Hoje, 24 de agosto de 2024, lembra uma leitora do site, moradora de Jatobá, escritora, “70 anos da morte de Getúlio Vargas e não se pode falar dessa região sem lembrar dele...”
Concordei plenamente. Não fosse Getúlio, talvez não existisse a Chesf, nem Paulo Afonso e certamente o Nordeste continuaria sendo comparado com a pior qualidade de vida de países africanos, como o era até meados da década de 1950.
E ao lembrar desse dia triste na vida do país, quando Getúlio Vargas, debaixo de intensa pressão política ele “saiu da vida para entrar na história”, chegam as lembranças das muitas conversas que tive com Abel Barbosa e que geraram o livro deste autor, ABEL BARBOSA, o inventor de Paulo Afonso, lançado em 2019. (Editora Oxente/Paulo Afonso-BA, 280 páginas, 2019).
Às páginas 168 e seguintes Abel Barbosa fala de personagens que marcaram a sua caminhada política e começa justamente por Getúlio Vargas, seguido por Juscelino Kubitscheck e Antônio Carlos Magalhães.
Sobre Getúlio Vargas, muito se tem falado, escrito, romanceado. A rede Globo lançou uma série de DVDs chamada Agosto. Depois veio o filme Getúlio, tendo o ator Tony Ramos dado vida ao personagem. O escritor Lira Neto publicou pela Companhia das Letras vários volumes, cada um com até mais de 600 páginas sobre a vida de Getúlio Vargas.
No dia 3 de outubro de 1945, recebeu das mãos do seu Ministro da Agricultura, o pernambucano de Altinho, Apolônio Jorge de Faria Sales, e assinou, os Decretos de criação da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco – Chesf.
Dias depois dessa assinatura, em 29 de outubro, Getúlio Vargas foi deposto e coube ao seu sucessor, o presidente General Eurico Gaspar Dutra dar a ordem de início das obras da Chesf nesta região.
Getúlio voltou ao poder em 31 de janeiro de 1951 e nele permaneceu até 24 de agosto de 1954, quando se suicidou e foi substituído pelo vice-presidente João Café Filho que inaugurou a primeira Usina de Paulo Afonso em 15 de janeiro de 1955.
Em 22 de junho de 1952, Getúlio Vargas veio conhecer as obras desta primeira Usina de Paulo Afonso e foi recebido festivamente desde a sua chegada no aeroporto, hoje Centro de Cultura Lindinalva Cabral, na Avenida Apolônio Sales. Proibido de entrar nas áreas dentro da Chesf, Abel Barbosa foi, com o Grupo de Escoteiros Rui Barbosa, recepcionar Getúlio Vargas no Aeroporto.
Mesmo sendo considerado como agnóstico, sem religião declarada, Getúlio Vargas fez questão de ir até à Igreja de São Francisco, a única da cidade até então, e ali se permitiu um momento de reflexão diante do seu altar.
Dali, Getúlio seguiu para o Clube Operário para falar para os operários que o esperavam. Abel disse que conseguir um jeito de também estar ali no COPA nessa visita de Getúlio Vargas a Paulo Afonso que ainda era o Povoado Forquilha.
Na narrativa que fez para este livro, Abel Barbosa enfatiza a sua admiração por Getúlio Vargas ao dizer:
- “A minha admiração por Getúlio Vargas me fez ingressar no PTB, partido em que estive filiado em toda a minha vida política, com exceção do tempo do governo militar, quando ficaram apenas a ARENA e o MDB, mas logo que acabou esse governo militar, voltei ao meu PTB”.
Sobre o suicídio de Getúlio Vargas, que aconteceu há 70 anos, em 24 de agosto de 1954, Abel Barbosa me disse: “Foi um grande abalo, uma perda terrível.” E acrescentou:
- “Hoje, leitor de tudo que se escreve sobre Getúlio, e muita coisa já li várias vezes, penso muito no seu suicídio e acho que ele não precisava ter chegado àquele ato extremo.”
Com bem falou a Professora e escritora Regina “não se pode falar nesta região sem trazer à memória a figura do presidente Getúlio Vargas.”
De fato, se foram duros os adversários do seu tempo, os que hoje militam em partidos e defendem ideologias contrárias às suas ações de antes, torcem o nariz e falam mal de Getúlio e assim será em todo lugar em que existam pessoas com pensamentos diferentes, mas, seja qual for a opinião, a ideologia partidária, o conceito que cada um possui sobre pessoas de ontem ou de hoje, nunca vai se poder esconder, negar, ignorar, que hoje se vive um Nordeste bem diferente daquele antes da existência da Chesf que levou a “luz de Paulo Afonso” para todo lugar.
E tudo isso só aconteceu porque Getúlio Vargas confiou no que lhe apresentava o seu Ministro da Agricultura e assinou os Decretos que criaram a Chesf, para a redenção do Nordeste.
Como disse o pioneiro Abel Barbosa, analisando-se a situação com os olhos e pensamentos nos tempos atuais, de fato, “não precisava ter chegado àquele ato extremo”.
Abel Barbosa tinha a Carta Testamento, ou carta de despedida de Getúlio Vargas em um quadro na parede de uma sala que transformou em Biblioteca quando morava na rua em frente ao campo de futebol do Jardim Aeroporto. (Veja a carta no final do texto).
Aos pauloafonsinos fica a lembrança do Getúlio vivo, altivo, decidido, visitando feliz a obra que ele autorizou e que só começou a existir quase três anos depois de sua assinatura.
Getúlio com o governador da Bahia, Regis Pacheco
É mesmo verdade, não se pode lembrar, falar, dessa região Nordeste imensa, nem destes arredores de Paulo Afonso, nem deste município que acolheu em seu solo as primeiras e importantíssimas usinas hidrelétricas da Chesf sem lembrar do peso da assinatura de Getúlio Vargas ao criar a Chesf.
Que o registro triste, a lembrança de um acontecimento pesaroso, nos remeta a outras boas lembranças, de vida, de desenvolvimento, de um novo olhar para o futuro porque a memória nos remete às mãos de um homem que não segurava uma arma, mas uma caneta. E com este gesto, mudou a história de toda uma região brasileira.
O Nordeste deve reverenciar, homenagear Getúlio Vargas que em um gesto extremo “saiu da vida para entrar na história”, mas antes, quase dez anos antes, em 3 de outubro de 1945, criava a Chesf que daria uma nova vida ao Nordeste e a milhares de sertanejos e nordestinos.
Como já dizia Thomas Carlyle (Reino Unido -1795/1881), escritor, historiador, ensaísta, tradutor e professor escocês durante a era vitoriana, “Nenhum grande homem vive em vão. A história do mundo não é senão a biografia dos grandes homens” (Thomas Carlyle).
E, como diz a escritora Regina Borges, “Complexo, paradoxal, estadista, destemido, visionário, revolucionário, uma figura digna de uma tragédia shakespeariana, assim foi Getúlio Vargas, que há exatos 70 anos, antes que uma bala lhe atravessasse o coração, despediu-se em carta do povo brasileiro e, como bem profetizou – mantém-se atravessando no tempo e na história, mobilizando trabalhadores, pensadores, estudantes, apaixonados pela política, defensores desse país que ele ajudou a construir.”
Transcrição da carta de despedida:
“Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.
24 de agosto de 1954
Getúlio Vargas