Dia 26 de abril de 2018, há três anos, a comunidade pauloafonsina recebeu o impacto da notícia da morte do inventor de Paulo Afonso, o ex-vereador e ex-prefeito Abel Barbosa e Silva.
Ele sempre viveu sozinho, mas, nos últimos anos, fragilizado, depois da última cirurgia do fêmur, que quebrou três vezes, deixou a casa onde morava e foi morar em uma extensão da casa do sobrinho Adalberto onde passou a viver sob os cuidados de sua família no mesmo Jardim Aeroporto.
Para manter-se, recebia uma pensão do INSS de pouco mais de um mil reais que não dava nem para cobrir os custos dos medicamentos que tomava.
Em uma manhã do dia na manhã de 26 de abril de 2018, quando estava com 89 anos, prestes a completar 90 anos, o que aconteceria no dia 3 de junho, Abel foi levado às pressas pelo sobrinho e familiares ao Hospital Municipal de Paulo Afonso e ali logo falecia.
O seu corpo foi velado na Câmara Municipal de Paulo Afonso no restante do dia, noite e até o amanhã do dia 27 quando um grande número de pessoas acompanhou o seu corpo até a sua última morada, no Cemitério Padre Lourenço Tori.
Nem um local seu ele tinha no cemitério e foi sepultado na tumba de sua mãe, D. Quitéria Maria de Jesus que, contra a sua vontade, foi homenageada dando o seu nome a grande colégio estadual do Bairro Tancredo Neves.
Para perpetuar a sua imagem de criador do município de Paulo Afonso, depois de lutar, ser perseguido, quase morto, durante mais de 7 anos até a independência do Distrito de Paulo Afonso, em 28 de julho de 1958, a Academia de Letras de Paulo Afonso, que ele também ajudou a criar, em novembro de 2005, apresentou uma proposta ao Prefeito Luiz de Deus para que transformasse o prédio da antiga Prefeitura, na Avenida Landulfo Alves, no Memorial Abel Barbosa.
Adalberto e família recebem membros da ALPA numa visita a Abel Barbosa
A proposta da ALPA foi aceita pelo prefeito que encaminhou à Câmara um Projeto de Lei que foi aprovado por unanimidade pelo Poder Legislativo Municipal.
Em 27 de outubro de 2020, o prefeito Luiz Barbosa de Deus sancionou a Lei Municipal Nº 1.455, criando o Memorial Abel Barbosa para funcionar no prédio da antiga Prefeitura, hoje Espaço Cultural Raso da Catarina onde também irá funcionar a Academia de Letras de Paulo Afonso, que será a responsável pela administração deste Memorial.
O incrível dessa história é que ainda há gente, dentro da prefeitura, contrária e trabalhando contra a instalação desse Memorial em homenagem a Abel Barbosa... Infelizmente...
Abel Barbosa com vereadores e Alonso Maciel no Grande Hotel e embaixo, com Pedro Macário e Paulo Lopis
O município de Paulo Afonso teve, ao longo de sua história de 62 anos – em 28 de julho completa 63 anos de emancipado – tais como Otaviano Leandro de Morais que teve sob seus ombros a enorme responsabilidade de conduzir os destinos de Paulo Afonso nos seus primeiros quatro anos de vida, quando não existia nada e ele não teve os apoios prometidos pela Chesf.
Nomes como Adauto Pereira de Souza, que também foi prefeito e sobre nas mãos do governo militar que o prendeu e interrompeu o seu brilhante futuro político. E muitos outros, prefeitos, vereadores, alguns que chegaram a deputado, mas a história é testemunha da grandeza de Abel Barbosa, mesmo de estatura pequena.
A sua oratória era marcante e atraía multidões aos seus comícios. As suas ideias, brilhantes, embora administrasse o município duas vezes, sem recursos e em situações especiais. Uma vez foi prefeito por pouco mais de um ano, porque era presidente da Câmara que era o primeiro na linha de sucessão municipal pois não havia a figura do vice-prefeito.
Na outra vez, foi prefeito por mais de seis anos, indicado que foi pelo governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães e nomeado pelo governo militar estabelecido no poder desde o ano de 1964. No seu governo viu-se restabelecida a normalidade democrática e em 1985 foi eleito José Ivaldo de Brito Ferreira para sucedê-lo. Em 1º de janeiro de 1986 transmitiu o cargo ao prefeito eleito, democraticamente, contrariando até recomendações de alguns políticos. Pelo seu gesto, foi aplaudido pelos seus adversários. Os aplausos iniciados pelo próprio José Ivaldo, abafaram algumas vaias de alguns jovens que não entenderam o seu gesto altruísta.
Abel Barbosa viveu a política no seu sangue durante as 24 horas de todos os dias. Foi assim que, ao chegar de sua Pesqueira/PE, em setembro de 1950, muito jovem e já com uma grande história de participação em eventos e campanhas políticas em Pernambuco, logo se juntou às pessoas que se mostravam descontentes com a separação estabelecida entre os que moravam na “cidade da Chesf” e os que moravam na Vila Poty.
Ao longo dos anos, foi acumulando feitos que o enalteciam. Salvou uma criança de um barraco em chamas.
Abel Barbosa com os escoteiros em aulas e na Escola Evangélica Antônio Balbino com professores e ao lado de Dr. Souza, presidente da Chesf
Abel Barbosa foi um homem de visão do futuro e viveu além do seu tempo. Criou e dirigiu uma escola, um curso de datilografia, um grupo de escoteiros. Participou ativamente da criação da primeira Escola da Vila Poty, a Escola Evangélica Antônio Balbino, uma iniciativa de Gilberto Gomes de Oliveira e João Cartonilho. Também esteve junto quando foi preciso se criar o Centro Evangélico de Recuperação Social de Paulo Afonso, que passou a ser o órgão mantenedor do Ginásio Sete de Setembro.
Abel Barbosa nos lançamentos dos livros De Pouso de Boiadas e De Forquilha a Paulo Afonso, do autor
Gostava muito de ler e tinha uma boa biblioteca em sua casa. Parte desse acervo foi doado pela família para a Biblioteca Abel Barbosa, criada pela Academia de Letras. Atuou na imprensa local, nos jornais O ECO e O JOPA. Sempre participava de eventos culturais e dentre vários, esteve no lançamento de uma revista sobre Paulo Afonso, na Casa da Cultura. Ainda em 1995, esteve no lançamento do livro
De Pouso de Boiadas a Redenção do Nordeste, de Antônio Galdino e Sávio Mascarenhas. Em 2014 participou do lançamento do livro De Forquilha a Paulo Afonso – Histórias e Memórias de Pioneiros, no Clube Paulo Afonso. Nos últimos anos quase não saía.
Eleito, ele e mais três do Distrito de Paulo Afonso foram vereadores em Glória, formando ali uma bancada de peso que passou a defender a emancipação política de Paulo Afonso no próprio plenário da Câmara.
Seus discursos inflamados contra alguns dirigentes, gestores da Chesf em Paulo Afonso – e ele sempre dizia isso: a minha luta não é contra a Chesf mas contra alguns ditadores dela que estão prejudicando a população de Paulo Afonso, os mais humildes.
Pois bem, os seus discursos inflamados o transformaram em inimigo da Chesf e a sua foto vivia estampada nas guaritas da hidrelétrica, como aqueles cartazes bandidos procurados que se viam nos filmes do faroeste americano, proibindo a sua entrada nas dependências da hidrelétrica, em todas as suas áreas, inclusive no seu Acampamento onde estavam os serviços essências da comunidade, como a feira livre, a igreja católica, o campo de futebol, o hospital, os clubes sociais, as únicas escolas de Paulo Afonso.
Inteligente, usava de estratégias para sair de situações absurdas como esta. E venceu! Passou a ser convidado para eventos da Chesf e recebido por presidentes da hidrelétrica e por administradores que passaram a apoiar a sua gestão, quando prefeito.
Abel Barbosa com o presidente da Chesf, Rubem Vaz da Costa
Esteve em várias reuniões com o presidente da Chesf, Ruben Vaz da Costa, nordestino de Garanhus que, assim como os administradores regionais da Chesf, Ricardo de Holanda Neves e Antônio Correia de Albuquerque, e com o seu apoio fez acontecer o seu sonho maior, derrubar, mesmo que simbolicamente, o muro construído pela Chesf separando o seu moderno Acampamento da Vila Poty. Ao longo de todo o muro fez o loteamento de terrenos e ali nasceu uma rua comercial. O apoio da Chesf se juntou ao do governador da Bahia e, na sua gestão, houve uma grande valorização do potencial turístico de Paulo Afonso.
Buscou o apoio do governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães e do presidente da Bahiatursa e depois Secretário de Turismo da Bahia, Paulo Gaudenzi e colocou Paulo Afonso em todo o mundo mostrando o seu potencial turístico a partir de variado material publicitário – centenas de fotos, slides, folhetos e até uma revista bilingue – português/inglês do projeto Caminhos da Bahia onde Paulo Afonso foi inserido. Como resultado, Paulo Afonso passou a receber, regularmente, milhares de turistas.
Abel Barbosa com sua equipe de gestão da Prefeitura de Paulo Afonso
Abel Barbosa transformou a pista de aviação da Chesf na Avenida Apolônio Sales e nela destinou espaços valiosos para a criação de hotéis. E foi criado o Hotel Palace e o Hotel Belvedere.
Abel Barbosa na inauguração de Centro de Informações Turisticas
Um Centro de Informações Turísticas foi construído na Avenida Getúlio Vargas, e ali fez nasceu o embrião do Hotel Hitz e do San Marino Hotel. Também na Av. Getúlio Vargas, foi criada a Feira de Cultura e Artesanato, com boxes para vendas de produtos de artesanato, restaurante e área aberta para apresentações folclóricas e culturais.
Todo evento que significasse desenvolvimento do comércio e do município de Paulo Afonso podia contar com o seu apoio, como na foto abaixo em que ele participa da inauguração da Sapataria Edsonildes. Ao seu lado estão os comunicadores Gilberto Leal, dos Serviços de Auto-falantes A Voz do Povo e Paulo Litó, responsável pelo Serviço de som do COPA.
Abel Barbosa na inauguração da Sapataria Edsonildes
Uma pena que a memória curta das pessoas leve ao esquecimento tão rápido aqueles que se doam, todo o tempo, em benefício real da comunidade.
Ainda há quem não saiba que, quando Paulo Afonso, com apenas 20 anos de vida, em 1978, tinha apenas o Ginásio Paulo Afonso, na Chesf, o CIEPA, do Estado da Bahia, que se originou do IMEAPS, criado por Adauto Pereira e o Ginásio Sete de Setembro, criado pelo Professor Gilberto Oliveira com muitas limitações ao ensino dos cursos de Segundo Grau, hoje Ensino Médio, foi Abel Barbosa que conseguiu, junto ao Governo do Estado da Bahia, a criação do Colégio Estadual do Mulungu – CEM, numa luta grande do Professor João César Mascarenhas que foi o seu primeiro diretor. O CEM oferecia o Curso de Magistério. Por iniciativa do Professor João César e contra a vontade de Abel Barbosa, o CEM passou a se chamar Colégio Estadual Democrático Quitéria Maria de Jesus.
Abel Barbosa recebendo o título de Cidadão de Paulo Afonso, na Câmara Municipal
Outros talvez não saibam que ainda em 8 de novembro de 1984, com as assinaturas de Metódio Magalhães, Francisco Bathomarco e Manoel Pereira Neto, a Câmara de Paulo Afonso aprovou o título de Cidadão de Paulo Afonso para Abel Barbosa, que era o prefeito na época e se recusou a receber justamente por esse motivo. O título só lhe foi entregue em 15 de setembro de 2017, por uma iniciativa da ALPA, presidida pelo Professor Antônio Galdino junto ao vereador Jean Roubert, também membro da ALPA que sensibilizou a mesa diretora e todos os vereadores para esse ato. O presidente da Câmara era o vereador Marcondes Francisco dos Santos.
Há também quem não saiba que, no final de Fevereiro de 2018, a Câmara Municipal aprovou Projeto de Lei do Prefeito Luiz de Deus que autorizava o Poder Executivo pagar uma pensão vitalícia e intransferível para o ex-prefeito Abel Barbosa com todas a exigências como renda pequena, idade acima de 85 anos e outras o que impede que outro prefeito ou outras pessoas tenham direito a essa pensão. Quando a burocracia do serviço público foi concluída, Abel Barbosa já havia morrido sem receber nenhuma parcela desse benefício que a Câmara Municipal só autorizou para ele no final do mês de fevereiro. Menos de dois meses depois ele morreu.
O grande sonho de Abel Barbosa, o de ser eleito prefeito, escolhido pelo povo, nunca aconteceu. Foi vereador em várias legislaturas, mas nunca ter conseguido ser eleito prefeito, era um dos seus lamentos que, infelizmente, levou para o túmulo.
Também nunca teve em vida o reconhecimento merecido. Depois do último cargo público, o de prefeito nomeado de Paulo Afonso de 4 de agosto de 1979 a 31 de dezembro de 1985, nunca mais se elegeu, nem vereador, embora ainda tentasse algumas vezes.
Abel Barbosa - Jantar no San Marino Hotel: Ricardo Holanda, José Mauro, sua esposa e Prof. Galdino
Triste e se sentindo desprezado pelo povo, recolheu-se. Por uns tempos, morou no Bairro Tancredo Neves que, para ele, ainda seria o Bairro Mulungu, sempre. Depois, alugou uma casinha simples no Bairro Jardim Aeroporto, em frente a um campinho de futebol e passava parte das tardes sentado à porta, vendo os meninos jogando bola. Morava sozinho. Não tinha telefone. Nos últimos tempos, raramente saía de casa. Mas, vez por outro aceitava o convite para um jantar como o oferecido por José Mauro, no San Marino Hotel, com a participação de Ricardo Holanda, que veio de Fortaleza e fez questão de abraçá-lo.
Sofreu vários acidentes, fraturando o fêmur. No último, caiu sozinho em casa e ao ser encontrado, pelo sobrinho, é que foi socorrido. Não puderam fazer nada em Paulo Afonso e Vavá Ferraz, que já o ajudava de forma reservada, se colocou à sua disposição e o levou para Serra Talhada onde passou por cirurgias delicadas mas logo estava pronto para voltar.
Abel Barbosa: uma visita de amigos: Professor Galdino, João de Sousa Lima e Sebastião Leandro de Morais
Por uma questão de maior apoio, passou a morar em uma das dependências da casa do sobrinho Adalberto, no mesmo Bairro Jardim Aeroporto, onde viveu ainda uns dois anos, sempre contando histórias interessantes, rindo de situações, mantendo o bom humor. Ali recebia os amigos, poucos, como quando fez 89 anos e recebeu, Sebastião Leandro, João de Souza Lima e Antônio Galdino para uma tarde boas conversas, lembranças e muitas histórias...
Local do Memorial Abel Barbosa
A Academia de Letras de Paulo Afonso aguarda as providências da Prefeitura Municipal para instalar o Memorial Abel Barbosa onde as pessoas da cidade e visitantes poderão conhecer, em vídeos, fotos, palestras e seminários, a história deste município de Paulo Afonso, criado em 1958, desde quando ainda se chamava Forquilha e recebeu a Chesf, em 1948 para instalar aqui as suas usinas hidrelétricas e promover a redenção de toda a região Nordeste do Brasil.
Abel Barbosa, que nos deixou há três anos, em 26 de abril de 2018, continua sendo Memória Viva da história desta região e merecedor do nosso reconhecimento por tudo o que fez por esse lugar que o reconheceu com filho, Cidadão de Paulo Afonso em 1984 mas somente em 2017 a Câmara Municipal de Paulo Afonso o homenageou.
O poeta Murilo Brito, da Academia de Letras de Paulo Afonso, o homenageou em cordel cuja capa é uma ilustração criada pelo artista plástico Chucky, de Paulo Afonso, simbolizando a derrubada do muro da Chesf. No cordel, a história termina assim:
O poeta assim falou
E aqui me manifesto
Abel mora em casa simples
Reside em bairro modesto
E um ex-prefeito pobre
É prova que foi honesto.
Eu escrevi um livro contando um pouco de sua vida, no agreste pernambucano e nestas terras sertanejas da Bahia. Mas ainda há muito que se contar...
A Praça Abel Barbosa, o Bairro Abel Barbosa, tudo isso ainda é muito pouco para homenagear o criador do município de Paulo Afonso.
O Memorial Abel Barbosa pretende ser mais um espaço em que se espera a visita constante de estudantes e de visitantes que terão a oportunidade de conhecer melhor a sua história e a história de Paulo Afonso, caminhando juntas nestas terras sertanejas.
Que bom que muitos souberam reconhecer o comprometimento de Abel Barbosa com a cidade, como muito bem soube documentar Galdino. Demonstraram isso com Abel ainda vivo. Tive alguns poucos contactos com ele. Era um homem genuinamente sincero, honesto e comprometido com Paulo Afonso. Mais importante: era um visionário; visão que falta hoje a muitos dos nossos representantes.
Abel Barbosa, a pedra mor no alicerce pauloafonsino.