Do Editor:
Aos estudantes de Engenharia Elétrica, aos pesquisadores sobre este tema, aos curiosos em geral:
Apresentamos mais uma aula do Engenheiro Luiz Fernando Motta Nascimento. A história da energia elétrica no Brasil e no Nordeste, fruto da memória prodigiosa desse querido octogenário, ele próprio parte dessa rica história.
Leiam, aproveitem os ensinamentos do mestre, comentem, compartilhem com os contatos. Abraço fraterno. Antônio Galdino da Silva.
A energia elétrica no Brasil e a energia da Chesf no Nordeste
Luiz Fernando Motta Nascimento
No Brasil, em 22 de agosto de 1889, às 9 horas da noite, 40 lâmpadas elétricas se acendem iluminando as ruas de Juiz de Fora (MG). Esta, que foi a primeira usina hidrelétrica da América do Sul, só foi possível graças a visão e persistência do grande industrial mineiro Bernardo Mascarenhas.
Para a realização deste empreendimento, em fevereiro de 1888, Mascarenhas enviou à firma americana Max Nothman & Cia., uma planta de Juiz de Fora, com as instruções de instalação. Dizia ele que a iluminação pública da cidade deveria ser feita em tensão alternada de 1.500 a 2.000 volts, para alimentar 40 lâmpadas de 1.000 velas.
Os geradores da usina foram comprados à Westinghouse e dois técnicos americanos vieram para o Brasil para acompanharem a montagem. A usina começou a operar com dois geradores de 125 quilowatts cada, em tensão alternada monofásica de 1.000 volts.
Usina Pioneira - Marmelos Zero - Juiz de Fora/MG.
A usina foi construída a sete quilômetros de Juiz de Fora no Rio Paraibuna, aproveitando a Cachoeira dos Marmelos, por isto a usina foi chamada de Marmelos Zero.
Esta potência de 125 quilowatts de cada gerador era muito grande para a época. Hoje, a título de comparação, cada subestação de 500 kV da Chesf tem dois geradores a diesel de emergência de 250 quilowatts cada.
Museu da Energia - Salvador/BA
Salvador/BA
A Cidade de Salvador conheceu a energia elétrica em 1885, através de uma experiência feita por Malaquias Alvares dos Santos, professor da Faculdade de Medicina. Foi dele a idéia de fornecer energia de pilhas que, postas a funcionar na Escola do Terreiro, permitiram a iluminação, por algumas horas, das dependências do prédio e da sua área externa. Tudo para grande espanto dos alunos, futuros médicos, e para o povo aglomerado na rua.
A grande vedete da Exposição Internacional de Paris em 1889, foi uma lâmpada elétrica incandescente inventada pelo americano Thomas Alva Edison. Nesta época, havia uma grande polêmica sobre as vantagens da utilização das tensões contínua e alternada, que ficou conhecida como a Guerra das Correntes. Edison era um dos defensores da tensão contínua, enquanto George Westhinghouse defendia a tensão alternada. A tensão alternada foi descoberta pelos franceses Gaulard e Gibbs e aperfeiçoada e sistematizada por George Westhinghouse. Como Thomas Alva Edison havia realizado um grande investimento em tensão contínua, inicialmente, foi contrário à tensão alternada, mas como um grande cientista sabia das vantagens da tensão alternada.
George Westhinghouse continuou os seus estudos e em 1896 capta a energia da Cachoeira de Niágara e através de uma linha de transmissão de 45 quilômetros de extensão, ilumina a Cidade de Búfalo nos Estados Unidos.
São Paulo/SP
Já em São Paulo, em 7 de abril de 1899, é criada a São Paulo Railway, Lihgt and Power Co. Ltda, com sede em Toronto, Canadá. Em 17 de julho de 1899, o Presidente da República Campos Sales assina o Decreto nº 3.349 autorizando o grupo canadense a funcionar no Brasil. A Lihgt começa a fornecer energia elétrica, inicialmente, na capital paulista. A Light ao tentar, em 1905, aumentar a sua área de concessão, indo para o Rio de Janeiro, sofre uma grande oposição de um grupo nacional, liderado por Cândido Gaffrée e Eduardo Guinle, interessado na exploração da concessão.
Apesar desta oposição, a Light consegue se implantar no Rio de Janeiro, em 30 de maio de 1905, graças à intervenção de diplomatas americanos, junto aos ministros brasileiros, de Relações Exterior, Barão do Rio Branco e da Indústria, Viação e Obras Públicas, Lauro Müller.
Devido ao crescimento do consumo de energia para iluminação e tração em Salvador, a Companhia Linha Circular, contrata a firma carioca Guinle & Cia, em abril de 1905, para construção de linhas e usinas. Com isto, a Guinle & Cia constrói a usina termelétrica da Preguiça, para reforçar a produção de energia elétrica em Salvador.
A Guinle & Cia, que já estava em Salvador desde 1905, consegue uma concessão em 1909, para a exploração e utilização da energia hidráulica das Cachoeiras Macela, Gameleira e Bananeiras, no Rio Paraguaçu. Este rio tem 600 quilômetros de extensão, nasce na Chapada Diamantina e tem sua foz na Baía de Todos os Santos.
Assim, em 1910, a firma de Eduardo Guinle começa a tomar as providências iniciais para a construção da usina de Bananeiras, cujo projeto previa uma capacidade instalada de 11.250 kVA, sendo uma obra gigantesca para a época. Portanto, cerca de oito vezes a usina de Angiquinho. A construção da Usina Hidrelétrica de Bananeiras sofreu devido alguns problemas, especialmente em conseqüencia da Primeira Guerra Mundial. Finalmente em outubro de 1920, a Usina Hidrelétrica de Bananeiras foi inaugurada com apenas dois geradores. Mestre Alfredo ainda menino começou a trabalhar, incialmente na construção e depois na operação, nesta usina por 20 anos, até 1937.
Recife/PE
Em Recife é criada a Pernambuco Tramways & Power Company Ltd., a partir de contrato assinado, com prazo de 50 anos, entre o Governo do Estado de Pernambuco e a firma inglesa Bruce Peebles Co. Ltd., como concessionária dos serviços de iluminação pública e particular de Recife (PE), além do fornecimento de gás, de telefonia e dos transportes coletivos da cidade.
Finalmente, em 1914 entra em operação a primeira usina do Estado de Pernambuco, a termelétrica Recife, também denominada Mauricéia, localizada no bairro de São José, próxima à Estação Ferroviária, no Município de Recife, às margens do Rio Capibaribe
Foi construída pela Pernambuco Tramways & Power Company Ltd. e gerava, inicialmente, 300 kW, passando, em 1917, a 3.000 kW, sendo ampliadas anos depois para 22.000 quilowatts.
O ministro da Agricultura, Indústria e Comércio Ildefonso Simões Lopes, no Governo do Presidente Epitácio da Silva Pessoa, paraibano de Umbuzeiro, determina que fossem feitos estudos para o aproveitamento do Rio São Francisco no trecho entre Juazeiro (BA) e Paulo Afonso.
Em 1921 foi feito o primeiro levantamento topográfico das Cachoeiras de Paulo Afonso e de Itaparica, pelo grupo composto pelos engenheiros: Antônio José Alves de Souza, Jorge de Menezes Werneck, Jaime Martins de Souza, Mário Barbosa de Moura, Waldemar José de Carvalho e Mengálvio da Silva Rodrigues, todos da Seção de Estudos e Capitação de Forças Hidráulicas deste Ministério.
A empresa americana Bond and Share, cria em 1923 a Amforp - American and Foreign Power Co., para agilizar seus negócios e viabilizar a compra de propriedades no exterior. O grupo Amforp iniciou suas operações no Brasil, em setembro de 1927, com a criação das Empresas Elétricas Brasileiras, transformando-se depois na Caeeb – Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras. A atuação da Amforp concentrou-se principalmente no interior de São Paulo e em diversas capitais do Nordeste e do Sul do País.
A Amforp adquire em 1927, as propriedades da Guinle & Cia na Bahia e depois as usinas termelétricas de Maceió, Recife (Gasômetro) e Natal.
Com a constituição da Chesf em 15 de março de 1948, surge a primeira empresa brasileira de grande porte com o objetivo de construir a hidrelétrica de Paulo Afonso. Até esta época apenas as duas empresas Light (canadense) e a AMFORP (americana) construíam grandes hidrelétricas no Brasil.
Não havendo no Nordeste informações e planejamento, o Presidente da Chesf Antônio José Alves de Souza envia ofício, datado de 14 de julho de 1948, aos Presidentes das Federações das Indústrias da Bahia, Sergipe, Alagoas e de Pernambuco, assim como aos Governadores destes estados e o da Paraíba, solicitando que fossem feitos estudos sobre as perspectivas de novas indústrias a consumirem a energia de Paulo Afonso.
Diretor Técnico da Chesf - Eng. Octávio Marcondes Ferraz
Quando o Diretor Técnico Marcondes Ferraz e o engenheiro Chefe do Departamento Elétrico da Chesf Jason Marques Costa divulgaram que o sistema da empresa seria de 60 hertz, surgiram várias críticas em Recife, especialmente dos usineiros e dos industriais. Diziam que esta frequência fora adotada pela Chesf para atender ao Estado da Bahia, pois Recife era de 50 hertz. Como os equipamentos comprados pela Chesf foram adquiridos à firma americana Westinghouse, esta era a frequência dos Estados Unidos da América do Norte. Na realidade os equipamentos existentes no Estado da Bahia tinham origem nos Estados Unidos e os do Estado de Pernambuco na Europa (Inglaterra). Eu mesmo, como Chefe da Divisão de Equipamentos da Chesf, tive muitos problemas na década de 70, quando dos testes de equipamentos com 60 hertz, especialmente dos disjuntores de 245 e 550 kV, realizados na Europa.
Como o ofício datado de 14 de julho de 1948, enviado aos Presidentes das Federações, assim como aos Governadores destes Estados, não teve resposta a Diretoria da Chesf resolveu realizar as chamadas Mesas Redondas, em julho e agosto de 1952. Apenas o presidente da Federação das Indústrias da Bahia – FIEB, Augusto Viana Ribeiro dos Santos, havia respondido ao ofício.
Destas reuniões resultou na criação das Comissões de Desenvolvimento Econômico nos diversos Estados. Todavia, a única que realmente se reunia com freqüência para debater os assuntos de interesse foi a do Estado de Pernambuco, a qual ficou conhecida como CODEPE. Nestas Mesas Redondas participaram principalmente usineiros e industriais, que sugeriram fazer uma descapitalização da Chesf. A Direção da Chesf não concordou e registrou a sua posição contrária no seu Relatório Anual. O Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), que foi uma autarquia da administração federal brasileira criado em 1º de junho de 1933 pelo presidente Getúlio Vargas, através do Decreto nº 22.789, sabe bem as eternas “choradeiras” dos usineiros.
Diretor Técnico da Chesf - Eng. Octávio Marcondes Ferraz
Finalmente, às 6 horas da manhã de primeiro de dezembro de 1954 o Diretor Marcondes Ferraz energiza o primeiro alimentador de Recife. O segundo alimentador foi acionado por Geraldo Prado Barreto, engenheiro da Chesf.
Todavia, aqueles ressentimentos ressurgiram com força desde fevereiro, logo após a inauguração da Usina de Paulo Afonso e das Linhas de Transmissão para Recife e Salvador, que foi a 15 de janeiro de 1955, tendo havido na capital de Pernambuco uma campanha visando ao descrédito da direção e dos serviços da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco.
Apesar desta companha difamatória, inclusive chamando os dirigentes da Chesf de serem “inimigos” do Nordeste, a Diretoria da Empresa portou-se, como sempre, com ética e serenidade.
Usinas Hidrelétricas Paulo Afonso I, II, III e IV (ao fundo à esquerda) e a cidade-ilha de Paulo Afonso - BA
A Diretoria da Chesf, então, elaborou e divulgou o documento “A Energia de Paulo Afonso e o Nordeste” com 42 páginas (impresso na Gráfica Editora do Recife S/A situada à Rua do Imperador, 227), esclarecendo os seguintes tópicos: Apreciação Preliminar; Descapitalização; Tarifas; Influência das Tarifas; Influência do Custo da Energia Elétrica no Custo das Utilidades; Intermediários entre a Chesf e os Consumidores da Energia de Paulo Afonso; Mesas Redondas; Serviço Adequado; Inimigos do Nordeste; e A Chesf deveria ser dirigida por pessoas do Nordeste.
A seguir estão algumas citações do documento “A Energia de Paulo Afonso e o Nordeste”
“Entre os labéus que perversamente atiram aos dirigentes da Chesf, visando a desacreditá-los e indispor contra eles o povo da região, está o de serem “inimigos” do Nordeste.
Só tenho ouvido de meus colegas de Diretoria, Marcondes Ferraz, Berenhauser Júnior e Afrânio de Carvalho e dos engenheiros e funcionários da Chesf, palavras de carinho para com essa região e manifestações iniludíveis de seu desejo de que ela progrida, prospere e se torne fator importante e de primeira grandeza da economia nacional.
Mas, podemos assegurar, que ninguém poderia exercê-los com mais entusiasmo, com mais probidade, com maior abnegação e com maior interesse pelo progresso do Nordeste, do que nós.
Essa explicação é dirigida aos homens de boa fé que não nos conhecem. Eles ficam dispondo agora de elementos para nos julgar. E nós estamos perfeitamente tranquilos quanto a esse julgamento.
A impressão que ela nos deixou foi a que, muitos anos mais tarde, em 1948, manifestei em discurso que fiz como paraninfo (Alves de Souza) da turma de Engenheiros de Minas de Ouro Preto (MG) daquele ano:
Eng. Antônio José Alves de Souza - Presidente da Chesf de 1948/1961
Não sei de onde vem o magnetismo que emana daquela região: se da majestade do próprio rio imenso; se da imponência e da potência de suas quedas d’água; se do estoicismo da população que vive em suas margens e na maior parte de sua bacia (do São Francisco) numa luta heroica e permanente contra um sem número de vicissitudes; se do contraste maravilhoso das caatingas que o cercam de perto, em grande parte de sua extensão, passando de um cinzento monótono, igual, quando esturricadas pelas secas, a uma variedade assombrosa de tonalidades de verde, logo depois de molhadas pelas primeiras chuvas; se da beleza sem par de seus crepúsculos portentosos e indescritíveis; se de suas noites esplêndidas, fantasticamente iluminadas por estrelas de excepcional fulgor; se da função político-social que esse grande rio tem exercido e terá de exercer mais eficientemente no futuro, dada a sua posição geográfica.
Não sentimos qualquer constrangimento em dirigir uma empresa situada e operando no Nordeste, sendo nós homens do Sul, do mesmo modo que não vemos motivo para constrangimento de quem quer que seja, em haver homens do Nordeste e de outras regiões do Brasil, dirigindo empresas e organizações do Sul.
Não temos dúvidas de que muitos homens do Nordeste poderiam, com mais talento, com mais brilho do que nós, exercer os cargos de direção desta Companhia.
Não temos, nem desejo de manter polêmicas, nem dispomos de tempo bastante para o fazer.
Consideramos como definitiva esta explicação sobre as acusações formuladas contra nós.
Encerramos aqui a explicação, que julgamos dever dar ao povo Nordestino, sobre nossas atitudes e nossas ações na direção da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco”.
Concluo plagiando o ex-Presidente da Academia de Letras de Paulo Afonso (ALPA), o Professor Antônio Galdino, que criou a significativa frase: O Nordeste AC (Antes da Chesf) e o Nordeste DC (Depois da Chesf).
Hoje, o Nordeste suportaria ficar algumas horas sem a Energia da Chesf?
Luiz Fernando Motta Nascimento.
Membro da ALPA – Cadeira 37
Um grande texto escrito magistralmente pelo grande memorialista e pioneiro Luiz Fernando contando uma historia feita por homens inigualaveisi
Prezado MESTRE Antônio Galdino. Grato pela publicação do artigo, assim como pelas ilustrações e ajustes no texto.
Extraordinário artigo, escrito por um grande engenheiro e ser humano, que viveu a CHESF desde a mais tenra idade. Magnífico!