Tiradentes -

Wi-Fi e Outras Liberdades Perdidas

Luciano Júnior

21 de abril. Feriado nacional. Dia de... Tiradentes. E antes que alguém pergunte se ele é cantor de sertanejo, vale lembrar: foi mártir, dentista, tropeiro, alferes, visionário e — dependendo da versão, que já adianto não aceitar — o primeiro brasileiro a sonhar com uma república que ainda não sabíamos como fazer, mas já sabíamos que não era essa.

Como não vou falar das flores, cá estamos, séculos depois, fazendo feriado em nome de um sujeito que sonhou liberdade... enquanto enfrentamos o trânsito de quem fugiu da cidade para descansar.

A ironia? Hoje, o sonho de liberdade se mede em megabytes por segundo e o pesadelo começa quando o Pix cai em análise.

Ah, Tiradentes. Se você surgisse entre nós, de barba vasta e olhar inflamado, talvez não falasse em Inconfidência, mas em Inconveniência — essa sim, a nova opressora do povo brasileiro: filas, boletos, Black Friday que nunca é Friday e muito menos black. Talvez você liderasse uma revolução contra o algoritmo, kkkkkk, ou outras coisas.

Imagine-o, então, descendo as ladeiras de Ouro Preto — ou melhor, subindo os degraus do SAC de uma operadora de telefonia. Clamando por justiça, por dignidade, por... cashback.

— “Libertas quae sera tamen!” — gritaria, diante da atendente robótica que insiste em chamá-lo de “João”.

Enquanto isso, nas redes sociais, as homenagens se multiplicam. Um influencer posta: "Hoje é dia de celebrar o cara que nos deu liberdade! Valeu, Tiradentes!" — com uma foto na piscina e filtro sépia. Ao fundo, o hino nacional remixado por DJ alguém.

Nas escolas, os alunos perguntam:

— "Mas por que ele tirava dentes, se lutava contra Portugal?"

E no grupo da família, o tio conservador discute com a sobrinha progressista sobre se Tiradentes era “de esquerda”. A mãe manda áudio no meio:

— "Gente, eu só queria saber se vai ter almoço ou não."

É curioso como os heróis são moldados pelo tempo. Tiradentes foi enforcado e esquartejado — literalmente cancelado pela coroa portuguesa. Hoje, cancelam-se reputações com memes e prints. Mas ambos os mundos se unem numa certeza universal: ninguém gosta de controle. Seja ele imposto por reis ou por roteadores wi-fi.

E assim seguimos: clamando por liberdade, mas preferindo o conforto do “modo avião”.

Buscando revoluções, mas sem largar o controle remoto.

Sonhando com mudanças, mas reclamando do preço do gás — e comprando o mesmo gás, do mesmo fornecedor, há dez anos.

Talvez o maior ato de rebeldia hoje não seja uma revolta armada, nem uma thread indignada no Twitter.

Talvez... seja passar um único dia sem reclamar. Só um. Inspirados por Tiradentes — não pela dor, mas pela ousadia de sonhar outra realidade.

Porque, no fim das contas, revolução mesmo é acordar num feriado e agradecer por estar vivo, sem ter perdido o dente, a fé ou o humor.