Domingo de Carnaval e o Desarranjo da Vida
Luciano Júnior
Domingo de Carnaval. O país inteiro se veste de brilho, de euforia, de um esquecimento passageiro. Os blocos arrastam multidões em um transe coletivo, onde as preocupações são afogadas em latas de cerveja e a realidade se esconde sob máscaras e serpentinas.
Mas, ao contrário do que dizem os foliões mais empolgados, o álcool não dissolve problemas – só os empurra para depois. E depois sempre chega.
Mas eu, naquele momento, tinha uma urgência bem menos filosófica e muito mais digestiva. Tudo culpa de um pastel que comi na chegada à Bahia. Uma verdadeira bomba gastronômica, frita no óleo das minhas más decisões alimentares. Agora, enquanto o país sambava, eu corria para a farmácia, na esperança de remediar os efeitos desse infeliz pecado.
Foi lá, entre prateleiras de antiácidos e analgésicos, que reencontrei um velho amigo. O sorriso de antigamente? Sumiu. No lugar, um olhar perdido, cansado, daqueles que já apanharam de mais carnavais do que gostariam.
— Rapaz, quanto tempo! Como você tá? — perguntei, tentando disfarçar minha urgência intestinal.
Ele suspirou fundo, como quem já nem se dá ao trabalho de fingir que está bem. Contou sobre as dívidas que se acumulam mais rápido do que a espuma de um chopp gelado. Sobre o emprego ingrato. Sobre o namoro que terminou, mas cujas parcelas do cartão continuam vivas.
Enquanto ele falava, seus olhos passeavam pela prateleira de antidepressivos, como se procurassem um atalho para a paz que a festa não conseguiu lhe dar.
— Mas quem não tem problema hoje em dia, né? — tentei aliviar.
Ele apenas deu de ombros. O silêncio pesou. Meu estômago roncou.
Foi quando meu celular vibrou. Em meio a tantas mensagens inúteis, lá estava uma frase que parecia ter sido enviada pelo próprio destino:
"Pra tudo na vida há um jeito, um caminho, um tempo, uma esperança!"
Li aquilo, refleti por um instante e, como quem compartilha um segredo valioso, repassei a mensagem para ele. Ele encarou a tela, deixou o pensamento vagar e, depois de um momento, sorriu – um sorriso pequeno, mas genuíno.
— Pelo menos seu celular tem boas ideias...
Saímos juntos da farmácia, cada um carregando seu remédio. Eu, contra os estragos do pastel. Ele, talvez, contra os estragos da vida.
Verdade, vida que segue.
Límpida verdade.