A informação vem do escritor e historiador João de Sousa Lima, presidente do IGH, que conheceu D. Firmina ainda no final do século passado, em 1999.
Quando D. Cabocla, que nasceu em 1905, estava com 109 anos de idade, em Março de 2014, o historiador João de Sousa Lima, em suas andanças de pesquisa sobre as histórias do cangaço na região de Paulo Afonso, a encontrou e descobriu que ela foi coiteira de Lampião e lavadeira de roupas do pessoal do bando de Lampião.
A longa conversa que João de Sousa Lima teve com D. Cabocla foi feita no mês de Fevereiro de 2014 e foi publicada em uma coluna do historiador no Jornal Folha Sertaneja chamada Histórias Sertanejas, na edição Nº 121, do Jornal Folha Sertaneja de 31 de Março de 2014 que reproduzimos a seguir.
O fato histórico relevante é que D. Firmina Maria da Conceição, com 114 anos, era, de fato, a mulher mais idosa, moradora do município de Paulo Afonso, no Povoado Poços.
A seguir, reproduzimos na íntegra a matéria feita por João de Sousa Lima e publicada no jornal Folha Sertaneja. (Antônio Galdino)
“Cabocla”, coiteira de Lampião, tem 109 anos e vive em Paulo Afonso
Seu nome é Firmina Maria da Conceição mas ficou conhecida como Cabocla.
Conheci Cabocla em dezembro de 1999, ela foi uma das minhas grandes descobertas para falar da passagem de Lampião por Paulo Afonso.
Pude entender através de Cabocla os pontos percorridos, os coitos visitados, alguns costumes, detalhes de cangaceiros, gostos, estratégias e conhecer um pouco da rede de proteção para a sobrevivência do cangaço no que abrange a região de Paulo Afonso e o Raso da Catarina.
Firmina Maria da Conceição nasceu em 1905, no povoado “POÇOS”, uma das fazendas que se situava às margens do Raso da Catarina e foi incluída por Lampião nos seus trajetos como rota secreta e segura, favorecendo sua passagem em direção aos povoados Malhada da Caiçara, São José, Santo Antônio, Várzea, Riacho e todo o estado Sergipano.
O primeiro filho de Firmina acabara de nascer no meio daquele mundo inóspito e primitivo, tendo por testemunha apenas a população resumida de cinco famílias simples.
Presente naquele momento de perpetuação da vida estava o sogro Faustino, dona Clara, Batista, Maria de Zeca e Zé Antônio. Cabocla completou quinze dias de resguardo e como de costume acordou cedo e foi fazer a visita matinal na casa da amiga Clara.
O que aquela manhã havia lhe reservado de surpresa a acompanharia pelo resto da vida.
Na sala da residência de dona Clara, Cabocla parou extasiada diante do que seus olhos contemplaram. Muitas vezes ouvira falar de Lampião, porém, jamais imaginaria ficar diante daquela figura real.
Uma voz que mais parecia o som de um trovão quebrou o silêncio que se abatera naquele cubículo abarrotado de cangaceiros:
- Tá cum medo?
Diante de toda expectativa a resposta saiu:
- Não!
- Você sabe cunziar?
- Sei!
Com este pequeno diálogo começaria uma grande amizade entre Cabocla e Lampião.
Neste dia Cabocla preparou um verdadeiro banquete para os cangaceiros.
Os Poços passaria a ser um dos principais esconderijos do Rei do Cangaço. Os coitos que cercavam os Poços e foram utilizados pelos cangaceiros onde permaneciam por dias e dias arranchados, foram: Saco da Palha, Sítio do Sabino, Malhada Bonita, Quixabeira e Serrotinho.
No princípio Cabocla não contou aos pais do encontro que tivera com Lampião. Como as visitas de Lampião foram ficando muito freqüentes, Cabocla teve que pedir ajuda a amiga Lúcia de Sabino para ajudá-la a cozinhar.
Depois Lúcia se encarregou da cozinha e Cabocla da lavagem das roupas, uma árdua tarefa, tendo em vista que as roupas eram lavadas na casa dos pais, no povoado São José e eram escondidas por causa do forte cheiro que ficava, pela quantidade de perfume que os cangaceiros usavam. Cabocla tinha que adentrar alguns metros no mato temendo ser descoberta pelas volantes policiais. A lavagem às vezes era feita durante a noite, tornando a tarefa ainda mais penosa. Sem contar que o sabão era fabricado pela própria lavadeira em um processo milenar: Cabocla queimava a lenha, pegava a cinza e molhava, deixando-a de molho por três dias, depois destilava e misturava com o sebo de boi. A constante fabricação, através da fumaça que se formava, afetou a visão de Cabocla pro resto da vida.
O Sr. Dionísio, do povoado São José, era quem fazia o contato entre Lampião e Cabocla. Assim que o Rei do Cangaço chegava a um dos coitos dos Poços Cabocla era logo avisada.
Dos Poços uma das cunhadas de Cabocla, se apaixonou pelo famoso cangaceiro Mariano Laurindo Granja, um dos homens de confiança de Lampião.
Otília Maria de Jesus era filha do velho Faustino e resolveu acompanhar seu grande amor passando a chamar-se Otília de Mariano.
Os Poços jamais seriam o mesmo depois que Otília passou a ser cangaceira, Lampião perdia aí um dos mais famosos coitos da região de Paulo Afonso.
Agora em fevereiro de 2014 fiquei surpreso ao saber que Cabocla ainda estava viva aos 109 anos de idade. Imediatamente lhe fiz uma visita. Por incrível que pareça ela lembrou minha pessoa.
Encontra-se lúcida, recordando fatos, lembrando momentos vividos e perpetuados em sua memória, fatos esses envolvendo as histórias de Lampião e seus diversos grupos de cangaceiros. Firmina Cabocla é um capitulo vivo desses momentos. E mora em Paulo Afonso-BA.
João de Sousa Lima
Paulo Afonso - Bahia, madrugada de
25 de fevereiro de 2014
Amo estas histórias .