O maestro João Carlos Martins foi um grande pianista. Até que uma inexplicável doença nas mãos lhe aconteceu. Os dedos se tornaram rígidos. As várias cirurgias apenas atenuaram os sintomas. O João Carlos pianista se tornou maestro.
Passei boa parte da minha infância e adolescência nos bastidores de uma orquestra. O meu pai tocava contrabaixo na Orquestra Sinfônica da Universidade Federal da Bahia (o meu tio pelo lado materno tocava flauta). O meu irmão, que era um excelente zagueiro nos babas de rua e nos campos dos vales de Salvador, não conseguia entender que eu, de bom grado e boa-fé, acompanhava o meu pai nos ensaios e nos concertos naquele tempo no salão nobre da Reitoria da Universidade.
Foi lá que conheci o maestro Carl Reuter, vi a mão quase perdida do violoncelista Walter Smetak e fui apresentado ao ator da hora Geraldo Del Rey. Smetak havia tentado “estender” o alcance dos dedos para os acordes do instrumento, o que lhe causou brutal infecção. De Carl Reuter, a lembrança, quase trauma, do banho de cuspe que tomei. Dessa vez o ensaio acontecia na Concha Acústica do teatro Castro Alves e ventava muito. Sobrou pra mim segurar as partituras do maestro que, de cima para baixo, num txu-txu-txu sem fim, lançava em minha direção uma nuvem aterradora de partículas de saliva. Em casa, o banho mais demorado que já tomei na vida.
O mundo da música é simplesmente encantador. Aprende-se a gostar de música clássica. É uma questão de educar o ouvido e aprimorar o gosto. Assimilando o gosto pela boa música, o leitor jamais tolerará zoada e barulho. Navegará nos acordes dos temas clássicos e apreciará os doces sambas dos velhos mestres dos morros do Rio de Janeiro.
Pois o maestro João Carlos Martins se dispõe a assessorar os senhores prefeitos na formação de uma orquestra sinfônica de jovens nos municípios brasileiros. Para isto foi elaborado um projeto e já existem orquestras em 150 municípios. Os testemunhos de transformação e de aproveitamento dos jovens são encorajadores.
O maestro costuma pegar o telefone e ligar para o prefeito da cidade. Quando ligar para o nosso prefeito, esperamos que a resposta seja imediatamente um grande e redondo SIM.
Francisco Nery Júnior
Academia de Letras – Cadeira 18