OS IMBECIS PALRADORES
Por Edson Mendes
Antigamente os melros cantavam, os corvos grasnavam, os imbecis calavam. Nesse tempo de fábula, na savana e nas aldeias nossa luta era só pelo dia seguinte. Evoluímos e houve um tempo em que a caça foram as bruxas, e já era possível ouvir o palrar dos sabidos que, ignorando certas circunstâncias do mundo natural, pugnavam por livrá-lo do mal e da maldade.
Evoluímos, e nas tabernas nos vimos a chilrear e cantar. Com mais um pouco, a ciência permitiu que nossas vozes se ampliassem – mas ainda restritos em “um bar, e depois de uma taça de vinho”. Depois, inventamos a imprensa, o jornal, o telégrafo, o rádio, o telefone, a televisão, as revistas, o computador, a internet e por fim as redes sociais. E aí já não ouvimos os melros, nem os corvos, nem os pardais, nem os rouxinóis, sequer os imbecis.
Stravinsky dividiu a oitava em 12 meios-tons, criando a dodecafonia; nós fomos adiante: instalamos a algaravia, um sistema perfeito em que todos falam e ninguém escuta. Falar sem ouvir, uma prova de ignorância, é o que nos faz todos imbecis, pois torna impossível o diálogo, e sem diálogo não há consideração, sem consideração não há ética, sem ética não há empatia, consenso, dignidade, humanidade. É uma condição determinante - mas é também, justamente, a condição que nos salva porque, sendo transitória, pode ser suprida e revertida.
Nós, os néscios, grosseiros e estúpidos, produtores e reprodutores, trocamos o argumento pelo dogma, a persuasão pela agressão, os bons modos pelos maus modos, e não defendemos princípios, mas paixões. Todavia, podemos mudar – e isso será, sempre, uma prova de inteligência: é possível ter ideias opostas e defendê-las com elegância. É possível acreditar que delas, opostas ou supostas, justapostas, possa surgir uma outra, nascida da luz ou do consenso.
Mas, dirá alguém, como discutir, se discutir com um tolo é uma tolice? Como tolerar os intolerantes? Calando? Calando-os? A tolerância é uma virtude, mas eles são muitos, e se a cada dia são mais, menor nos parece a cada dia o quintal da paciência onde florescem as virtudes. Convém, contudo, a esse respeito, lembrar que, se somos todos árvores e ervas e arbustos e herbívoros, quem nos garante que está certo nesse incerto viver que nos conduz?
Na floresta enorme deste enorme paraíso, nós todos nascemos ignorantes, mas ninguém nasceu já imbecil. Nenhum de nós o admite – exceto aquele que, sabendo que não nasceu sabendo, para um pouco pra pensar, e pensa um pouco antes de afirmar e negar e acusar e sofismar e legislar e gritar e palrar. E agir.
Advirto aos que me acompanham por generosidade, curiosidade, ou mesmo malícia, que o termo aqui usado não é adjetivo, mas substantivo, e é nesta condição que me ponho, démodé, entre os animais da floresta, bois e beócios, a levantar poeira e costurar, sísifo, remendos utópicos com as linhas do horizonte. Sigo a cena e o rebanho aqui dos galhos genealógicos, a refletir sobre as ilusões do mundo e a sensatez dos insensatos.
Bois e beócios, papagaios e piratas, bestas e quadrúpedes, somos muitos. Nossa sorte, ou melhor dizendo nosso azar (?!), caros leitores, solidários e solitários aqui comigo empoleirados, é que esses muitos, mesmo sendo tantos, não sabem voar, como disse uma vez Ednardo... Mesmo assim, mas confiante no poder da aprendizagem, aceitarei, de bom grado, se lhes parecer pertinente, a gentileza de ser ouvido, como também a pecha de balda – uma carta sem valor, que serve apenas para descarte. Ou, apenas e ainda, um novo velho parceiro em seu longevo Clube dos Imbecis Palradores.
11/02/2022