Mario Lorenzo Tori nasceu em 03 de maio de 1936, em Montescheno, centro rural e de montanha da região norte da Itália, no seio de uma família humilde, patriarcal, camponesa, numerosa, eram dez filhos. Seu pai, Gregório, era camponês e mais tarde exemplar operário de uma fábrica, genitor que sempre dera aos filhos o exemplo de um chefe de família trabalhador e incansável. A mãe, dona Generosa, o próprio nome já exprime um conceito. Era uma mulher dedicada, cuidava do lar, das doenças dos filhos, das responsabilidades domésticas, enquanto educava a prole que, desde cedo, trabalhava na agricultura.
Mario Lorenzo foi à escola muito novo, um pequerrucho. E em sua fase ginasial, fascinado pela doutrina cristã, ingressou no seminário, inicialmente em Miasino, depois em Arona, finalmente em Novara. Quando ingressou no seminário, nos primeiros meses de férias, o jovem Lorenzo passou todo esse período estudando sozinho, demonstrando assim uma verdadeira vocação autodidata. Esse afinco aos livros contribuiu para a sua promoção. Cursou duas séries em apenas um ano. Adiantando-se aos seus colegas e desbravando novos caminhos de conhecimento e aprendizado cristãos.
O impaciente Lorenzo demorou muito a se adaptar à vida do seminário. Talvez por isso estudava bastante. E nos intervalos apreciava muito a arte musical. Cantava bastante e compunha músicas, sempre externando o seu dom poético de estilo marcante, que enaltecia a força religiosa e a paz espiritual para os seus seguidores. Tinha uma voz límpida e clara, e era fascinado pelos cantos típicos das regiões montanhosas (camponesas) da Itália. Tinha uma extrema facilidade em captar as melodias musicais, onde externava a sua emoção e seus sentimentos de afeto e amor ao próximo. Recebeu dos colegas seminaristas o apelido de “Alma Mística”. Por essa e outras prodigiosidades, assumiu a responsabilidade de direcionar os cantos do Seminário ocupando o cargo de Chefe da Equipe Litúrgica. Dias antes de sua partida para a América do Sul, foi visto cantando pelas ruas de Montescheno a música Zucchero, de Rita Pavonne.
25 de junho de 1961, em Novara, dia da sua ordenação. A partir desse dia era um padre. Durante oito anos, Padre Lorenzo exerceu suas funções religiosas e fez suas celebrações na Itália. Desde então, apresentou-se como uma pessoa muito politizada. Preocupado com a liberdade e a justiça, dedicou-se a ajudar os mais pobres e os mais necessitados nas paróquias em que serviu.
Chegou em Paulo Afonso, no ano de 1969, onde ficou conhecido como Padre Lourenço. Foram quase quatro anos de ações que dignificaram a caminhada de um ser divino que deixou a sua marca pelas concretizações de amor e carinho para com todas as pessoas que o conheceram, ele gostava muito de ajudar o próximo, compreender e vivenciar o sofrimento do outro e auxiliar de alguma forma nas suas necessidades materiais e espirituais. Sempre teve apego aos pobres, nunca deixando faltar a benção e o apoio moral, nem aceitava faltar o pão à mesa. Referia-se a essas pessoas chamando-as carinhosamente de “meus brasileiros”.
Na Paróquia de Paulo Afonso, logo, logo se tornou uma pessoa popularíssima e um ente querido. Era normal vê-lo rodeado de crianças, brincando de roda, cantando e gravando as vozes da meninada que vibrava com aqueles encontros ímpares. Era um membro a mais nas brincadeiras. Inocente e angélico como o sorriso daquelas criancinhas que não se inibiam com a sua presença.
Já o seu contato com os adultos não ficava apenas em conversas e celebrações. Passando pelas ruas da cidade, em sua moto, mesmo em altas horas da noite, e vendo alguém trabalhando, erguendo alguma construção, Padre Lourenço descia do seu transporte e ajudava, fazendo trabalho de um pedreiro, apesar dos olhares desconfiados das pessoas, pois não acreditavam que um padre pudesse realizar tais serviços.
O Padre Lourenço Tori foi realmente uma pessoa diferenciada em suas ações religiosas e na maneira simples de conviver com as pessoas, tanto com as crianças como com os jovens e idosos, ele tinha uma relação de amistosidade e respeito, sendo muito admirado por todos. Frequentava intensamente os lares mais pobres da cidade, sobretudo nos bairros periféricos. Humildade era a sua marca registrada. Seu maior ideal era o trabalho religioso que fazia renascer o lado cristão e fortalecia pessoas para a busca de uma vida mais digna.
O Padre Lourenço encontrou no Brasil a realização plena e global de sua vida e todo o campo que sonhou para as suas pregações e para dar evasão ao seu espírito de bondade, ao seu sentimento cheio de amor para oferecer e à sua resistência física para trabalhar. Sempre inspirado por uma estrela divina, o Padre Lourenço sempre buscou, em suas ações, gerar emprego para os seus paroquianos, pois muito mais que receber o peixe era preciso ensiná-los a pescar.
Com o intuito de levar o templo católico ao povo e expandir os ensinamentos cristãos, a exemplo dos missionários Jesuítas no início da povoação do Brasil, Padre Lourenço projetou a construção de uma igreja que pudesse atender às necessidades religiosas dos fiéis que moravam distante da Igreja Nossa Senhora de Fátima. Fez a planta da nova igreja (Nossa Senhora do Perpétuo do Socorro) em forma de um barco, porventura inspirado nos pescadores do Rio São Francisco, e que lembra também a mitra usada pelo Papa, Bispos, Arcebispos e Cardeais.
(Foto: João de Sousa Lima)
O espírito de trabalho incansável, de tenacidade, o carisma, a fé inabalável em Deus, as marcantes pregações do evangelho impregnaram e estão até hoje como uma marca indelével na belíssima Paulo Afonso, deixadas pelo alegre Padre Lourenço, que nessas terras extravasou o afã de servir, de doar-se, de ensinar. Sua dedicação às obras sociais da igreja eram infindáveis. Suas ações nas diretrizes religiosas eram inúmeras.
Depois de sua chegada ao Brasil, em 1969, Padre Lourenço não mais voltou ao seu país de origem, a Itália. Apesar da imensa saudade de sua terra natal, Montescheno, e da terna e eterna gratidão que tinha para com os pais, irmãos, familiares, bem como a lembrança constante dos amigos que lá deixou, não foi possível matar a saudade fisicamente. Três de fevereiro de 1973. Um sábado. Sua tônica vitalidade para os trabalhos da paróquia iria se encerrar naquele dia. Por volta das oito horas da manhã, segue para o bairro do BNH. Pilotava um dos primeiros lançamentos da Yamaha. Segue com a sua inseparável moto, a primeira a chegar na cidade. Seguia para o BNH onde estava ajudando na ampliação da Casa das Freiras. Tinha que pagar os trabalhadores e ajudar na construção.
E Padre Lourenço não demorou. Ajudou nos serviços de construção como sempre fizera. Só que não se prolongou na lida de operário como de costume. Às dez horas da manhã, retornou pilotando sua motocicleta Yamaha pelo mesmo caminho, próximo ao Canal da PA IV. E esse retorno foi fatal e trágico. No meio do caminho, o Padre Lourenço foi acidentado por uma caçamba. Morreu instantaneamente. Ficaram a moto e o seu corpo sem vida embaixo daquela enorme e pesada engrenagem de ferro que trabalhava nas obras do canal.
Morreu Padre Mario Lorenzo Tori, o Padre Lourenço, naquele ano de seca. O choro foi lamentoso e demorado; invadiu os lares com a mesma proporção que as águas do Velho Chico se avolumam e seguem desenfreadamente para o mar. Apesar do sofrimento que afligia os familiares, eles permitiram que o seu ente querido fosse enterrado em Paulo Afonso. Nem mesmo morto retornou à sua terra natal, desde que saíra no mês de abril de 1969.
A dor era profunda e silenciosa, facilmente identificada no rosto de cada um que estava na Rua da Frente, hoje conhecida como Avenida Getúlio Vargas e na Igreja Nossa Senhora de Fátima, além de inúmeros outros que choravam em seus lares, inclusive em algumas casas na Itália. Aproximava-se a hora do enterro, do último adeus a Padre Lourenço pelos seus brasileiros, o abençoado padre que deixou suas marcas na história do município recém-emancipado.
Foi preciso o auxílio do Exército, da Polícia Militar e da Guarda da Chesf para organizar o cortejo fúnebre até o cemitério. Milhares de pessoas se acotovelavam na extensa Avenida Getúlio Vargas, conhecida como Rua da Frente. Todos queriam ver o Padre Lourenço, tocar o caixão, despedir-se daquele homem que tinha uma afinidade ímpar com a população. Uma dor silenciosa pairava sobre a cidade naquele quatro de fevereiro sombrio.
O choro era uníssono. Nas portas de diversas casas, um pedaço de pano preto sinalizava luto e tristeza. Os fiéis choravam, populares choravam, a igreja chorava, crianças choravam, senhoras choravam e velhos choravam. A multidão se deslocava do Centro da cidade, em procissão dolorosa, até o novo cemitério, no Bairro Tapera, hoje denominado Bairro Centenário, que iria receber o seu primeiro e ilustre “habitante”. Esse cemitério não foi construído pelo Padre Lourenço como dizem algumas pessoas.
A Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) estava desativando o antigo cemitério no local conhecido como Fazenda. Portanto, estava sendo construída uma nova necrópole na Tapera. Na morte de Padre Lourenço, algumas obras no novo cemitério, que nem muro tinha ainda, foram aceleradas e pinturas foram feitas em pontos estratégicos para o sepultamento do padre italiano que morava no coração de sertanejos brasileiros. Esse cemitério recebeu o nome de Padre Lourenço Tori, que fora a primeira pessoa ali enterrada. A sua cova fica bem próxima ao portão de entrada, e é bastante visitada até o dia de hoje.
Terras brasileiras encobriram o corpo do carismático padre italiano, que um dia confidenciou para uma paroquiana que a sua vida era arriscada. E que agora jazia sob o solo que ele tanto amou, que tanto trabalhou para consolar e amenizar a dor de pessoas simples em suas lutas por uma vida mais digna e humana. A multidão retornava condoída para os seus lares que estavam vazios pela ausência do padre, muitas dessas pessoas se recusavam a acreditar no falecimento daquele ente muito querido.
Partiu Padre Lourenço para os braços do PAI e deixa para todos os pauloafonsinos o maior de todos os exemplos: “...Não me arrependi e nunca me arrependerei de ter vindo para cá (Brasil); são tais e tantas necessidades espirituais e materiais desses irmãos que desejaria ter não dois, mas centenas de braços para ajudá-los e milhares de corações para amá-los”, palavras do amado padre em uma de suas cartas remetidas à Itália. Sua história jamais será esquecida, seu nome permanece vivo na memória do povo e tudo o que ele construiu permanece de pé, mostrando que tudo o que é feito com amor e fé, jamais se acaba. Seus braços se transformam em dezenas e milhares de braços, conforme seu desejo, expresso em 1969, se concretizaram e ano a ano só aumentam, se multiplicando cada dia mais!
CRONOLOGIA
03 de maio de 1936 - em Montescheno, centro rural e de montanhas da região norte da Itália, nasce Mario Lorenzo Tori, cujos pais são Gregório Tori e Generosa Pidroni.
28 de julho de 1958 - acontece a Emancipação Política de Paulo Afonso, desmembrada da cidade de Glória, Bahia.
25 de junho de 1961 - em Novara, Itália, realiza-se a ordenação do Padre Mario Lorenzo Tori.
02 de julho de 1962 - Padre Lorenzo toma posse na Igreja de Lovário, Itália.
31 de março de 1964 – os militares tomam o poder no Brasil, fato histórico conhecido como Golpe Militar de 1964.
25 de março de 1969 – Padre Mario Lorenzo Lori e Padre Mario Zanetta recebem o crucifixo de missionários, na Festa de Anunciação do Senhor, na Catedral de Novara, e são enviados para trabalharem no Brasil.
29 de março de 1969 - Embarcam com destino ao Brasil, no Porto de Gênova, Itália, os Padres Mario Lorenzo Tori e Mario Zanetta, ambos encaminhados pela missionária Igreja de Novara, Itália, para a Diocese de Senhor do Bonfim, Bahia, a qual pertencia a Igreja de Paulo Afonso.
10 de abril de 1969 - Chegada dos Padres Lorenzo Tori e Mario Zanetta ao Brasil. Vieram de navio e aportaram na cidade do Rio de Janeiro. De lá, seguem para a Diocese de Senhor do Bonfim, Bahia.
24 de maio de 1969 - Chegam ao Município de Paulo Afonso, encaminhados pelo Bispo D. Antonio Mendonça Monteiro para os trabalhos religiosos, os missionários italianos: Padre Lorenzo Tori e Padre Mario Zanetta, respectivamente conhecidos pela população como Padre Lourenço e Padre Mario.
24 de novembro de 1971 – aniversário de 50 anos de casamento dos pais do Padre Lourenço, comemorado em Montescheno, Itália. Lourenço pretendia se fazer presente, porém não foi possível, teve de ficar no Brasil.
08 de dezembro de 1971 – é instalada a Diocese de Paulo Afonso. O seu primeiro Bispo foi D. Jackson Berenguer Prado. Antes, os Padres Alcides Modesto, Mario Zanetta e Lourenço Tori fizeram um maravilhoso trabalho na região para sensibilizar e orientar os católicos para a instalação e os afazeres da nova Diocese.
03 de fevereiro de 1973 – um trágico acidente tira a vida do Padre Lourenço, onde a moto guiada pelo religioso italiano chocou-se com uma caçamba próximo ao Canal da P.A. IV, que estava em construção, na cidade de Paulo Afonso – Bahia.
04 de fevereiro de 1973 – acontece o enterro de Padre Lourenço, uma multidão tomou as ruas da cidade de Paulo Afonso, numa marcha fúnebre de choros e lamentações, saindo o féretro da Igreja Nossa Senhora de Fátima até o cemitério que recebeu o nome do Padre Lourenço Tori, religioso italiano que foi adotado como filho em terras bras
REFERÊNCIAS
BANDERA, Mario (org). Coragem de Amar. Paulo Afonso: Editora Fonte Viva, 2008.
BARRETO, Edson; ARAÚJO, Marajana. A Vida... e a Vida de Padre Lourenço. Paulo Afonso: Editora Fonte Viva, 1989.
REVISTA: 40 ANOS DIOCESE DE PAULO AFONSO – BAHIA, 1971-2011, Paulo Afonso, 2011, p. 06-07. Edição Especial.
Edson José Barreto dos Anjos - Baiano, nascido em Miguel Calmon. Docente das Redes Municipal e Estadual de Ensino na cidade de Paulo Afonso, Bahia. Licenciado em Pedagogia (UNEB) e Letras (FTC). Pós-graduado em Língua Portuguesa (Universo), Supervisão Escolar (Universo) e Coordenação Pedagógica (UFBA). Autor dos livros Transformações... (1988); A Vida... e a Vida de Padre Lourenço (1989 e 1991); Maria Bonita: Diferentes Contextos que Envolvem a Rainha do Cangaço, onde escreveu o capítulo: Maria Bonita e a Linguagem do Cangaço na Tapera de Paulo Afonso (2010); e Versos Diversos em Verso e Reverso (2014). Já participou de diversas antologias poéticas e venceu alguns concursos de redação, contos e poemas. Membro fundador da ALPA - Cadeira 04
Maria do Socorro Araújo Nascimento nasceu em Paulo Afonso em 26/01/1966. É Formada em Letras pela FASETE, e em Pedagogia pela UNEB. Pós-graduada em Metodologia do Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação, em Turismo e Desenvolvimento Sustentável e em Educação a Distância: Gestão e Tutoria, pela UNEB, onde fez Bacharelado em Arqueologia. Coordenou o Espaço Social Sete de Setembro por 6 anos e o Ensino Fundamental I do Colégio Sete de Setembro. Leciona no curso de Letras e Pedagogia da UNIASSELVI. Em 1988 escreveu Solidão (poesia), e em 1989, A Vida e a Vida de Pe. Lourenço, com o escritor e poeta Edson Barreto, de que estão preparando uma nova edição, revista e atualizada para ser lançada em 2021. Em 2018, lançou o livro Janelas da Alma (poesias) - Fundadora da Academia de Letras de Paulo Afonso – ALPA, cadeira Nº 5. É Tesoureira da ALPA para o biênio 2019/2021.
Vcs são liderança muitos talentosos que continui assim por longa vida.
Padre Lourenço e D. Mario Zanetta são ícones que transformaram a História de Paulo Afonso no sentido religioso e social. Hoje estão na Casa do Pai Celeste rogando por todos nós!
Hoje completa 48 da partida de padre Lourenço para casa do Pai. Um ser de luz,muito especial, humanista extremo. Deixou sua marca na cidade de Paulo Afonso. Impossível esquecer alguém tão especial!