CRISÁLIDAS
Cristina. O amanhã não existe. É uma utopia. É de todos. Nunca pertencerá a ninguém. Mais ou menos – exatamente – como a linha do horizonte. Não serve para nada. Mas mesmo assim tem serventia. Como está à nossa frente, serve como sinal. Sinal é uma diretiva. Diretiva é uma direção. Está no finzinho do mundo. Parada. Nós, não. Estamos caminhando. Sempre. Eternamente... Ela está lá. Parada. Sempre. Eternamente... Nunca morrerá. Nos, não. Morreremos – e enfim nos encontraremos. Mortos. Eu e você, ela e os outros. Aí, então, nem antes, nem depois, a luz acende. O sol. Finalmente enxergamos. Você sabe. Você vê. Mas não en xerga... O amanhã é uma utopia. Uma linha. U ma crisálida... Sempre esteve aqui, e não lá. Quando a crisálida morre, não morre. Vira lagarta. A luz o sol é o único detergente que limpa todas as sujeiras. E todos os pecados. Eu gosto de você. Desejo que seja feliz para sempre. Boa noite. Um beijo. Adeus.
18h22
Boa noite, Humberto.
Boa noite. Cincinato.
Ainda é dia, mas já é noite. Esta é a hora do Angelus. A mesma do crepúsculo. Ainda é dia, mas escureceu. Vejo vocês, e ouço, mas não enxergo. Mas amanhã, quando a estrela Alba chegar, o dia renascerá. Aí então nos encontraremos. Os vivos, e os mortos. "A luz há de chegar aos corações. Do mal será queimada a semente. O amor será eterno novamente." Eu gosto de vocês. Desejo que sejam felizes para sempre. Boa noite. Um beijo. Adeus.
20h34
Cristina. Meu amigo Humberto iria fazer uma cirurgia amanhã. Adiada por um mês. Mas ele estava sem defesas. Precisou de repouso, para ficar melhorzinho. Ficou. Aí o medico disse: vamos fazer na sexta. A cirurgia é no pâncreas. Durante todo esse tempo o filho, Cincinato, acumulou e cuidou dos trabalhos do pai. O nome do pai é Jose Humberto Espinola Pontes de Miranda, 80 anos, ex-Chefe do Serviço Juridico do Banco do Brasil em Pernambuco, atual Presidente de nossa Academia. Às 10h de hoje recebi um zap: "Cincinato morreu agora. Infarto fulminante". O velório foi às 14h.
22h21
Ruy Araujo escreveu um necrológio enquanto chorava, e publicou no grupo. Eu, chorando, fui fazer o mesmo, escrevi a primeira palavra e não consegui escrever a segunda. Em certo momento, você chegou. Tudo que você manda eu leio. Eu li, e fiquei feliz com o que li. Pela primeira vez. Não foi pelo conteúdo, mas pelo nexo, pela conexão, pela união, pelo vínculo. No mesmo instante respondi emocionado, e mandei. Voltei a chorar. E a soluçar, porque a homenagem que lhe fiz, que fiz para você, não foi para você. Enquanto tentava, chorando, escrever aquela segunda palavra, ela, e todas as outras, já estavam escritas, inclusive o ponto final. Mandei para ele, mas foi entregue a você.
22h37
A primeira via, sim, eu fiz para você. Então, pergunto: você autoriza que eu mande a segunda via dele, que fiz para ele?
22h40
liguei 4 vezes, mas a essa hora você está dormindo. até a meia noite eu tenho que mandar. vou esperar que uma autoridade maior do que eu e você me diga o que fazer. aí, farei. eu gosto de você. desejo que seja feliz para sempre. boa noite. um beijo. adeus.
19h11, quinta-feira, 9.2.2023
Cristina está dormindo.
Cincinato, não.
Eu gosto de vocês. E de vocês. Desejo que sejam felizes para sempre. Boa noite. Um beijo. Adeus.
19h11, domingo,12.2.2023