O 20 de Novembro!
Luciano Júnior
O Dia Nacional da Consciência Negra é, ao mesmo tempo, um grito de resistência e um suspiro de resignação. Afinal, se precisamos de uma data para lembrar o óbvio — que a cidadania deve ser para todos — é porque falhamos em transformar isso numa prática cotidiana. O nome, pomposo e altivo, parece carregar um peso de ironia: celebra-se o que nunca deveria ter sido negado.
E não sejamos ingênuos: o brasileiro tem uma habilidade invejável de transformar problemas simples em nó de marinheiro. A começar pela turma que por interesses "outros" passa a maior parte do tempo tentando criar desavenças ou grupos polarizados em disputas por "alguma coisa", usando como máxima: "dividir para tentar conquistar!". E, ao final das contas, criamos desigualdades históricas e, quando percebemos o tamanho do estrago, inventamos medidas paliativas. É como pintar uma parede rachada: à distância, parece solução, mas o problema estrutural continua lá, firme e forte.
Nossa capacidade de deformar até as formas mais singelas de carinho é um espetáculo à parte. Um apelido como “Neguinha”, que para uns é uma demonstração de afeto, para outros é carregado de desprezo, dependendo do tom, da entonação, do olhar. O que começa como um gesto aparentemente inocente e amoroso, aos poucos, se revela mais uma forma de marcar diferenças, de colocar alguém em seu “devido lugar”. E o sarcasmo, nessa dança, é a cereja amarga no bolo. E a turma que incentiva as brigas usa isso com maestria...
Somos também campeões na arte de distorcer discursos. “Não sou racista, mas…” já virou até piada pronta, embora o subtexto nunca seja engraçado. Transformamos a busca por igualdade em polêmica, como se reconhecer o racismo fosse mais ofensivo do que praticá-lo. É uma habilidade tão peculiar quanto frustrante: falamos em “meritocracia” enquanto ignoramos que nem todos largam do mesmo ponto de partida.
O Dia da Consciência Negra, no entanto, carrega uma função que não pode ser ignorada. Ele nos faz parar, ainda que por um dia, para refletir. Para perceber que, enquanto celebramos o samba, a literatura, o teatro e as inúmeras contribuições negras que moldaram este país, ainda relutamos em enxergar que a igualdade continua sendo uma utopia para muitos. É uma pausa necessária, um convite para repensar nossas atitudes, nossas palavras, nossos gestos.
E talvez, um dia, não precisemos mais desse dia. Não porque esquecemos sua importância, mas porque a consciência, finalmente, terá se tornado parte do nosso cotidiano. Até lá, seguimos convivendo com nossas contradições, tentando transformar o sarcasmo em empatia, o preconceito velado em reconhecimento, e as piadas em diálogos. Porque é só assim, aos poucos, que construímos um país que não precise mais de remendos para sustentar a sua história.
Entendemos o recado. Talvez um dia possamos falar mais claramente até porque, felizmente, com exceção dos descendentes diretos de imigrantes, todos temos, em maior ou menor escala, sangue negro nas veias