Nota do Editor: Um dos mais respeitados memorialistas de Paulo Afonso chama-se Luiz Fernando Motta Nascimento que, nascido em Serrinha/BA em 30 de julho de 1939, veio com seu pai para a localidade chamada Forquilha, atual Paulo Afonso, no ano de 1946, quando o seu pai Mestre Alfredo aqui chegou para trabalhar como Mestre Eletricista na construção da Usina Piloto. Luiz Fernando estudou em uma escola improvisada na época, onde hoje é o COPA - Clube Operário de Paulo Afonso e, anos depois, voltou à região quando a Chesf chegou para construir a sua primeira Usina Hidrelétrica, no início de 1949.
Estudou nas Escolas Reunidas da Chesf e depois fez o curso ginasial no Ginásio Paulo Afonso. Formado em Engenharia, começou a trabalhar na Chesf como estagiário e foi diretor de duas diretorias da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco – Construção e Suprimento - nos tempos áureos de construção das maiores usinas hidrelétricas por essa empresa, então estatal.
As suas memórias lhe renderam livros como Paulo Afonso – Luz e Força Movendo o Nordeste (EGBA/ACHÉ – Salvador – 1998) e várias publicações da Memória da Eletricidade.
Membro da Academia de Letras de Paulo Afonso – ALPA – onde ocupa a Cadeira Nº 37, mora em Salvador e tem vários artigos na publicação anual desta Academia (livro) chamada Revista da Academia de Letras de Paulo Afonso.
Este artigo foi enviado para a Edição da Revista da ALPA do ano de 2024, mas, em face do novo projeto daquela publicação, organizado pela nova diretoria, não foi ali publicado, infelizmente, tendo o seu autor autorizado a sua publicação neste site e na Edição do Jornal Folha Sertaneja do mês de Outubro de 2024, o que fazemos com a maior alegria.
Informamos aos leitores do site e do Jornal Folha Sertaneja (online) que estamos abrindo esta coluna Memórias do Pioneiro neste site e página com este título no Jornal Folha Sertaneja para publicar outros artigos desse grande memorialista que chega aos 85 anos muito ativo.
Abraço fraterno ao prezado confrade Luiz Fernando Motta Nascimento. (Antônio Galdino da Silva – Editor do site www.folhasertaneja.com.br e diretor do Jornal Folha Sertaneja, publicações fundadas em 18 de fevereiro de 2004)
A CHESF e a Bugia (Bret e a Carga Pesada)
Por Luiz Fernando Motta Nascimento
Membro da ALPA – Cadeira 37
Um dos grandes problemas enfrentado pela Chesf foi o transporte para fazer com que os materiais e os equipamentos chegassem até Paulo Afonso e às Subestações. Para os materiais e equipamentos transportados, por via marítima, foram utilizados os Portos de Salvador e Recife, que receberam cerca de 112 mil toneladas.
Naqueles transportados, via ferroviária, foram utilizados no trecho de Salvador até Alagoinhas (BA), os trens da Viação Férrea Federal da Leste Brasileira, em uma extensão de 126 quilômetros. De Alagoinhas até Paulo Afonso, por transporte rodoviário, nos 363 quilômetros de extensão. De Recife o transporte foi pelos trens da Great Western of Brazil Railway em uma extensão de 270 quilômetros até Arcoverde (PE). Daí, até Paulo Afonso por transporte rodoviário nos 220 quilômetros de extensão, passando pela balsa de 25 toneladas, que a Chesf mantinha em Santo Antônio da Glória (BA).
Os transportados por via rodoviária terrestre foram aqueles que mais dificuldades ofereceram e exigiram uma boa logística no seu deslocamento. Esta importante tarefa foi realizada com a logística e a supervisão do engenheiro Bret Iôlas de Cerqueira Lima. Além das estradas serem praticamente carroçáveis, as pontes não suportavam o peso das carretas com os equipamentos.
Mesmo com apenas uma pequena chuva a rodovia tornava-se intransitável. Isso obrigava a Chesf a conduzir motoniveladora e pessoal para o reparo e as vezes construir variantes.
No caso das pontes a solução encontrada foi a separação do cavalo mecânico da prancha com a carga, na cabeceira de cada ponte. O cavalo mecânico era substituído por uma “bugia”, como chamavam os operários. Essa na realidade é uma pequena prancha com dois eixos, com quatro pneus cada, sendo bem mais leve que o cavalo mecânico.
A “bugia”, dita pelos operários, vem da palavra inglesa “buggy”. Assim, a prancha com a carga apoiada pela “bugia” era ligada ao cavalo mecânico, que às vezes ficava do outro lado da ponte, por um cabo de aço, de comprimento maior que a referida ponte. Depois, que a prancha com a carga estava no outro lado da ponte, o conjunto era recomposto e prosseguia viagem, até a próxima ponte, realizando-se aí o mesmo processo com a utilização da “bugia”.
Para se ter uma idéia das dificuldades, a viagem entre Salvador e Feira de Santana, que na época tinha 120 quilômetros de extensão e muitas curvas e pontes, durava aproximadamente doze horas. A viagem entre Salvador e Paulo Afonso se não chovesse durava de três a quadro dias.
No transporte de um Transformador comandado por Bret Cerqueira Lima, entre o Porto de Recife e a Subestação do Bongi, as pontes tiveram que ter alguns reforçados e foi interrompido o trânsito nas vias de acesso até a Subestação, principalmente na Avenida Conde da Boa Vista.
Esta avenida tinha algumas redes de distribuição de 13,8 quilovolts, atravessando a avenida de um lado ao outro, as quais tinham que ser desligadas e seus cabos cortados para a passagem do comboio da Chesf. Depois os funcionários da empresa concessionária (Pernambuco Tramways) restabeleciam as redes.
Como o engenheiro Paulo Parísio, que era o Chefe do Escritório da Chesf de Recife, em entrevista aos jornais locais anunciou este transporte, grande parte da população acorreu para as vias de passagem do comboio Chesf.
Um dos pneus da carreta Chesf estourou em plena Avenida Conde da Boa Vista. Como o pneu a ser substituído ficava na parte interna o pessoal Chesf da Carga Pesada trabalhou a noite toda na execução da substituição. Várias pessoas acompanharam o trabalho durante toda a noite.
Um dos Transformadores da Subestação de Itabaiana (SE) não pode ser desembarcado no Porto de Aracaju, pois o seu pequeno calado não permitia a aproximação do navio, como também os guindastes não suportavam o peso do transformador. O desembarque foi realizado no Porto de Salvador.
Como na época não havia a estrada BR -101 o percurso estabelecido foi Salvador – Jeremoabo – Itabaiana. Próximo à Cidade de Jeremoabo havia uma ponte de concreto armado sobre o Rio Vaza-Barris.
O Vaza-Barris é um rio com cerca de 450 quilômetros de comprimento, que atravessa os Estados da Bahia e Sergipe, desaguando no litoral sergipano, no local denominado Mosqueiro. Em seu percurso, localiza-se a Cachoeira de Macambira, no município de Macambira, em Sergipe. Nesse local forma um desfiladeiro com aproximadamente 18 metros de altura, originado por ruptura geológica do rio Jacoca, afluente do rio Vaza-Barris. Em abril de 1968, foi construído o Açude de Cocorobó, no Rio Vaza-Barris, no sertão baiano, no local onde ocorreu a histórica Guerra de Canudos.
Durante certas épocas do ano o Rio Vaza-Barris fica praticamente seco, com apenas alguns filetes de água. Temendo a ponte não suportar a carreta com o transformador o Engenheiro Bret ordenou que a carreta atravesse pelo leito do rio. Para isso tiveram que construir uma espécie de “ensecadeira” em torno da carreta. À medida que esta se deslocava nova “ensecadeira” ia sendo construída para permitir o avanço da carreta. Trabalharam a noite toda. Assim, quando o Presidente da Chesf Alves de Souza chegou à ponte, vindo de Paulo Afonso, a carreta com o transformador já estava no outro lado do rio.
Assim, com este processo os materiais e equipamentos foram transportados para a Usina de Paulo Afonso e para as Subestações sobre a supervisão do grande Engenheiro Bret Iôlas de Cerqueira Lima.
Em 1988 também tivemos que enfrentar as dificuldades da falta de documentos oficiais sobre a capacidade das pontes para planejarmos o transporte dos Rotores das Turbinas, pesando cerca de 220 toneladas cada, do Porto de Maceió até a Usina de Xingó. Cada Rotor é usinado na fábrica e transportado como peça única.
O meu pessoal técnico da Chesf, da área de logística de transporte teve que fazer os cálculos, com o apoio da Empresa Promon. Todavia, nesta época já tínhamos carretas rebaixadas com muitos eixos, conhecidas com centopeia, e cavalo mecânico truncado.
Hoje temos a carreta- gôndola, um conjunto formado por duas composições com 18 eixos em cada uma – com rodado duplo – e uma viga no meio que funciona como um berço para acomodar a peça transportada e com o peso distribuído nas suas linhas de eixos. Puxada simultaneamente por três cavalos-mecânicos, o conjunto viaja com uma velocidade média de 15 km/hora. Cada modelo desta configuração tem capacidade para tracionar até 250 toneladas.
Assim, queremos prestar a nossa Homenagem ao Engenheiro Bret e sua Equipe pelo excelente trabalho que fizeram em pró do Nordeste.
Sobre o Engenheiro Bret Yôlas de Cerqueira Lima:
Bret Cerqueira foi admitido na Chesf em 24 de março de 1949 e se aposentou em 15 de maio de 1975, tendo morado em Paulo Afonso até 30 de janeiro de 1966, quando foi transferido para Salvador.
Em 16 de abril de 2002, por iniciativa do vereador Antônio Alexandre dos Santos (in memoriam), Bret Cerqueira, sua esposa Professora Neyde Cerqueira Lima, que foi professora e diretora do Ginásio Paulo Afonso, receberam na Câmara Municipal de Paulo Afonso o título de Cidadão e Cidadã de Paulo Afonso, também concedido a outro pioneiro, seu cunhado, o médico Dr. Lourival Burgos Mucinni, primeiro diretor do Hospital Nair Alves de Souza, construído e mantido pela Chesf durante mais de 70 anos.
Bret Cerqueira faleceu em Salvador/BA em 10 de setembro de 2013 com 94 anos de idade. Foi cremado e suas cinzas e as de sua esposa, Neyde Cerqueira foram jogadas nos túneis adutores da primeira e da segunda usinas de Paulo Afonso, atendendo ao seu desejo onde dizia: “que é para estas cinzas se transformarem em energia hidráulica, mecânica e também em energia elétrica e seja este o meu último trabalho na Chesf e pelo Nordeste. Bret Cerqueira”
Nosso agradecimento ao engo.Luiz Fernando,pelo carinho com a nossa querida mamãe CHESF, como a chamamos!
Caros José de Araújo, Ismael, Roberto Souza, Antônio Carlos: O Dr. Luiz Fernando, assim como o Engº. Bret, este de saudosa memória, com quem muitas vezes estive, têm histórias bem interessantes sobre a Chesf, a empresa que mudou a história do Nordeste. Alguns dos seus artigos foram publicados na Revista da Academia de Letras de Paulo Afonso. Logo, estaremos trazendo aqui a história do apagão na Chesf no dia da visita da Rainha da Inglaterra ao palácio do governo no Recife. Abraço fraterno.
Nossa Chesf possui inúmeras histórias! Parabéns a Luiz Fernando pela nobre iniciativa de fazer esses registros. É muito gostoso ler tais registros.
Que maravilha!A leitura dessas memórias, tão bem escritas por Luiz Fernando, engrandeceu o meu domingo.Parabéns à Folha Sertaneja por veicular tão memorável artigo.
Magnífico! Grande herói da nossa gloriasa Chesf!
Excelente artigo. Parabéns ao Luiz Fernando.