No 4º dia desta SEMANA JÂNIO SOARES, neste resgate de lembranças e memórias que estão fazendo o Jornal Folha Sertaneja, o site www.folhasertaneja.com.br e a Academia de Letras de Paulo Afonso - ALPA – onde Jânio Soares ocupava a Cadeira Nº 20, encontrei uma das crônicas que Janinho publicou no Jornal A TARDE e também nesse site e nela ele se desmancha em amores pelo rio São Francisco cujas águas banhavam seu terreiro na imortal e sempre lembrada Velha Glória, Curral dos Bois, Santo Antônio da Glória onde viveu a meninice, rodeado e acarinhado por muitas tias, como disse Edson Mendes em outro texto em sua homenagem publicado no segundo dia desta Semana Jânio Soares.
A ideia desta Semana Jânio Soares, lembro a todos, é que o seu aniversário de 64 anos, seria no dia 21 de julho, uma semana antes do aniversário do município de Paulo Afonso, que também completa 64 anos, ambos nascidos no ano de 1958.
Hoje trouxemos o próprio Janinho para conversar em uma crônica derramada de amor pelo seu Rio São Francisco e ele conta as coisas que ouviu numa conversa de amigos de fé, irmãos, camaradas com esse seu amigo e nos revela o que lhe disse esse rio dos seus amores. Ah, se esse rio falasse. Melhor, como diz Jânio, SE MEU RIO FALASSE... conversa ilustrada com imagens do Lago de Moxotó, da Cachoeira de Paulo Afonso e do Cânion do rio São Francisco que fiz em dias em que o sol também foi meu amigo.
Abraço fraterno.
Antônio Galdino da Silva
Jornal Folha Sertaneja
Site www.folhasertaneja.com.br
Presidente da ALPA
Se meu rio falasse
Janio Soares, 29/03/2018
“Olá, antes de entrar no assunto que me trouxe até aqui, gostaria de me apresentar, embora a maioria já deva ter ouvido falar de mim e de meus remansos. Me chamo Francisco, assim como o Papa, o ex-sogro de Carlinhos Brown e o santo gente boa nascido em Assis, na Itália, cujo nome inspirou o meu.
Apelidos não tenho, apesar de muitos que nunca me viram mais largo insistirem em me chamar de Velho Chico, provavelmente querendo uma intimidade que jamais lhes dei, até porque, se o próprio ribeirinho que me vê todo santo dia nunca me tratou assim, por que diabos um estrangeiro haveria de?
Oficialmente tenho 516 anos, mas, como naquela música que gosto muito e que a moçada canta em minhas margens quando luas me lampejam, eu nasci há uns 10 mil anos atrás e, do mesmo modo que o velhinho sentado na calçada com uma cuia de esmola e uma viola na mão citado por Raul no começo da canção, não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais.
De extensão eu tinha 2.700 Km, mas com os desvios que alongaram meu curso e duplicaram meu tormento, perdi as contas. De afluentes devo continuar com os 168 que os livros de geografia cravam, embora só uns 36 me irriguem pra valer. Já de velhas promessas de me revitalizarem ou coisa assim, ah!, seu moço e dona moça, isso é conversa pra Nego D’água dormir.
Como vocês sabem, broto lá em Minas e passeio por alguns estados do Nordeste, onde, nos bons tempos pré-barragens, despencava nos cânions de Paulo Afonso que nem trovoada de verão e depois seguia até bater de frente com o oceano, numa peleja bonita de se ver.
Já hoje, completamente poluído pelas Baronesas que se alimentam dos esgotos que caem em minhas águas (e separado pelas hidroelétricas de Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Complexo Moxotó e Xingó – que me dividiram em várias partes tornando-me uma espécie de esquartejado líquido), chego tão desnutrido no final de minha jornada que o mar já penetra alguns quilômetros dentro do meu leito, trazendo com ele mariscos, pescadas e robalos que, queira Deus, convivam em harmonia com minhas traíras e surubins.
Agradeço do fundo de meus peraus sua atenção e me despeço dizendo que mesmo com milhões de metros cúbicos sem oxigênio, partes de mim ainda resistem à espera de algum milagre ou, quem sabe, de ventos do Norte mais constantes, que pelo menos possam provocar um rodízio na minha agonia.
Agora me dê licença que os meninos já vão começar a sessão Beatles. Fui!”.