O Sonho, o Motoqueiro e o Brasil
Luciano Júnior
Era uma dessas tardes de sol generoso em Sergipe, onde a estrada se estende preguiçosa e o cheiro de pão quentinho invade o ar. Eu estava ali, sentado numa padaria de beira de estrada na BR 101, saboreando um sonho de goiabada, desses que fazem a gente esquecer as contas e lembrar da infância.
Foi então que ouvi.
Na mesa ao lado, um motoqueiro, semblante abatido, mastigava apressado um sanduíche enquanto despejava suas lamúrias a um amigo igualmente engolido pela pressa. Ele falava com a convicção de quem já gritou para o trânsito e não foi ouvido:
— O Brasil não precisa de Carnaval! Precisa é de Saúde, Educação, Moradia, Segurança e fim da corrupção! Afinal, já somos palhaços o ano inteiro!
Dei um gole no café, que por sorte estava sem açúcar, porque senão a doçura da vida me impediria de acompanhar aquele desabafo.
Pensei em intervir, mas preferi escutar. Ele continuou:
— Rapaz, olha minha vida! Trabalho feito um condenado, corro pra entregar comida pros outros e, quando chego em casa, nem sei se vou ter janta! E ainda querem que eu me fantasie de super-herói no Carnaval? Já sou um malabarista da sobrevivência o ano todo!
O amigo assentiu com a cabeça, comendo em silêncio, talvez porque sabia que discutir com um brasileiro indignado é mais difícil do que convencer um gato a tomar banho.
Fiquei pensando. Ele tem razão. Mas também tem um erro. Porque, veja bem, se tirarem o Carnaval do Brasil, aí sim viramos palhaços sem circo.
O problema nunca foi a festa, mas os donos do espetáculo. O povo que dança e canta entre confetes e serpentinas é o mesmo que se aperta no ônibus lotado às seis da manhã, que enfrenta fila no hospital e faz malabarismo com o salário mínimo para pagar aluguel e comprar arroz.
O Brasil não precisa escolher entre Carnaval e Saúde, entre folia e Educação. Precisa é de lideranças que entendam que dá para ter tudo — desde que a corrupção e a incompetência não levem a melhor.
O motoqueiro terminou seu sanduíche, sacudiu a cabeça como quem desiste de lutar contra a maré e subiu na moto. Ligou o motor e se despediu do amigo com um último lamento:
— Vou nessa, mano. Que ainda tem uns pedidos pra entregar… e, no fim, a fome do cliente não espera.
Fiquei ali, olhando a estrada e o restinho de açúcar na ponta dos dedos. Talvez sejamos mesmo palhaços, mas entre um picadeiro e outro, a gente aprende a rir. Porque, no fim das contas, brasileiro é assim: se não dançar no Carnaval, dança na vida.
E lá se foi ele, enquanto eu terminava meu sonho, mastigando junto a ironia da nossa existência.