NARRATIVAS
Narrativas são exposições de fatos, reais ou fictícios, narrados em ordem cronológica ou psicológica. Desde sempre fazem parte da aventura sapiens, nos ajudam a pensar, quando construídas pela ficção, e a compreender, quando se detém sobre os fatos. Sendo instrumento da linguagem e, portanto, das paixões, a narrativa explica a condição humana, mas também a interpreta. O uso da palavra, que chamamos retórica, ou arte da comunicação, se assenta sobre a lógica, ou arte de pensar, que busca distinguir o falso do verdadeiro, e sobre a gramática, que é a arte de traduzir o que pensamos. Incompletos e imperfeitos, estamos todos sujeitos às consequências do mau uso, ou do bom uso, intencional ou fortuito, desses instrumentos. Que servem à virtude, mas também aos vícios... Górgias, na Grécia antiga, dizia que virtude é a capacidade de usar a palavra com fins próprios. Protágoras o contradisse, afirmando que virtude é a força da razão, que torna forte o argumento mais fraco, e assim busca o que é bom, desejável e verdadeiro. Hoje, tantos anos depois, vivemos tempos difíceis. “Organizar enredos, apresentar histórias faladas, escritas e filmadas não é mero exercício de interpretação dos acontecimentos, mas uma intervenção ideológica na sociedade de classes”, defende Afonso Machado. Sobre o uso das narrativas como ferramenta de manipulação e controle social, há muitos registros históricos. Veja o que disseram Joseph Goebbels: "Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”, Vladimir Lenin: “Um a mentira dita com frequência suficiente torna-se verdade” e Adolfo Hitler: “Quanto maior a mentira, mais pessoas acreditarão nela”. Quando a verdade não serve, fabricamos outra - e assim prospera entre nós, os incautos, nestes princípios do novo século, a ilusão da pós-verdade. No Brasil, de um canto a outro de nosso jardim democrático, “tudo que é sólido desmancha-se no ar”. A verdade líquida, contudo, nasce do contraditório, e este do bom senso, que ao final se configura na síntese dialética. O próprio presidente da República, em recepção ao Presidente Nicolas Maduro, orientou, na semana passada: “Cabe à Venezuela mostrar sua narrativa, para fazer as pessoas mudarem de opinião. É preciso que você construa sua narrativa. E eu acho que, por tudo que nós conversamos, a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que a narrativa que eles têm contado contra você”. Em fevereiro, disse ao ex-ministro Jose Dirceu: “Você tem que brigar para construir uma outra narrativa na sociedade brasileira...” Se há conflito entre as versões, deve ser concedido às partes, sim, o direito de apresentar os fatos, para que a opinião pública os conheça e decida. Mas é preciso entender que o mais importante em uma narrativa não é que seja melhor, e sim que seja verdadeira. Como sabemos, a melhor narrativa sempre será aquela que, além de boa e bela, seja também verdadeira. Sem a verdade dos fatos, disse Hannah Arendt em “Verdade e Política”, como conceber a ideia da política e o projeto de democracia? Nenhum de nós está isento de erros. Mas todos somos obrigados a pensar antes de agir, sob pena de nos juntarmos à multidão dos inocentes... A força do número deve subordinar-se à força da razão. Sem o pudor de mentir, perde-se a noção de realidade, o testemunho do passado e a confiança no futuro. Quando nos recusamos, os comuns, a conhecer os fatos que contradizem as crenças, seguimos a estratégia dos que nos conduzem. Um verdadeiro suicídio da consciência. Por que o fazemos?
Edson Mendes
15.06.2023