A Turma dos Cabelos Brancos no Salão Santista
Luciano Júnior
Era uma tarde quente de dezembro em Paulo Afonso, e o Salão Santista, do Sr. Zezinho Barbeiro, estava mais movimentado que o de costume. Era época de fim de ano, quando os filhos da cidade (muitos iam estudar fora) retornavam para visitar os pais e as memórias.
Discreto em seus afazeres, Sr. Zezinho observava as conversas com o olhar atento de quem já viu muito mais do que a moda dos cortes degradê poderia sugerir.
No canto da sala, Diogo Brito, uma lenda viva de Paulo Afonso, ocupava seu lugar cativo. Aos 82 anos, ele era um livro de histórias sobre a Chesf, o surgimento da cidade e as mudanças de tempos que poucos tinham vivido tão de perto, no Brasil e também no mundo pois costumava devorar jornais e revistas na ânsia do saber.
Foi então que Paulo, um jovem da terra, entrou no salão com um ar cosmopolita. Desde pequeno, seus pais o haviam mandado estudar em Recife. Agora, já na casa dos 20 e poucos anos, ele vinha à cidade apenas no Natal e Ano Novo, para rever os pais e ostentar o "mundo novo" que conhecia.
Sentado para cortar o cabelo, Paulo, com o celular na mão, começou a disparar:
— Sabe, seu Zezinho, essa turma dos cabelos brancos aí vive num outro tempo. O mundo mudou, e acho que a geração de vocês não entende a gente. Eu cresci em Recife, numa cidade maior, com tecnologia e tudo mais. Minha geração é a do 2G, da inteligência artificial já em estudo, de mandar foguetes pra lua e já preparando para Marte. Vocês viveram num tempo muito atrasado, convenhamos.
Os senhores no salão, todos chesfianos aposentados ou antigos moradores que viram Paulo Afonso surgir do sertão, e certamente viram aquele fedelho de fraldas, trocaram olhares discretos. Diogo Brito, que até então estava quieto, levantou os olhos e ajeitou os óculos com calma.
— É mesmo, Paulo? — perguntou ele, com a voz pausada, mas firme.
— É, seu Diogo! Olha o tanto que a gente evoluiu! Hoje, tudo é mais rápido, mais conectado. O mundo que vocês conheceram nem se compara com o nosso.
Diogo respirou fundo, como quem saboreia o momento. Então, inclinou-se levemente para frente e, com a autoridade de quem já domou tempestades no São Francisco, respondeu:
— Paulo, você tá certo que o nosso mundo era diferente. A gente não tinha internet porque estávamos inventando os computadores. Não tínhamos foguetes pra Marte porque estávamos colocando o homem na Lua pela primeira vez. E sabe essas redes elétricas que te dão energia pra carregar o celular aí na sua mão? Fomos nós que ajudamos a construir, fio por fio, enquanto você ainda nem estava no berço, mas certamente dentro do saco de seu pai que nos ajudava nessas missões.
O salão ficou em silêncio. Todos pararam para ouvir, até mesmo Zezinho, que cruzou os braços e abriu um sorriso discreto.
Diogo continuou, com os olhos fixos em Paulo:
— A gente não precisa entender o mundo que você vive, não, meu filho. Vocês é que deviam tentar entender o mundo que nós construímos pra vocês. Agora, me diga uma coisa: o que você tá fazendo pra melhorar o mundo pra quem vem depois de você?
Paulo abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu. A fala de Diogo era como o rio São Francisco em cheia: impossível de conter. O jovem olhou para o celular, talvez buscando refúgio, mas percebeu que ali não havia nenhuma resposta rápida no google.
Do outro lado do salão, um dos senhores murmurou:
— Essa foi na veia, Diogo.
E então, aplausos espontâneos preencheram o espaço. Até Zezinho, sem largar a navalha, deu uma risadinha. Paulo abaixou a cabeça e se acomodou na cadeira, esperando que o corte terminasse logo para sair.
Enquanto isso, o Salão Santista seguia com seu papel de sempre: um espaço de histórias, aprendizado e, de vez em quando, umas lições bem dadas. Afinal, em Paulo Afonso, a turma dos cabelos brancos não era só testemunha da história, mas também os engenheiros de um futuro que os jovens ainda estavam aprendendo a valorizar.
"Até Zezinho, sem largar a navalha, deu uma risadinha". Descreveu bem o modus operandus do Zezinho. Assino em baixo dessa história.
O citado Diogo Andrade Brito, de saudosa memória, baiano de Paripiranga, um dos personagens do meu livro em construção - Personagens da nossa história -foi pioneiro chesfiano em Paulo Afonso e pioneiro como vereador da Câmara, seu primeiro secretário e em depoimento me disse do seu orgulho de ter esta vida intensa nos primeiros tempos de Paulo Afonso. Na Câmara, quase sem condições de trabalho eram duas sessões semanais e ninguém recebia nada. Velhos tempos, belos dias...
Realmente, Diogo Brito que o conheci pessoalmente aliás muito amigo do meu pai,José Freire da Silva, deu uma lição nesse jovem metido e cheio de falácia.Construímos as usinas de Paulo Afonso, ligamos fio por fio. Para hoje vocês utilizarem os celulares. Bravo Diogo Brito.