas hidrelétricas da Chesf, não houve a eleição para prefeito no ano de 1970 e o mandato de Edson Teixeira foi esticado por vários anos até que em 14 de maio de 1974 ele renunciou, também para ser candidato a deputado estadual e o vereador Abel Barbosa e Silva, que era o presidente da Câmara, assumiu a Prefeitura até 16 de Outubro de 1975, quando o governador Roberto Santos indicou o primeiro prefeito nomeado pelo governo militar para Paulo Afonso, o engenheiro chesfiano de Salvador, José Rodrigues de Figueiredo Barbosa que ficou no cargo até 19 de março de 1979, quando também renunciou.
Assim, neste ano de 1979, Paulo Afonso foi governado por quatro prefeitos: José Rodrigues, que renunciou em 19 de março; Metódio Magalhães, que era o presidente da Câmara ficou prefeito até 04 de abril, quando o vereador Frederico Fausto Agostinho de Melo, foi eleito presidente em assumiu a prefeitura, ficando no cargo até 4 de agosto, quando Abel Barbosa foi indicado pelo governador Antônio Carlos Magalhães e assumiu o cargo de prefeito, o último nomeado pelo governo militar, terminando o seu mandato em 31 de dezembro de 1985 e passando o cargo ao primeiro prefeito eleito depois do governo militar, o jovem José Ivaldo de Brito Ferreira. (Conforme o livro De Forquilha a Paulo Afonso – Histórias e Memórias de Pioneiros, de Antônio Galdino da Silva)
Esses antecedentes históricos mostram que o hoje populoso Bairro Tancredo Neves, que comemora os seus 50 anos de vida com uma população estimada em 50 mil habitantes, começou a sua história num clima político bem conturbado.
O Mulungu nasceu por causa do Canal de PA-4
Recordo-me que participei de um evento muito marcante e até inusitado que antecedeu o nascimento do Bairro Mulungu, hoje Tancredo Neves, por força de uma Lei Municipal do Prefeito José Ivaldo de Brito Ferreira.
Não me recordo a data exata mas certamente aconteceu no final de 1969 ou bem no início de 1970 quando eu era correspondente do Jornal da Bahia, de Salvador e recebi um convite do Prefeito Edson Teixeira para ir, nessa condição a uma reunião que seria realizada na residência do então diretor técnico da Chesf, Dr. Amaury Menezes que morava na Ilha do Urubu.
Para se chegar até à sua residência, na época, só era normalmente possível pelo bondinho que passava sobre as quedas do Croatá e ia até a Ilha do Urubu. Nesse tempo, e durante dezenas de anos ainda, as cachoeiras estavam em plena carga.
Ao chegar ao local do bondinho para nele embarcar para essa reunião histórica e até então enigmática, um jantar especial, vi que além do prefeito estavam ali todos os vereadores da Câmara Municipal de Paulo Afonso. Ao todo, embarcamos no bondinho, cerca de 14 a 15 pessoas, dentro da capacidade normal do equipamento, conforme nos informaram.
Ligaram o bondinho e ele começou a se movimentar no destino da Ilha do Urubu. De repente, no meio do caminho, muitas conversas animadas, um estalo seco e um solavanco assustou a todos. Depois de uns balanços, o bondinho parou. À distância se via, entre as brunas, o nevoeiro formado pelo impacto das águas das cachoeiras nas pedras, uma movimentação de pessoas, agitadas. E nós, no bondinho, sem nenhuma comunicação. Entre os passageiros do bondinho, via-se claramente um esforço grande para se evitar o pânico.
Cerca de 8 horas da noite e presos em um teleférico em cima das muitas águas das quedas do Croatá estavam o prefeito, todos os vereadores e o único representante da imprensa escrita da cidade, sem nenhuma comunicação com o continente em volta. Em 1969, 1970, não havia celular...
Depois de cerca de uma hora nesse clima, com vereadores já falando que íamos morrer ao lado do Prefeito e outras asneiras, um novo solavanco e sentimos que bondinho começava a se mexer e a seguir para o lado da Ilha do Urubu...
Uffa... Conseguiu chegar bem perto do lugar totalmente seguro para o desembarque. Com todo o esforço que fizeram – e disso tudo só soubemos depois, claro, que o cabo que puxava o bondinho havia se rompido – não tinha como o bondinho encostar no local de desembarque, ficava faltando quase um metro, por aí, mas não era um vazio, já havia uma superfície em volta e a solução foi cada um saltar do bondinho para esse local. E assim foi feito. Que alívio... E o diretor Dr. Amaury e alguns assessores ali, nos apoiando a cada pulo...
O motivo dessa reunião que, por pouco não terminou em tragédia, era justamente para que o diretor da Chesf apresentasse ao prefeito, aos vereadores e à imprensa, o projeto de construção do Canal da Usina PA-4, que levou ao deslocamento de famílias que moravam no local por onde ele passaria para o local onde seria o Bairro Mulungu.
O sofrido começo
A mudança dessas primeiras famílias começou de forma muito agressiva, com as suas casas sendo derrubadas por tratores da Chesf até que o então Padre Manoel Alcides Modesto Coelho tomou à frente, comunicou a situação ao então Padre Mário Zanetta e ao Padre Lourenço Tori, inclusive justificando com isso a sua ausência na missa da Catedral, naquela noite.
Os Padres Mário Zanetta, Alcides Modesto e Lourenço Tori, já com o Bispo D. Jackson Berenguer Prado (Foto: Acervo de João de Souza Lima)
Por uma dessas providências de Deus, o Dr. Apolônio Sales, que era o presidente da Chesf e católico praticante assistia a essa missa e foi informado pelo Padre Mário Zanetta dessa arbitrariedade e determinou a imediata suspensão desse trabalho dos homens e tratores da Chesf, como narra o historiador João de Sousa Lima em seu livro Paulo Afonso e a Vila Poty – a História não Contada (págs. 53 a 60).
Homenagem do Mulungu a Abel Barbosa (Foto: Acervo de João de Souza Lima)
De Abel Barbosa, de saudosa memória, ouvi muitas histórias do Bairro Mulungu. A luta para a criação do Colégio Estadual do Mulungu (CEM), foi uma delas. Hoje, esse colégio tem o nome de Quitéria Maria de Jesus (nome da mãe do Chefe Abel), por iniciativa do Professor João César Lopes Mascarenhas, primeiro diretor do CEM, mesmo contra a vontade de Abel Barbosa, conforme narro no livro ABEL BARBOSA – O inventor de Paulo Afonso, de Antônio Galdino da Silva, págs.219 a 222).
O Bairro Mulungu dos anos de 1970 ao Bairro Tancredo Neves de hoje, tem muitas histórias para contar. De Abel Barbosa e do Antônio Galdino de Souza, o Bala do Palmeiras, um lutador pelo esporte no bairro, também como forma de ajudar os adolescentes a não se perderem.
Mulungu da minha tia por afinidade Josefa Olívio, filha de D. Maria Pinto, parteira experiente da minha Zabelê, que foi a parteira quando eu nasci e foi assim com milhares de mulheres naqueles idos dos anos de 1940.
Mulungu do vereador Antônio Calado, eleito em 1982 e de todos pioneiros e de saudosa memória. Dos vereadores de hoje desses muitos bairros BTN e seus vizinhos, formando juntos uma comunidade gigantesca e importante.
Dessas mulheres pioneiras e sempre guerreiras, D. Rita Fagundes, mãe do Padre Luiz Tibúrcio. Essa mulher pioneira completou 94 anos no dia 3 de maio e continua intensa na defesa dos valores da família, e se derramando em amores por esse bairro agora cinquentenário.
D. Noêmia, que continua com suas ações sociais que viveram e conhecem as primeiras histórias desse grande bairro, maior que muitas cidades de região, e ainda hoje estão em evidência fazendo o bem, ajudando os mais humildes do Bairro. De muitos outros pioneiros e seus descendentes e dos novos moradores, vereadores, empresários, trabalhadores que transformaram o Mulungu numa importante comunidade do município de Paulo Afonso com o poder de mudar a história de uma eleição municipal.
São tantas histórias, de luta de sofrimento, de busca de melhorias das condições de vida de dezenas de milhares de moradores que, certamente, ganharão páginas e páginas de livros.
O Bairro Mulungu passou a se chamar Bairro Tancredo Neves pela Lei Municipal Nº 491, de 3 de março de 1986 assinada em 04/03/1986, pelo Prefeito de Paulo Afonso, José Ivaldo de Brito Ferreira que foi o primeiro prefeito eleito após o governo militar, em Outubro de 1985 e governou o município de 1º de janeiro de 1986 a 31 de Dezembro de 1988, tendo como vice-prefeita a médica e ex-vereadora Dra. Francisca Barros de Souza Siebert. José Ivaldo havia sido também vereador, colega de bancada de Dra. Francisca, na Câmara Municipal de Paulo Afonso.
A mudança do nome do Bairro Mulungu para Bairro Presidente Tancredo Neves, foi uma homenagem ao ex-presidente Tancredo Neves, falecido em 21 de Abril de 1985.
Parabéns ao hoje Bairro Tancredo Neves pela sua rica história, neste aniversário de 50 anos, impossibilitado de ser comemorado como merecido por conta da necessidade de isolamento social imposto pelos males do coronavírus-19.
Passado esse tempo ruim, que tudo passa sobre a terra, certamente, dias melhores virão!
A homenagem de quem chegou a estas terras sertanejas em 20 de Novembro de 1954, do nosso site, do jornal Folha Sertaneja, a cada um dos seus moradores, grandes contribuidores para o progresso do município de Paulo Afonso-Bahia.
Agradecemos a:
- Zé Ivandro, do site www.tribunamulungu.com.br, pela cessão das fotos de D. Noêmia e D. Rita Fagundes;
- A João de Sousa Lima, pela cessão das fotos dos Padres Mário Zanetta, Lourenço Tori e Alcides Modesto, publicada no seu livro Paulo Afonso e a Vila Poty - A História não Contada e as fotos do Mulungu antigo e da homenagem a Abel Barbosa.
- A Poetisa e Licenciada em História, Elaine dos Santos Ventura, pelo apoio;
- As demais fotos são do acervo pessoal de Antônio Galdino e do Arquivo do jornal Folha Sertaneja.
Informando:
Os livros
ABEL BARBOSA – O inventor de Paulo Afonso, de Antônio Galdino da Silva e
PAULO AFONSO E A VILA POTY – a História não Contada, e outros, de João de Sousa Lima,
Ainda podem ser adquiridos no Supermercado SUPRAVE, em Paulo Afonso – BA
Também podem ser pedidos pela internet pelos e-mails e whatsapps abaixo:
De-Antônio Galdino da Silva – email – professor.gal@gmail.com; Whatsapp -75-99234-1740
De - João de Sousa Lima- email - joaoarquivo44@bol.com.br; Whatsapp - 75-98807-4138
Quando fizerem contato informaremos detalhes sobre a remessa e pagamento.
Completando o meu comentário. História contada por quem viveu os fatos, é poesia.
Como é bom ler história, por quem sabe contá-las, sobretudo, quando quem escreve a viveu.
Reparem se as damas que aparecem na matéria não são mais bonitas e imponentes que as condessas e baronesas da Inglaterra!
Esxperamos a impressão dessa matéria para distribuição aos moradores do bairro , asociações, escolas e bibliotecas e para quem gosta de leitura e cultura. A vice-prefeitura do bairro poderia patrocinar e fazer a distribuição. Ou algum empresário do bairro. Se eu fosse empresário, não perderia a oportunidade.;